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Novelas e TV-Zappeando

Mães de "A Força do Querer" se tornaram porta-vozes do público e têm poder social

Publicado 22 Set 2017 – 06:00 AM EDT | Atualizado 15 Mar 2018 – 02:15 PM EDT
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A diversidade de personagens é um dos pontos altos de " A Força do Querer". Para a trama desta novela das nove, Gloria Perez optou por retratar várias histórias de mulheres fortes de diferentes personalidades, abrindo espaço para criar empatia com o público por meio de pessoas corajosas e poderosas – bem fora dos padrões mostrados em outras produções.

E apesar de as histórias da novela terem as suas personagens principais, outro núcleo chamou a atenção dos telespectadores: o das mães coadjuvantes. Trabalhando como porta-vozes do público, as mães de Bibi (Juliana Paes), Jeiza (Paolla Oliveira) e Ivan (Carol Duarte) cativaram ao serem utilizadas pela autora do folhetim para representar os julgamentos e pensamentos das pessoas que acompanham o enredo pelo lado de fora da telinha.

Aurora (Elizangela), Cândida (Gisele Fróes) e Joyce (Maria Fernanda Cândido) são mães com personalidades e histórias diferentes, cada uma tendo uma relação própria com seus filhos. Enquanto Aurora fala para Bibi todas as verdades que gostaríamos e sacrifica sua vida por ela; Cândida sabe que Jeiza corre perigo todos os dias, mas mesmo assim não deixa de se divertir; já Joyce não aceita que Ivana tenha se transformado em Ivan – representando uma parcela do público que não é muito aberta a mudanças.

"A construção das personagens, dependendo de como está sendo feita, é fundamental para que Gloria Perez complemente as suas ações. Na mãe sofredora, por exemplo, é como se ela se colocasse como mãe, como se estivesse perdendo o controle da personagem. Essas figuras são porta-vozes do que a sociedade às vezes não está percebendo ou não quer ver, por questões de preconceito", declara Claudino Mayer, especialista em TV, em entrevista ao VIX.

"Gloria Perez sabe escrever a mãe no sentido mais complexo e não extrapola o mundo real. O público não acredita demais no que a Aurora está fazendo, por exemplo, porque enxerga a ficção em meio a vida real. Mesmo ela alertando o público e atuando como porta-voz, ainda está no plano na ficção", completou o especialista.

Em "A Força do Querer", as figuras das mães como representantes do público foi feita porque é através destas que nós atribuímos certos significados sociais. Praticamente para todas as pessoas, mãe é sinônimo de segurança, abrigo, ternura e tudo aquilo que tem amor verdadeiro. Ela acaba envolvendo valores da sociedade e dá continuidade à família, deixando brechas nas histórias das protagonistas para certos questionamentos e julgamentos de quem está vendo suas ações de fora – tanto as mães na própria novela, quanto os telespectadores.

O papel das mães de “A Força do Querer”

Aurora e Bibi

Não é fácil para os telespectadores se conformarem de que, mesmo passando por poucas e boas para viver o amor intensamente, Bibi ainda queira se envolver no mundo do crime para ficar ao lado de Rubinho (Emílio Dantas). A Perigosa deseja se sentir importante e tem um desejo incontrolável pela adrenalina, o que acaba a deixando insensata – cabendo à sua mãe explicar essa falta de bom senso para o público.

"A Aurora tem todos os elementos ligados à segurança, ao abrigo, à ternura e ao amor verdadeiro. A personagem mostra e fortalece valores de mãe que são inquestionáveis pela sociedade. A figura dela lembra a da Virgem Maria com o sofrimento por Jesus – que, na novela, se torna o sofrimento por Bibi. Com isso, acaba despertando mais interesse do público. O que importa para Aurora é o laço sanguíneo, já que ela renuncia tudo em prol da filha, chegando até mesmo a se mudar para a casa de Bibi para ajudar", afirmou Claudino.

Apesar de estar ao lado da filha em todos os momentos – como quando Bibi se casa com Rubinho, se muda para o morro e entra de vez na vida do crime –, Aurora não deixa de criticar as situações em que a filha se envolve: o mesmo pensamento do público em relação à personagem.

Tanto a mãe quanto os telespectadores não entendem o porquê de a Perigosa continuar insistindo nas mesmas escolhas e erros, ficando Aurora incumbida de ser a "voz da razão" responsável por tentar justificar as ações da filha. Ao mesmo tempo em que tenta convencer a filha a sair dessa vida, Aurora acaba justificando suas atitudes e defendendo-a em frente aos outros.

"Aurora é a mulher batalhadora que criou a filha sozinha. Ajuda Bibi ao mesmo tempo em que é crítica as suas ações – ela não apoia e não gosta do casamento com o Rubinho, por exemplo. Segue a linha batalhadora e trabalhadora, na qual as pessoas ascendem socialmente devido ao estudo. Ajuda a filha, mas não fecha os olhos em relação ao que ela faz, ao contrário de mães de novela que apoiam o filho em qualquer situação", afirmou Maria Cristina Palma Mungioli, especialista em telenovela, em entrevista ao VIX.

Por outro lado, a própria Bibi como mãe acabou se tornando uma figura decepcionante para o público ao longo da novela. Apesar de ser uma mulher muito amorosa, a Perigosa acabou deixando Dedé (João Bravo) de lado para viver uma "paixão intensa" ao lado de Rubinho. Por conta disso, Aurora é quem cuida do pequeno, tendo o papel de mãe duas vezes e o educando para que ele não siga os mesmos passos de Bibi.

