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“Somos um pedaço de carne”, diz mulher filmada na Lagoa sobre falas dos assediadores

Publicado 6 Ago 2020 – 01:02 PM EDT | Atualizado 6 Ago 2020 – 01:11 PM EDT
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Nos últimos dias, a web se indignou com o caso de duas mulheres que foram filmadas enquanto faziam ioga à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e tiveram o momento exposto na internet junto dos comentários ofensivos e humilhantes que homens faziam enquanto gravavam a cena. Após denunciar a situação, a advogada Mariana Maduro, principal alvo dos comentários dos homens que as filmaram, usou o Instagram para rebater a nota de esclarecimento divulgada por um deles, gerando ainda mais indignação entre os internautas.

Mulheres são filmadas e expostas fazendo ioga

O vídeo em questão foi publicado em redes sociais de uma casa de artigos militares chamada “Loja de Militaria” no último sábado (1), e acabou sendo apagado quando Mariana fez uma campanha no próprio perfil para que as imagens fossem tiradas no ar. Nelas, ela e outra mulher aparecem fazendo exercícios de ioga enquanto o autor do vídeo e um vendedor local falam sobre a cena.

“Ela tá plantando bananeira? Vê se ela tá plantando. Vê, vê, vê. Tá plantando, não? Na hora que ela plantar, vou tirar [foto] com a água, fazer anúncio da água”, diz o vendedor após posicionar garrafas de água em uma mesa próxima ao local onde as duas estavam se exercitando. Conforme Mariana fica de cabeça para baixo, ele começa a filmá-las, comemorando, enquanto o autor do vídeo comenta a situação.

“Ô, Celsão, tu fica disfarçando, vai botar a água ali pra ficar fingindo, é? Celsão, tu não vale p* nenhuma, hein? Ó lá o que é um velho tarado, ó. Celsão, tu é o maior doente sexual. Tu fica só de ‘voyeur’. Hein, Celsão, tu é mó ‘voyeur’”, diz o homem.

Em resposta aos comentários, “Celsão” dá a entender com gestos e metáforas que usa esse tipo de material para se masturbar, gerando risos por parte do autor do vídeo – e, conforme as cenas repercutiram positivamente entre os seguidores das redes sociais da loja (que tem mais de 300 mil seguidores no Instagram e mais de 230 mil curtidas no Facebook), Mariana tomou conhecimento sobre elas e se manifestou.

Em seu perfil do Instagram, a advogada compartilhou as cenas mostrando o perfil do qual vieram, e escreveu um desabafo pedindo que seguidores e demais internautas denunciassem a publicação para que ela deixasse de circular. Caracterizando o ocorrido como uma “violência brutal”, ela questionou o fato de mulheres serem assediadas e expostas até em situações corriqueiras, e se mostrou abalada com a situação.

“Até quando as mulheres serão violadas o tempo inteiro?!?! Até quando será engraçado abusar e violar uma mulher? Até quando será tão “normal” violentar uma mulher, que se posta a violência com gracejo!!?! Até quando VOCÊ vai fechar os seus olhos para essa triste realidade?! Somos vítimas 24 horas por dia e você, homem, não tem ideia do que é isso (que bom!)”, disse ela.

Em seguida, ela afirmou que sempre pratica a atividade física naquele mesmo lugar, mas que, a contragosto, teria de deixar de frequentá-lo. “Quem você acha que vai ficar sem ir lá amanhã? Eu ou esses doentes? Claro que eu, porque agora só consigo vomitar e chorar”, disse ela. Após algumas horas desde o desabafo da advogada, a postagem foi excluída das duas redes sociais da loja.

Denúncia e resposta à “nota de esclarecimento”

Após a postagem de Mariana, o assunto tomou as redes sociais e outras pessoas se indignaram com a situação pela qual a dupla de mulheres passou, expressando solidariedade e tristeza pela falta de respeito com que mulheres precisam lidar todos os dias.

Diante da enorme repercussão, os vídeos originais foram excluídos das redes sociais e, na última terça-feira (4), uma nota de esclarecimento foi postada em nome do dono da loja no perfil do Facebook. No texto – que é pré-datado do dia 2 de agosto –, ele pede desculpas a quem se sentiu ofendido e afirma que aquilo se trata de uma “conversa íntima entre amigos” que “veio a público através de uma publicação infeliz”.

