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No que a Justiça se baseou para anular o julgamento dos PMs no massacre Carandiru?

Publicado 28 Set 2016 – 08:00 PM EDT | Atualizado 2 Abr 2018 – 09:32 AM EDT
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Depois de 24 anos do  massacre do Carandiru, a anulação do julgamento dos 74 PMs acusados abriu um novo e, no mínimo, controverso, capítulo na história do caso. Foram 111 presos mortos em 30 minutos dentro do Centro de Detenção, hoje transformado em parque, em uma ação policial que chocou o Brasil e que ainda reverbera no âmbito judicial. 

Na mais recente decisão sobre o caso, nesta terça-feira (27), três desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal do Júri de São Paulo anularam os julgamentos anteriores. 

Responsáveis pelo recurso da defesa dos réus, eles chegaram à conclusão de que não há elementos para mostrar quais foram os crimes cometidos por cada um dos PMs e, por isso, pediram novos julgamentos. O Ministério Público já informou que vai recorrer da decisão. 

A continuidade deste triste episódio revoltou ainda mais representantes de Direitos Humanos e a opinião pública por conta do posicionamento de um dos desembargadores, Ivan Sartori. Ele afirmou que os policiais agiram em “legítima defesa” e chegou a pedir absolvição dos réus, mas esta decisão não foi aceita pelos outros magistrados.

O Vix conversou com o advogado criminalista e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Felberg, para entender mais sobre o caso: quais foram os argumentos que levaram a este novo julgamento e quem vai julgar os policiais? Entenda o que poderá acontecer a partir de agora.

Julgamento dos PMs do Carandiru

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) anulou a condenação dos policiais militares, entendendo que não haveria como mostrar quais foram os crimes cometidos por cada agente. Abaixo, a imagem da sessão que ocorreu na terça-feira (27).

O advogado criminalista e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Felberg explica que a defesa se baseou no argumento de que não houve uma individualização correta dos réus e que, por isso, seria difícil identificar os agentes.

“Como não houve clara identificação da responsabilidade de cada um, o Código penal permite apelação quando houver decisão contraria aos autos”, analisa. 

A identificação de, em termos mais práticos, “quem matou quem” está envolta em uma série de dificuldades. A primeira esbarra nas falhas da perícia, em especial, a balística, que verificaria a origem dos disparos durante o massacre.  “É difícil, mas necessário. Essa dificuldade da perícia balística precisa ser superada para se buscar uma responsabilidade penal”, avalia o advogado.

A procuradora do Ministério Público Sandra Jardim também destacou que, na época, houve abusos de ação policial, como o fato de os presos terem sido mortos sem roupas ainda dentro das celas, e de os policiais terem recolhido projéteis e estojos vazios que seriam provas do crime.

Em entrevista à Folha de São Paulo, a procuradora avalia que a anulação do TJSP “não escreve com a pena da esperança. Não nos dá um alento de dias melhores” e que “se essa sentença absolutória [para absolver os policiais] se confirmar, ela rasga a Constituição”.  

Sobre o voto de Sartori, Sandra destacou que a absolvição incitaria a violência policial. "No momento em que a gente vê que, passado tanto tempo, ainda temos tantos casos de violência policial, essa decisão, de algum modo, contribui para a impunidade destes casos”, segundo a EBC.

Eles já eram condenados por júri

Os 73 policiais militares e o coronel Ubiratan Guimarães, julgado em uma ação à parte e morto em 2006 sem nunca ter sido preso, já haviam sido condenados em cinco júris diferentes a penas que variam de 48 a 624 anos. Nenhum deles cumpriu pena pelo massacre, ainda. Com a decisão do TJSP, eles voltam a julgamento.

O advogado Rodrigo Felberg explica que, em casos de crime intencional contra a vida, como as mortes por homicídio no Carandiru, esta etapa é obrigatoriamente feita por um júri popular.

“Quando os desembargadores votaram, o Tribunal não absolveu pela unanimidade, por isso foi solicitado um novo júri”, detalha.

“Quem decide é um conselho de sentença formado por sete cidadãos, que avaliarão as provas. Isso significa que, em regra, o Tribunal de Justiça não pode decidir pelo mérito do processo, mas apenas rever a legalidade desse processo”.

O que acontecerá agora?

Como o desembargador Ivan Sartori votou sozinho na absolvição dos PMs, uma nova sessão será marcada com a participação de outros dois desembargadores, que decidirão entre “anulação do julgamento” ou “absolvição”. Os três desembargadores também podem mudar suas opiniões.

Se dois acompanharem a decisão de Sartori, poderá acontecer a absolvição completa dos PMs, sem realização de novo júri. “Mas, acho difícil isso acontecer, porque ela violaria a decisão da soberania do veredito [do júri], como acho que a decisão do desembargador Satori fez”, comenta o especialista.

O Ministério Público poderá recorrer desta decisão, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que poderá levar, segundo a procuradora disse à Folha, até três anos.

“É triste, passados quase 25 anos, não ter uma decisão definitiva para o caso”, conclui o advogado Rodrigo Felberg. “Só demonstra que existem falhas legais que precisam ser corrigidas”.

Sistema penitenciário do Brasil

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