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Testemunhos de gelo: como amostras da Antártida contam história do clima da Terra

Publicado 8 Mai 2017 – 06:00 AM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:11 AM EDT
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As camadas de gelo que se formam há milhares de anos na Antártida guardam informações valiosas sobre a história do clima e da composição da atmosfera da Terra.

E é deste acumulado de precipitação de neve que pesquisadores de todo o mundo, inclusive do Brasil, estão coletando testemunhos de gelo – amostras que ajudam a comunidade científica a conhecer mais sobre as mudanças ambientais do passado e do futuro.

No Brasil, este trabalho é feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), líder do estudo, e pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). 

São 12 brasileiros envolvidos na pesquisa, sob o comando do glaciologista e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera/UFRGS, Jefferson Cardia Simões, um dos principais pesquisadores do Programa Antártico Brasileiro.

Apesar de ser referência nas pesquisas na Antártida, por falta de recursos, o material recolhido há 13 anos durante expedições científicas no continente gelado precisou ser armazenado em um frigorífico comercial, no Rio Grande do Sul, que sofreu um incêndio em abril. Por sorte, menos de 10% das amostras foram atingidas. 

Ao Vix, Jefferson explicou detalhes sobre a coleta e análise dos testemunhos de gelo e destacou as dificuldades que os pesquisadores brasileiros enfrentam na realização do projeto, que pretende estudar como a Antártida influencia no clima do sul do Brasil. 

Testemunhos de gelo: o que eles revelam

Os testemunhos de gelo são peças cilíndricas com cerca de dez centímetros de diâmetro coletadas do solo da Antártida.

Fazendo perfurações no solo, os pesquisadores retiram estas amostras para, basicamente, rastrear informações sobre o clima e a presença de “impurezas”, como dióxido de carbono e metano, que ajudam a entender como era o ar terrestre em tempos remotos. E bem remotos: alguns cientistas estão recolhendo testemunhos de gelo de 800 mil anos atrás.

“As geleiras são mantos formados por precipitação de neve que se acumula e vira gelo; portanto, carregam consigo todas as características que tinham naquela época”, explica o glaciologista Jefferson Cardia Simões. “E, quanto mais profundas são as perfurações nas camadas de gelo, mais antigas são as amostras”.

O cientista explica que a perfuração é a melhor técnica para reconstruir a história do clima da Terra, “já que os dados meteorológicos são coletados há apenas 200 anos”. 

“Foi com esta técnica que se confirmou, por exemplo, o aumento dos gases estufas na atmosfera desde a Revolução Industrial”, comenta Jefferson. 

A paleoclimatologia é a ciência que estuda as variações climáticas ao longo da história terrestre; em tempos de mudanças climáticas e ambientais, portanto, é fundamental para se compreender o passado e previr o que as gerações futuras enfrentarão. 

Amostras brasileiras

Os pesquisadores brasileiros se embrenharam a 2.500 quilômetros da costa da Antártida, a 36 graus Celsius negativos, para recolher as amostras. Cada expedição pode custar 300 mil dólares. 

“Temos limites financeiro e de tecnologia: nossas amostras são de até 150 metros, que trazem dados de 2 a 4 mil anos atrás; há grupos de pesquisa que perfuram 3.720 metros, com 800 mil anos de informação”.

O que é analisado

Mais de 30 tipos de análise são feitas nos testemunhos de gelo. Os pesquisadores medem, por exemplo, a razão de existir isótopos estáveis – ou seja, que não se decompõem com o tempo – na composição da água, que traz dados sobre a temperatura do passado, a concentração de micropartículas, associadas a erupções vulcânicas, e a concentração baixa de poluentes. 

“Foi achado urânio na Antártida e arsênio, por conta das minas de cobre no Chile, o que se dá pela poluição global, por exemplo”, comenta Jefferson. Concentrações químicas da atmosfera "presas" entre as camadas também são medidas na UFRGS.

Dificuldades brasileiras

As baixíssimas temperaturas e o alto custo, entretanto, estão longe de ser as únicas dificuldades que os especialistas enfrentam para tocar o projeto. 

Ao chegar ao Brasil, a pesquisa ainda sofre com falta de infraestrutura e recursos.

Os cilindros de gelo precisariam ir direto para uma câmara de refrigeração da Universidade, mas não há condições para a armazenagem. “Lá, temos problemas de queda de energia. Não podíamos correr o risco de armazenar e, em um final de semana que faltasse luz, as amostras derreterem. Por isso, levamos para um frigorífico comercial”, pontua o pesquisador.

O estabelecimento mantém a temperatura a 25 graus negativos, o que garante a conservação segura das amostras. Em abril, entretanto, ele sofreu um incêndio. 

Jefferson explica que menos de 10% do material foi atingido, mas, por pura sorte. Isto porque eles haviam deslocado parte das amostras para outro armazém, para serem fotografadas para uma reportagem.

“O armazenamento ideal seria sem burocracia, primeiro, sendo entregue por avião diretamente para um frigorífico da Universidade. No Brasil, temos que pedir licença da Anvisa e emitir laudos. Então, mando primeiro para os Estados Unidos, onde só preciso assinar um termo de compromisso e liberar o material”, detalha o glaciologista. 

Memória no gelo

O projeto internacional “Ice Memory”, lançado pela Unesco em março,  pretende ser um baú das memórias capturadas nas geleiras e conta com o trabalho de exploração deste gigante arquivo natural.

Em maio, a participação dos cientistas brasileiros será em uma expedição no nevado Illimani, montanha de até 6.462 metros de altitude, na Bolívia. A ideia é resgatar a memória de queimadas na Amazônia e entender o ciclo hidrológico deste bioma, já que a geleira é a mais próxima à região.

Explorando a Antártida

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