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Relato sincero de mãe escancara quão difícil é conseguir emprego quando se tem filhos

Publicado 8 Mar 2018 – 11:05 AM EST | Atualizado 14 Mar 2018 – 02:39 PM EDT
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A profissional de Comunicação e Tecnologia Camila Conti, sócia da startup Maternativa, passou por maus bocados no mercado de trabalho depois de ser mãe. Sua experiência, no entanto, não se tornou apenas uma péssima lembrança. Ela compartilhou seu pequeno "experimento pessoal" para escancarar uma realidade que é muito menos falada do que deveria: no mercado de trabalho, filhos muitas vezes são vistos como um empecilho para a mulher.

Procurar emprego e ser mãe

"Procura-se profissional competente, que tenha experiência na área. Não pode ter filhos pequenos". 

A descrição acima de uma vaga de emprego fictícia, infelizmente, não foi construída meramente da nossa imaginação. Ela reúne requisitos de anúncios de emprego reais, divulgados em grupos de Facebook, especialmente para mulheres. Não importa para qual cargo a oportunidade seja, fato é que o mercado de trabalho discrimina mulheres que têm filhos.

Camila Conti fez um experimento pessoal sobre a recolocação de uma mulher no mercado formal de trabalho após a maternidade e constatou: muitas vezes um filho pequeno, para os recrutadores e empregadores, é visto como um empecilho para contratar uma mulher.

Para entender a realidade por qual milhares de brasileiras passam dentro do mercado de trabalho nestas condições, também conversamos com a professora da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPGE) e autora do estudo “Licença maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil” Cecilia Machado. 

A experiência de Camila

Quando Camila Conti descobriu que estava grávida, ela estava empregada. Mas, o acordo foi simples: por trabalhar como pessoa jurídica (o famoso "PJ", modalidade de contratação que tem vínculos diferentes, mais frouxos em comparação com as regras da CLT) ficou acertado que ela deixaria o emprego no nono mês, pegaria férias e não voltaria mais.

"Me convidaram pra uma conversa pra acertar minha saída na semana seguinte. Eu vivi na pele toda a dificuldade de ser mãe e estar no mercado de trabalho. Por isso que criei a Maternativa, com minha amiga e sócia Ana Laura Castro", contou Camila ao VIX.

O Maternativa é uma plataforma que reúne produtos e serviços fornecidos por empreendedoras maternas do Brasil que também dá workshops para essas mulheres e mantém um grupo de apoio  e integração no Facebook.

Relato

No final de 2017, Camila resolveu, então, fazer um experimento para avaliar como as oportunidades de emprego (e todo o processo, da entrevista à contratação) eram vividas por mulheres que têm filhos.

Em um relato publicado no site da Revista AzMina, ela conta como foi eliminada de cinco entrevistas de emprego no momento em que os recrutadores descobriam que ela tinha um filho pequeno.

"Eu começava só respondendo o que os recrutadores perguntavam. Depois, eu falava do meu filho. porque eu não coloquei no meu currículo nem idade nem que era mãe. Só uma foto. E eu fazia isso justamente pra testar esse comportamento", comenta.

"Tudo ia bem, quando eu falava do meu filho. 'Cataploft'. Tudo mudava na hora: 'ah, então vc tem filho? Quantos aninhos? Vai para escola? Fica com quem?'".

O relato completo está no link para a Revista AzMina, mas aqui você lê um trecho:

"Eu recebi uma ligação de uma recrutadora que buscava uma profissional de design para um grande banco, desses que faz campanhas bem bonitas com crianças, mães, pais e famílias felizes em seus comerciais. Meu filho estava na sala brincando e eu atendi a ligação com uma certa tensão (quem tem filho pequeno sabe o que acontece quando eles nos veem com um celular). O papo seguia bem, muito bem por sinal, até que o Jun apareceu no quarto e começou a gritar: “Mamãe, mamãe!”. Ao pedir um minuto para a recrutadora e arregalar meus olhos para o meu filho pedindo calmamente para que ele não gritasse e me desse um minuto…ela desligou o telefone. O quarto processo do ano foi um desastre total. Fui diretamente à empresa, falei sobre minha experiência e eles foram diretos: ‘Precisamos de uma pessoa com disponibilidade total, talvez com um filho fique difícil para você’. Opa! Que tal deixar que eu mesma decida sobre isso? Meu filho tem pai, vai para a escola em tempo integral, moro quase ao lado dessa agência…Nos meus sonhos mais profundos eu levantava, empurrava a mesa, destruía as plantas, chutava o galão de água e a mesa de café. Na vida real, levantei e fui embora".