“Sirvo-me da presente para me retratar publicamente dos acontecimentos do último sábado 01.08.20, onde uma conversa intima entre amigos veio a público através de uma publicação infeliz por mim publicada em minha rede social Instagram que conferiu erroneamente um tom genérico, abstrato, grosseiro que não corresponde à minha conduta durante os 6 (seis) anos de publicações nas referidas redes sociais, venho externar minha solidariedade a quem se sentiu ofendido ou depreciado pela referida postagem, assim que tomei conhecimento do erro cometido, retirei imediatamente a postagem que não durou mais de 50 min ativa, deixo claro que a partir desta data supracitada não foi por mim impulsionada mais nenhuma postagem nesse teor”, diz a nota.

No mesmo dia, Mariana publicou um vídeo em resposta à nota após voltar da delegacia onde denunciou a situação. Nele, ela se mostra indignada pelo fato de que o texto está pré-datado, rebate algumas afirmações e diz que, há cerca de um mês, ela e outros praticantes de ioga já haviam sido filmados e expostos no Facebook da loja. Na ocasião, segundo ela, foram feitos comentários sobre as partes íntimas das mulheres.

“Ele fala que, na verdade, ele está se retratando de um acontecimento onde uma ‘conversa íntima entre amigos veio a público’. São 300 mil amigos, para a gente esclarecer, né? Porque era nitidamente uma postagem que estava sendo feita, ele não estava conversando com nenhum amigo ao lado, não foi que alguém o filmou inadvertidamente e o vídeo vazou em um infortúnio”, disse ela.

Sobre o trecho da nota que diz que a publicação “conferiu erroneamente um tom genérico, abstrato e grosseiro”, ela concordou em partes, e rebateu as demais. “Não vi nada de genérico e abstrato, eu vi nitidamente o que estava sendo feito, a pessoa que estava tomando um zoom – presente. Não vejo abstrato e nem genérico, vejo bastante direcionado. Grosseiro: concordei. Estamos de acordo”, afirmou Mariana.

Em seguida, ela abordou a afirmação de que esse tipo de publicação não corresponde com a conduta da página, contrariando isso ao explicar que outras postagens do tipo já haviam sido feitas. Ao descrever um post que foi posteriormente apagado pelo Facebook da loja, a advogada afirma que ela e outras mulheres tiveram suas partes íntimas apelidadas de “alcatra”,

“Ele começa mostrando seu passeio de bicicleta na Lagoa e, ao final, é possível ver este senhor filmando a mim e a todos os meus colegas de ioga. Ninguém veio nos abordar porque tinha homens junto. Ele dá zoom nos nossos corpos com uma conotação idêntica à que foi dada para os dois vídeos que saíram no dia 1º de agosto”, disse ela, narrando então um novo diálogo entre o autor do vídeo e “Celsão”.

“Tem várias frases muito 'boas', mas a 'melhor', que mais ficou na minha cabeça, é quando ele [nos] filma, volta [câmera] para ele e as pessoas que estão ali interagindo na live reclamam. Aí ele fala: ‘Ninguém aqui quer ver ioga. Queremos ver alcatra abrindo’. Daí para frente somos todas alcatra. Somos um pedaço de carne”, disse a advogada, ressaltando que o vídeo a causa náuseas e que foi este comportamento recorrente que motivou a denúncia.

Ao final do vídeo, ela pediu desculpas pelo tom irônico da publicação, desabafou e agradeceu todo o apoio. “Eu não estou bem. Essa nota de esclarecimento, para mim, é uma afronta à minha inteligência, principalmente. E muito obrigada a todos vocês, a gente já está em contato com a polícia”, disse ela, refletindo sobre o ocorrido. “Meu único erro foi ter nascido mulher e gostar de fazer ioga”, concluiu.

Além disso, ela também publicou em seu perfil uma captura de tela que mostra comentários feitos nas postagens originais em outro desabafo. “Se você não consegue ‘não ficar taradão’, você não deveria sair de casa. Não está apto a viver em sociedade. Ver meu corpo, minha arte, o trabalho da amiga querida associados a sexo, meu movimento sendo gravado sem autorização para servir para um (ou mais) doente(s) se masturbar(em)... Você acha isso tranquilo?”, questionou.

Por fim, ela deu um novo recado a pessoas como estas e declarou estar se sentindo mal consigo mesma apesar de ter sido uma vítima. “Espero que as respectivas esposas e parentes não se deparem com homens tal e qual. Não desejo a ninguém o que sinto nesse momento. Porque, sim, sinto repulsa pelo meu próprio corpo, dentre outros. E eu não merecia nada disso”, disse.

Violência contra a mulher

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