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Gravidez de Ivan em "A Força do Querer" pode acontecer na vida real, mas há riscos

Publicado 22 Set 2017 – 06:00 AM EDT | Atualizado 15 Mar 2018 – 02:14 PM EDT
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É possível um homem engravidar? Bom, se for o caso de um transgênero, sim. Embora o termo possa confundir, essas pessoas nasceram com o gênero oposto ao qual se identificam e a transição é feita com o uso de hormônios, mas o aparelho reprodutor nem sempre é modificado. Dessa forma, homens trans, que nasceram mulheres, podem optar por manter o útero, o que possibilita uma gravidez, embora seja incomum.

Na novela “A Força do Querer”, da Globo, a autora Gloria Perez introduziu o assunto com o personagem Ivan (Carol Duarte), cuja trama está sendo elogiada e acompanhada por todo o Brasil. Nascido Ivana, ele enfrentou as descobertas e a mudança de gênero com muita rejeição por parte da família, que não compreende o desconforto que ele sentia no corpo feminino.

Depois de começar a tomar hormônios - sem orientação médica - e de adotar a identidade masculina, ele descobrirá uma gravidez indesejada, fruto do antigo relacionamento que tinha com Cláudio (Gabriel Stauffer). Na época, Ivan ainda tinha a identidade feminina, e a concepção aconteceu justo quando ele perdeu a virgindade, com o então namorado.

Desesperado, ele tentará levar a gestação adiante, mas perderá o bebê ao ser agredido na rua. Mesmo assim, são muitos os questionamentos sobre a possibilidade de um homem trans engravidar fora da ficção, sob o efeito de tantos hormônios e mudanças físicas. O VIX conversou com especialistas para entender, de fato, como isso pode acontecer.

Gravidez em homens trans: como ocorre?

É possível um homem trans engravidar mesmo que esteja em meio ao tratamento hormonal com testosterona. De acordo com a Dra. Mariana Farage, endocrinologista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é aconselhado ao paciente que também  tome algum anticoncepcional durante o processo de transição de gênero.

“Na dose que é feita, espera-se que o método barre a ovulação, para inibir o ciclo menstrual. Se a pessoa tomou testosterona e não tomou a pílula, ela pode engravidar”, explica a médica.

Além da concepção em homens trans que mantiveram o útero, outro caminho é o congelamento de óvulos, que pode ser feito de forma planejada, antes do início da transição. A ginecologista Dra. Carla Iaconelli, especialista em reprodução humana, conta que esse é o método mais indicado, por ter acompanhamento médico desde o começo.

“O uso de testosterona, ainda mais no início da gestação, pode causar abortamento, é preciso ter as informações e o tratamento correto”, afirma a especialista.

Transição interrompida durante gravidez

Mas e durante a gravidez, é preciso parar o uso de testosterona? “O ideal seria interromper. O hormônio aumenta os glóbulos vermelhos e a pressão arterial no corpo feminino, o que pode ser um risco para a pessoa”, aponta a endocrinologista. E dependendo do grau da transição de gênero, não há com o que se preocupar, já que nem todas as características são completamente revertidas.

“Os pelos no corpo podem diminuir, assim como no rosto. Mas a voz grossa e o aumento do clitóris, características proporcionadas pela testosterona, permanecem iguais, mesmo com a interrupção no uso do hormônio”, explica a médica. O tratamento também pode ser retomado depois da gravidez.

Além disso, independente de já ter iniciado a transição de gênero, o organismo segue as modificações normais de uma gestação. “Os hormônios da gravidez que vão predominar”, explica a Dra. Carla, destacando que é possível até que a pessoa amamente a criança depois do parto, já que as glândulas mamárias são estimuladas durante a gravidez. 

“Se o gestante tomou poucas doses de testosterona e interrompeu o uso, seguindo orientação médica, ele pode amamentar”, acrescenta a Dra. Mariana.

Consequências dos hormônios para o feto

Caso não interrompa a ingestão de testosterona, quem mais corre riscos durante a gravidez é o feto feminino. De acordo com a Dra. Mariana, o hormônio masculino pode causar alterações severas no organismo do bebê.

“A principal mudança é no órgão genital, que pode ter características dos dois gêneros, resultando em uma deformação. Além disso, a testosterona altera também a formação cerebral do feto, através das sinapses. Pode nascer uma menina mais agressiva, masculinizada”, explica.

Já no caso de um feto masculino, as consequências são menores, pois os efeitos do hormônio são sentidos de forma mais natural. “Como ele já tem a testosterona predominante no organismo, não há tantos problemas caso o feto entre em contato com o hormônio”, aponta a Dra. Carla, “Diferente do feto menina, que sofre uma virilização mesmo”.

Problemas em “A Força do Querer”

A maior crítica que Gloria Perez está recebendo na construção da trama de Ivan é em mostrá-lo tomando hormônios sem ter se consultado com médicos. Além de ser irresponsável e incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo, perigo apontado por outros homens trans e que oferece grandes riscos à saúde, as especialistas destacam que seria possível o personagem descobrir a gravidez antes de iniciar a transição.

“Na bateria de exames, sempre pedimos o teste de beta-HCG em um hemograma, que é a verificação dos hormônios da gravidez no sangue”, explica a Dra. Mariana. “Como o tratamento pode alterar a formação do feto, é preciso saber se há riscos antes de iniciar a transição de gênero”.

Além disso, é importante que as pessoas se informem, pois o senso comum estabelece que a testosterona pode impedir uma gravidez, o que não é verdade. “A novela mostra que o personagem descobriu onde comprar hormônios, mas não teve orientações sobre anticoncepção após a transição. Por mais que ele rejeite o corpo, ele tem a fisiologia, e pode engravidar”, destaca a Dra. Carla.

Sendo assim, a gravidez de Ivan em “A Força do Querer” é possível de acontecer na realidade, mas o ideal seria mostrá-lo recebendo orientações médicas desde o início. “Se a pessoa se enxerga desconfortável no gênero em que ela está, ela deve procurar auxílio médico e psicológico e fazer a transição com supervisão. Muita gente pega recomendações de amigos e faz em casa, o que pode causar complicações graves, que põem em risco a vida”, conclui a Dra. Mariana.

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