"A própria Bibi, por exemplo, é o contrário da mãe: não renuncia ao amor e deixa o filho de lado para ir em busca de seu objetivo: a paixão. Já Aurora lembra a Maria do Carmo [de "Senhora do Destino"] por ser muito pé no chão. O tempo todo fala dos valores para o neto, sendo esta também a sua maneira de educar o menino dentro dos padrões que acha correto", completou Mungioli.

Cândida e Jeiza

Cândida e Jeiza têm uma relação um pouco diferente da que ocorre entre Aurora e Bibi. Apesar de sempre ter a preocupação de que algo de ruim aconteça com a filha, que trabalha como policial militar, Cândida não se priva de viver a própria vida e se divertir – seja indo à estudantina ou mantendo a sua vida amorosa ativa. Assim como o público, Cândida vê a filha como uma mulher-maravilha, que está sempre cuidando dos outros ao ser corajosa e eficiente, além de contar com um sexto sentido que é infalível.

"Ao contrário de Aurora, que é de um tempo mais conservador, Cândida pode ser descrita como uma mãe mais 'descolada'. Ela tem elementos de mãe ao mesmo tempo em que é uma mulher moderna. Cândida se preocupa com o que Jeiza está fazendo, renunciando aos valores sociais a partir do momento em que sabe que a filha pode estar passando por um perigo. No entanto, ao mesmo tempo continua indo à gafieira e levando o amante para casa, por exemplo", comentou Claudino Mayer.

Do mesmo jeito que outros personagens da novela, Cândida sente essa necessidade de amar e ser amada, o que muitas vezes pode fazer parecer que os papeis entre mãe e filha estão trocados. Apesar de se preocupar com o trabalho, Jeiza continua pensando em como a mãe se deixa levar pelos homens.

"A Candida tem um perfil mais ligado ao prazer, como à possibilidade de ser amada e de ficar bem com os vizinhos. Com isso, ela meio que desafia a filha. O que a Jeiza dá a entender é que a mãe é explorada pelos homens", afirmou Maria Cristina Mungioli.

Joyce e Ivan

Oposto de Aurora e Cândida, Joyce não é uma mulher simples. A personagem representa um espectro dentro das camadas que têm renda mais alta e faz parte de um núcleo que aborda uma história um tanto quanto delicada para o público: a transição de gênero de Ivan.

Desde o começo de "A Força do Querer", Ivan, antes Ivana, não se reconhecia em seu próprio corpo e acabou escolhendo trocar de gênero. A notícia, no entanto, foi bombástica para toda a família. No início, Joyce e Eugênio (Dan Stulbach) não aceitaram muito bem a escolha, o que mostrou como os pais acabam sofrendo para entender o processo de transição do próprio filho.

Quando a história de Joyce e Ivan começou a ser abordada, era normal ver a socialite se gabando por ter a vida e a família perfeitas, com uma filha linda que aparecia em capas de revistas. Tudo para ela era feito com o propósito da autorrealização e trabalhado no "mundo das aparências". A partir do momento em que Ivana se tornou Ivan, a mãe não conseguiu aceitar que tudo o que havia planejado durante anos estava saindo do roteiro.

"Joyce tem um perfil da mãe de classe média alta que não trabalha. É uma mãe superprotetora que quer que os filhos sigam o que ela planejou para a vida deles, e não o que eles querem. Ela criou um modelo próprio e quer que todos tenham o papel que ela determinou para as pessoas, inclusive para o marido. É uma pessoa muito autocentrada, que volta as coisas sempre para si e quer que seus desejos sejam realizados", afirmou Maria Cristina Mungioli.

Para uma parcela do público, Joyce representa a dificuldade dos pais em aceitar o processo de transição de um filho, já que não é capaz de renunciar às suas preferências e perfeições. Apesar de ser um processo que acontece cada vez mais em nossa sociedade, ainda há preconceito de boa parte das pessoas no caso de uma pessoa não se sentir bem em um corpo de mulher, por exemplo.

Ao mostrar a descoberta do contato com o universo trans, Gloria Perez não só aproximou os personagens do núcleo de Ivan a essa realidade, como também os espectadores – que descobriram junto com o rapaz o seu verdadeiro “eu”.

"Joyce representa a estética do belo e do bonito, além de ter a preocupação em relação aos filhos, da qual não é capaz de renunciar. A socialite tem preconceito não somente com a escolha de Ivan, mas também com as roupas da Ritinha [Isis Valverde], por exemplo: não é capaz de renunciar àquilo para viver bem ao lado de Ruy [Fiuk]. Ela vive no mundo da aparência e não consegue renunciar a seus pensamentos mesmo que seja em prol dos filhos", declarou Claudino Mayer.

Além de Aurora, Cândida e Joyce, outras personagens também têm o papel de mãe na novela e de serem porta-vozes de opiniões. Alguns exemplos são Nazaré (Luci Pereira), tia de Zeca (Marco Pigossi) e Zuleide (Cláudia Mello), que trabalha na casa de Joyce e trata os filhos da socialite como se fossem seus. As duas personagens praticamente criaram Zeca, Ivan e Ruy, participando de todo o seu crescimento e têm a responsabilidade de dar conselhos para eles quando necessário. 

As mães em "A Força do Querer" são usadas por Gloria Perez como uma ferramenta de contato com o público, para que os espectadores possam cada vez mais se interessar e, de certo modo, "fazer parte" da novela. A construção das personagens complementa e faz com que um pouco de vida real se misture com a ficção representada nas telinhas. 

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