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Por dentro dos presídios no Brasil: massacres, superlotação, facções e uso de celular 

Publicado 6 Jan 2017 – 06:45 PM EST | Atualizado 2 Abr 2018 – 09:32 AM EDT
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*Matéria atualizada em 16 de janeiro de 2017

A crise prisional  ganhou mais um sangrento capítulo nestes primeiros dias de 2017. Em uma rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Natal, Rio Grande do Norte, que se iniciou no sábado (14), 26 detentos morreram por brigas de facções criminosas rivais, segundo as autoridades.

Até agora, o Brasil já contabilizou mais de 130 mortes em presídios. A carnificina assusta desde o início do ano, quando 93 presidiários assassinados dentro de três unidades prisionais em um intervalo de cinco dias colocou a situação caótica do sistema penitenciário brasileiro em destaque nas manchetes do País e assunto no Mundo. 

Os episódios são associados a acerto de contas de facções criminosas.

Em uma ação que se iniciou em 1º de janeiro, 56 presos foram mortos no complexo penitenciário em Manaus (AM); na tarde de 2 de janeiro, quatro presos foram mortos na Unidade Prisional de Puraquequara, também em Manaus. Na madrugada desta sexta-feira (6), outros 33 encarcerados foram encontrados mortos em Boa Vista (RR). 

As chacinas abrem uma ferida que nunca se cicatrizou no Brasil: a incapacidade do Estado e da sociedade em lidar com o encarceramento, o fortalecimento das facções criminosas e a falta de vagas nas cadeias aliada à dificuldade de se controlar o uso de celulares nas celas.

A bomba-relógio formada por estes quatro ingredientes dá origem ao que tem se chamado de 'caos penitenciário'. De fora das celas, autoridades e cidadãos discutem como apagar esse barril de pólvora, enquanto facções criminosas e seus líderes ditam as regras (e as mortes) do presídio para dentro.

Mas, afinal, o que acontece dentro dos presídios brasileiros? Qual é o perfil de quem está preso e por que acontecem tantas mortes?

Com base nos levantamentos oficiais mais recentes, traçamos um raio-x das cadeiras brasileiras. Leia a seguir.

Cadeias brasileiras: entenda situação

A matança no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, no Amazonas, deixou 56 vítimas e foi o primeiro capítulo do caos que se instalou na área da segurança nacional. No mesmo estado, a morte de quatro detentos foi confirmada na Unidade Prisional de Puraquequara. A chacina no Compaj foi liderada pela facção Família do Norte, que tem ostensiva atuação na região.

O terceiro episódio, registrado na madrugada desta sexta-feira (6) em Rondônia, comprovou que as organizações criminosas têm mais poder dentro das cadeias do que autoridades e sociedade podem prever. 

O ministro da Justiça, Alexandre Moraes, atribuiu a ação na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista, a brigas internas da facção Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo a imprensa local, os mortos teriam sido decapitados.

No sábado (14), mais 26 presos foram decapitados dentro das celas em Natal. A Polícia só entrou no presídio 14 horas depois do início do motim.

Dimensão

Os dois primeiros massacres estão entre os três maiores em número de vítimas em presídios brasileiros. Só perdem para o massacre do Carandiru, em São Paulo, em 1992. Na ocasião, 111 presos foram mortos em uma ação policial. Os policiais tiveram seu julgamento anulado. No final de dezembro de 2016, o Ministério Público de São Paulo entrou com recurso no Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal contra a decisão. O processo ainda não foi julgado. 

Mortes nos presídios

O retrato do encarceramento brasileiro, infelizmente, é sangrento: segundo levantamento feito pela Folha de S. Paulo com base em informações dos governos estaduais, um preso é assassinado a cada dia no país. Em 2016, pelo menos 372 pessoas foram mortas em unidades prisionais, de acordo com o jornal.

O acerto de contas e dizimação de representantes de facções rivais é um fator recorrente dentro das celas. Tanto que, em outubro de 2016, a penitenciária de Rondônia foi palco da morte de 10 presos do Comando Vermelho (CV), em ação de presidiários ligados ao PCC. 

