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Por dentro dos presídios brasileiros onde detentos estudam e têm as chaves das celas

Publicado 13 Fev 2017 – 10:00 AM EST | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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*Matéria publicada em 13 de fevereiro e atualizada em 24 de fevereiro de 2017

A APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) é uma modalidade diferenciada de tratamento penal: os próprios presos têm as chaves das celas, são responsáveis pela limpeza do local, estudam, trabalham e fazem cursos profissionalizantes.

Outro valor de destaque na recuperação dos internos é a “valorização humana”, como explica o gerente de relações institucionais da FBAC, Rinaldo Cláudio Guimarães.

“Na APAC se valoriza o homem, que nasceu sem rótulo de bandido; e esta é a forma original de todo ser humano, preso ou não”. 

De presidiários dos regimes fechado, semiaberto e aberto, eles se tornam “recuperandos”. Para ingressar em uma APAC, entretanto, é preciso cumprir alguns critérios: ter passado pelo sistema penal comum, ter sido condenado, manter vínculos familiares na região e demonstrar vontade de se adaptar à metodologia.

Ex-goleiro Bruno era um dos detentos

Há pouco mais de um ano, o ex-goleiro estava na unidade prisional alternativa, a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) em Santa Luzia, na Grande Belo Horizonte. Antes, ele cumpriu pena na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na mesma região.

Bruno foi condenado a 22 anos e três meses de reclusão, em regime inicial fechado. Ele responde pelos crimes de homicídio qualificado, sequestro e cárcere privado, além de ocultação de cadáver de Eliza Samudio.

Nesta sexta-feira (24), o ex-goleiro Bruno Fernandes será solto por uma decisão do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado concedeu liminar no habeas corpus e, na decisão, afirmou que o ex-atleta está preso há seis anos e sete meses, mas, “sem culpa formada”. “Nada, absolutamente nada, justifica tal fato”, disse o ministro.

Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Bruno foi transferido do presídio comum para este tipo de detenção por cumprir todas as exigências previstas pelo Poder Judiciário. O histórico do ex-goleiro nas prisões comuns – que ele classificou como “escola do crime” em entrevista à revista Veja também foi levado em conta.

A defesa do ex-goleiro Bruno entrou com pedido de habeas corpus alegando que o fato de ele estar preso preventivamente desde 2010 caracteriza-se como “antecipação de pena”. Eles também destacam que Bruno apresenta condições favoráveis, como ter bons antecedentes e ser réu primário.

Já o ministro Marco Aurélio afirmou que o clamor social frente ao caso é “insuficiente” para respaldar a prisão preventiva de Bruno.

APAC no Brasil: raio-x 

A recuperação dos presos brasileiros é assunto que não sai de pauta. Daí a curiosidade sobre como as APACs funcionam, sem agentes penitenciários armados, em um país que enfrenta uma crise penitenciária, com superlotação, brigas de facções e tentativas ineficientes do Governo de reprimir a população carcerária

Fato é que o índice de reincidência das APACs é bem baixo: de 8% a 15% de seus internos voltam à criminalidade, frente aos 70% estimados entre detentos de outras unidades. Por isso mesmo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda a expansão do modelo, que promove a reinserção social.

Metodologia

A metodologia foi criada em 1972, pelo advogado Mário Ottoboni, em São José dos Campos, com voluntários cristãos. Ela é focada na recuperação dos presos, que mantêm uma rotina com regras de disciplina e de convivência. Segundo a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), que orienta e fiscaliza as APACs, no início do trabalho, a sigla significava Amando o Próximo Amarás a Cristo.

O sistema não é só aplicado no Brasil: Canadá, Portugal, Chile, Nigéria, Austrália, entre outros países, contam com unidades de APACs.

Até mesmo a estrutura física é diferente dos presídios comuns. Na foto acima, uma parte da área externa a unidade de Pouso Alegre (MG).

A Associação se mantém baseada em 12 elementos:

  • Participação da comunidade
  • Recuperando ajudando o recuperando
  • Trabalho
  • Religião
  • Assistência jurídica
  • Assistência à saúde
  • Valorização humana
  • Família
  • Voluntário e sua formação
  • Centro de Reintegração Social (CRS)
  • Mérito
  • Jornada de libertação com Cristo

A religiosidade, portanto, é um quesito de valor na rotina dos “recuperandos”, como mostra o estudo Reincidência Criminal no Brasil, feito por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea. 

No relatório, os “recuperandos” afirmam que “o método prega que você tem que ter religião, independentemente de qual for” e que “todo ser humano é recuperável, mas tem que ter Deus no coração”.

Além de humanizar o tratamento prisional, o método ainda garante ocupação e capacitação aos internos. “As atividades começam às 6 horas e terminam às 22 horas. São atividades de trabalho e de valorização humana, nos âmbitos educacional, profissional e espiritual”, comenta Rinaldo.

Para coordenar essas tarefas e prestar ajuda aos "recuperandos", as unidades têm funcionários e voluntários.

O que eles têm direito

Estudo e lazer

O Centro de Reintegração Social (CRS) de Santa Luzia, onde Bruno cumpre sua pena, conta com atividades de estudo, trabalho, cursos de artesanato e profissionalizantes e laborterapia. A rotina vai até às 17 horas. O ex-goleiro disse à Veja que já fez cursos de pedreiro, jardineiro e de solda.

Acima, as fotos são de recuperandos da unidade realizando atividades de pintura e de horta.

Até às 18 horas, os “recuperandos” que não cometeram faltas têm direito a lazer: assistem à TV, filmes e futebol. 

Os "recuperandos" do regime semiaberto podem trabalhar externamente. Já os outros se dedicam a trabalhos de laborterapia - sem remuneração.

Nas unidades, eles ainda podem assistir aulas de EJA (Ensino de Jovens e Adultos).

Alimentação

As refeições são preparadas por “recuperandos” do regime semiaberto e servidas a eles e aos que cumprem regime fechado. Na foto, a cozinha da unidade feminina de Nova Lima.

Visita íntima

Os “recuperandos” casados ou amasiados têm direito à visita íntima em sistema de rodízio, de 15 em 15 dias.  

Cuidam das próprias chaves 

O ex-goleiro Bruno é um dos seguranças do chamado Centro de Reintegração Social (CRS). 

“Os ‘recuperandos’ garantem a segurança do Centro a partir do princípio da confiança. Eles têm todas as chaves”, destaca Rinaldo. 

São raras as ocorrências de fuga, de acordo com o Ipea. Apesar disto, dois homens fugiram neste mês da unidade que Bruno está cumprindo pena. 

Até sexta-feira (10), a dupla, que estava armada no momento da fuga, não havia sido recapturada. “A Apac está investigando o caso para descobrir como eles conseguiram ter acesso às armas e para identificar os responsáveis”, disse o Tribunal de Justiça, em nota. “Se os detentos forem presos, por terem cometido falta grave, eles retornam para o sistema prisional comum”.

O que eles devem cumprir

Além de cumprirem os requisitos para transferência, os “recuperandos” precisam se adaptar à disciplina da Apac, com horários para acordar e dormir, fazer as refeições e até se reunir com os demais “recuperandos” para fazer preces coletivas.

A conduta de cada um é avaliada internamente pelos funcionários.

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