Para eles, ter filhos não é empecilho 

"Meu marido fez duas entrevistas de emprego no ano passado, conseguiu as duas vagas e mencionou que tinha filho, espontaneamente. Para ele, isso não foi empecilho", ponderou Camila.

"Na Maternativa, uma menina disse uma vez em um desabafo que ela tinha sido demitida pelo mesmo motivo que o colega dela homem tinha sido promovido: ambos tiveram filhos. Essa fala me marcou muito".

O que há por trás do relato

A prática de não empregar mulheres por que elas podem engravidar e ter filhos é comum.  Mulheres tem o dobro de dificuldade em qualquer cenário: a instabilidade na carreira se dá tanto para conseguir um novo emprego quanto para se manter no mercado depois do nascimento de um filho - isso, aliás, é crime previsto na lei 9.029, de 1995, que proíbe "a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros (...)".

Os dados sobre a dificuldade que mães enfrentam no mercado de trabalho são apontados pela  pesquisa feita pela economista Cecilia Machado (em inglês), em parceria com o autor Valdemar Neto, aluno de doutorado da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo:

  • No momento da licença, todas [que participaram da pesquisa] estão empregadas.
  • A partir do quinto mês após o início da licença maternidade, quando acaba o período de garantia ao emprego, começa a queda — nessa etapa, 5% da população não trabalha mais.
  • Esse percentual sobe para 15% no sexto mês.
  • Ao fim de 12 meses após o início do benefício, 48% das trabalhadoras já estão fora dos seus postos de trabalho. No segundo e terceiro anos subsequentes, o percentual de afastamento permanece neste mesmo patamar. Consta que a maioria das mulheres é demitida sem justa causa.

Com base em dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2015, as taxas de mulheres de 25 a 44 anos que têm filhos ou não e estão trabalhando formalmente são bem diferentes: se em uma população sem filhos a marca é de 65% do total, quando o recorte vai para mulheres com criança pequena, o índice cai para 30%. A participação da mulher com filho só é retomada conforme ele vai crescendo (chegando a 55% quando a criança tem 6 anos), o que prova que "de fato, a criança pequena está associada a menor participação das mulheres", aponta a pesquisadora.

"Esses números estão associados ao fato de que, aos 6 anos, a criança entra em idade escolar e começa a frequentar o ensino fundamental", avalia Cecilia.

Por outro lado, para os homens, a saída do mercado de trabalho não se associa a eles terem se tornado pais: entre os homens de 25 a 44 anos que têm filhos recém-nascidos, 89% ainda permanecem trabalhando. "As pesquisas nacionais e internacionais mostram que os filhos ainda são os grandes responsáveis pela saída da mulher do mercado de trabalho".

É claro que há fatores que interferem nos resultados da pesquisa. Entre eles, incentivos para que a mulher peça a demissão, o tipo de emprego e o cargo ocupado e o nível educacional que a funcionária tem. 

"Percebemos que quanto maior a escolaridade, menor é a queda de participação das mulheres. Surgem, então, duas hipóteses: a de que a permanência dela no emprego gera retorno para a firma (que, por outro lado, investiu nessa mulher) e a de que a mulher tem o salário mais alto e, por isso, consegue delegar o serviço com os filhos para babás e creches". 

E ainda que represente um desequilíbrio na sociedade entre pessoas que se identificam como homens e mulheres, a diferença de porcentagem de afastamento de homens e mulheres de seus empregos também deve levar em conta a alta rotatividade comum ao mercado de trabalho no Brasil.

É possível mudar essa realidade?

A mudança, fundamental para a igualdade de gêneros, passa tanto por aspectos de lei e sociais quanto culturais. "Os caras tem de fazer a parte deles. O dia em que os homens começarem a faltar para cuidar dos filhos doentes, ou sair mais cedo para pegar na escola e levar no pediatra...Aí, a coisa muda", analisa Camila. 

Refletir sobre a determinação de licença maternidade e paternidade também faz parte desse caminho, avalia a pesquisadora.

"A licença maternidade, apesar de tentar ajudar as mulheres que tradicionalmente são associadas a atividades de cuidado conseguirem conciliar o novo membro da família com a profissão, não deixa de reforçar um estereótipo, pois só a mulher pode tirar licença. E se fosse compartilhada seria melhor? Não necessariamente. O melhor seria uma licença parental, em que tanto mulher quanto homem podem tirar. Isso é uma questão cultural. Tem uma parte que diz respeito ao equilíbrio da sociedade e dos homens, que precisa ser compartilhada", finaliza Cecilia.

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