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Você irá destruir a própria felicidade se achar que não a merece: é a Síndrome do Impostor

Publicado 18 Mai 2018 – 06:08 PM EDT | Atualizado 18 Mai 2018 – 06:08 PM EDT
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Com apenas 25 anos, M.E* já lecionava em uma importante faculdade no estado de São Paulo. O que seria o ápice da realização profissional para uns se tornou um pesadelo para ela. Mesmo tendo sido aprovada em concorridos processos seletivos, a jovem professora universitária não se sentia verdadeiramente qualificada para o cargo.

Não era insegurança o que ela sentia: era muito maior do que isso. Com o passar do tempo, os sintomas de ansiedade, depressão e angústia começaram a atrapalhar seu desempenho, fazendo com que ela se ausentasse e se esquecesse de compromissos e informações importantes.

A sensação que ela sentia de não estar à altura de seu cargo e o medo de ser descoberta como uma fraude a impediram de progredir profissionalmente, ocasionando sua demissão.

No fundo, a perda do emprego reafirmou a sensação de que ela, de fato, era uma impostora ocupando um posto que não merecia. Atualmente, há um ano sem emprego, M.E já pensou em suicídio três vezes.

Síndrome do Impostor: muito além de insegurança

O cenário vivido pela professora poderia ser entendido como resultado de uma grande falta de autoconfiança, mas vai além disso. Trata-se de uma patologia reconhecida na literatura científica e chamada de síndrome do Impostor, caracterizada pela primeira vez pela psicóloga Pauline Clance, no final da década de 1970, nos Estados Unidos.

Na época, a especialista chegou a esse resultado após observar pacientes que tinham uma postura extremamente crítica diante de suas fraquezas e que, ao mesmo tempo, tendiam a supervalorizar a capacidade e os pontos fortes dos outros – sempre se considerando em desvantagem.

O que difere a condição de um simples quadro de insegurança não é só a intensidade do sentimento, mas principalmente a constância com que aparece na vida do indivíduo, manifestando-se cronicamente em diferentes áreas da vida.

E há casos conhecidos. Mundialmente famosa, a cantora Jennifer López declarou sofrer o mesmo mal. "Apesar de ter vendido 70 milhões de discos, eu sinto que não sou boa nisto”, disse J.Lo em uma entrevista.

O que é a síndrome?

A condição é caracterizada pela sensação permanente de não se sentir capaz dos feitos realizados e do medo constante de ser considerado uma fraude pelos demais.

De acordo com o psiquiatra Mario Louzã, pós-doutorando no Instituto Central de Saúde Mental em Mannheim, na Alemanha, os indivíduos que sofrem com a síndrome não conseguem encarar suas principais conquistas como tal.

“A própria pessoa não acha que a realização é fruto de seu trabalho, ou não reconhece sua competência nesse trabalho, não acredita em si. Alguns parecem se boicotar, incapazes de usufruir das conquistas”, comenta o especialista.

Como identificá-la?

Embora os sintomas gerais, como depressão e ansiedade, sejam comuns a outras doenças, existem alguns comportamentos específicos em quem sofre deste quadro que facilitam de certa forma a definição do diagnóstico.

É o caso, por exemplo, dos “workaholics”, isto é, as pessoas que têm necessidade de preciosismo em tudo que realizam, devido ao medo da crítica.

Já outros indivíduos, impedidos de avançar em seus projetos pelo próprio medo do fracasso, acabam fugindo ou adiando os compromissos por tempos indetermináveis. O mais comum é que nunca sejam colocados em prática.

Esta síndrome, entretanto, não está restrita às relações profissionais e pode ser identificada em outras situações, como relacionamentos amorosos. Nesses casos, o mais comum é que uma das partes acredite não ser tudo o que o companheiro espera.

"Ela pode ocorrer em qualquer situação na qual o indivíduo sinta que precisa ser aquilo que o outro deseja para se sentir amado. Ele vai criando restrições na sua qualidade de vida em todos os sentidos para tentar alcançar o que supõe que os outros esperam dele", explica Sandra Vieira, psicóloga da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Quem pode desenvolver a síndrome?

A grande maioria desses pacientes, segundo conta Louzã, chega ao consultório com a autoestima abalada devido aos estímulos que recebeu durante o seu processo de amadurecimento, que contribuíram para sua inferiorização diante dos outros.

Às vezes, basta um comentário desencorajador vindo de um familiar ou amigo querido para que o processo de insegurança seja iniciado.

Crescer em um ambiente hostil, tendo a autoestima constantemente rebaixada por críticas de familiares, principalmente mãe e pai, provavelmente contribui para as chances de este indivíduo desenvolver a síndrome na adolescência ou fase adulta.

Segundo a psicóloga Sandra Viera, comentários feitos por familiares e amigos devem ser ditos com cuidado durante a fase de amadurecimento para que o jovem entenda que isso não é uma represália pela falha, mas o reconhecimento da tentativa.

“Você não faz nada direito” ou “Nada do que você faz serve” são frases que, para a especialista, podem ter um efeito negativo muito grande à longo prazo, ao contrário de "Que bom que você tentou".

Cobrança por gênero e rendimento

No caso das mulheres, especificamente, o problema é histórico. Culturalmente educadas para se dedicarem à maternidade e aos serviços do lar, elas ainda encontram desafios e resistências no mercado de trabalho, em especial devido à comparação com o desempenho masculino.

Em áreas onde a presença de homens é majoritária, não é raro as mulheres precisarem se impor com rispidez ou fazer mais do que seus colegas de trabalho para ser reconhecida pelo mesmo desempenho.

“As mulheres têm um histórico. Como sempre foram donas de casa, quando vão a um patamar superior, elas se sentem na obrigação de provar a todo momento que são tão capazes quanto os homens, embora, às vezes, nem elas mesmas acreditem nisso”, comenta Vieira.

No meio acadêmico, no qual M.E estava inserida, essas exigências são contínuas, pois os estudantes de pós-graduação e jovens docentes são cobrados para manter o alto nível de produção, mesmo que os investimentos da Universidade sejam baixos, para manter a imagem e conseguir mais recursos ao seu departamento.

“No meio acadêmico, existe a necessidade de pesquisas acadêmicas o tempo todo para se provar que não é uma fraude. Imagine a insegurança e a pressão sobre essa pessoa. Vivemos em nome de consumo que ainda exige das pessoas um diploma, título”, critica Vieira.

Como se livrar da síndrome do Impostor?

Como se trata de um processo que requer investigação de situações e conceitos passados, Louzã indica que a pessoa que começa a questionar seus feitos procure psicoterapia. "O tratamento psicoterápico é o mais indicado, pois permite aprofundar e investigar as raízes do sentimento de ‘impostor’ que essas pessoas trazem dentro de si."

Entretanto, os indivíduos que sofrem com alguns dos sintomas podem tentar exercícios mentais e até mesmo físicos capazes de aliviar essa pressão e ansiedade. De acordo com Viera, praticar atividades mentais ou físicas, seja na intensidade que for, ajuda na descontração, liberando um nível de endorfina que causará bem-estar geral na pessoa.

"Meditação, yoga, tai-chi-chuan, pilates, caminhadas sistemáticas, entre outros, são formas de diminuição do estresse e, consequentemente, haverá um clareamento do problema, que fará o indivíduo ter uma visão mais otimista de si mesmo, aumentando a confiança e melhorando o autorreconhecimento", recomenda a especialista.

*Nome ocultado em respeito à privacidade da entrevistada.

Equilíbrio entre corpo e mente

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