Facções criminosas

O episódio de outubro de 2016 é considerado o rompimento oficial entre o Comando Vermelho (CV), facção carioca, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Se antes as facções atuavam como parceiras, hoje, seus líderes planejam a morte de presos e criminosos que façam parte da concorrente.

As duas têm forte participação no tráfico nacional e internacional e representam 41% dos presidiários dos quatro presídios federais de segurança máxima. A separação aconteceu por conta de o CV ter se aliado a facções menores. De acordo com matéria do jornal O Globo, a Família do Norte (FDN) tem um "pacto de convívio" com o CV. 

Celulares dentro das cadeias

Lamentavelmente, vídeos com imagens do massacre em Amazonas, gravados pelos próprios presos de dentro da cadeia, circularam pela internet. As imagens mostram presidiários comemorando a morte de integrantes do PCC. 

O problema é que, segundo publicado pelo jornal O Globo, 65% dos presídios não têm bloqueadores de celulares ou detectores de metais. 

A situação favorece a comunicação de líderes criminosos com seus grupos para planejamento de ataques e massacres, além de facilitar o controle das atividades da criminalidade fora dos presídios.

Superlotação 

Já não é de hoje que a conta entre o encarceramento e o número de vagas nas unidades prisionais não fecha. A população atrás das grades é de 607.731 pessoas; entretanto, o Brasil conta com 376.669 vagas (o que representa um déficit de mais de 230 mil vagas).

Ou seja, em um espaço planejado para custodiar 10 pessoas, são encarcerados 16 indivíduos, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça, de 2014.

Segundo reportagem da EBC, até quarta-feira (4), a unidade de Boa Vista contava com quase o dobro de sua capacidade de 750 presos, abrigando 1.456 detentos.  

Comparando a outras realidades no mundo, somos o quarto país com maior população encarcerada, atrás de Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (673.731).

Pior: a taxa de aprisionamento não para de crescer ao longo dos anos. Ainda de acordo com o Infopen, de 2000 a 2014, o aumento foi de 119%.

Plano Nacional de Segurança

A questão da superlotação foi contemplada pelo pacote de medidas divulgado por Michel Temer, o Plano Nacional de Segurança Pública, frente ao caos penitenciário.

Foi anunciada a construção de cinco novos presídios federais de segurança máxima, com capacidade de pouco mais de 1.000 vagas, além de repasse de R$ 800 milhões para os Estados construírem penitenciárias (com abertura de até 25 mil vagas). Também foi incluída a instalação dos bloqueadores de celulares e de detectores de metais.

As medidas foram criticadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes horas após o anúncio oficial, em entrevista à BBC Brasil.

“A questão não se resolve com construção de presídios. Até porque um presídio para ser construído vai levar três, quatro anos, com todos os incidentes que ocorrem, licitações e tudo o mais”.

Veja outros pontos do Plano: 

  • Reduzir homicídios, feminicídios e a violência contra a mulher;
  • Promover o combate integrado à criminalidade transnacional – ligada a grandes quadrilhas que atuam no tráfico de drogas e de armamento pesado;
  • Racionalização e modernização do sistema penitenciário (a saber: separação de unidades por crimes, análise judicial dos presos atuais, proporcionalidade na progressão de regime, além da instalação dos scanners e bloqueadores de celular e compra de tornozeleiras eletrônicas).

Dados sobre os detentos 

  • Situação: 4 a cada dez presos estão encarcerados sem terem sido julgados e condenados;
  • Motivo: 27% dos presos são por tráfico de drogas, seguido de roubo (21%) e homicídio (14%);
  • Onde: São Paulo é o estado com maior população prisional, 219.053 pessoas privadas de liberdade, o que corresponde a 36% da população prisional do país;
  • Unidades prisionais: são 1.424 unidades prisionais, entre penitenciárias, cadeias públicas, hospitais de custódia e locais para cumprimento de regime semiaberto e aberto;
  • Divisão por gênero: 75% das unidades são para homens, 7% para mulheres e 17% são estabelecimentos mistos (não há informação de 1% das unidades);
  • Perfil: 56% são jovens de 18 a 24 anos, 67% são negros, 53% têm o ensino fundamental incompleto. 

Segurança no Brasil

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