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Mayra Cardi é criticada por vídeo explicando depressão: psicóloga esclarece pontos

Publicado 20 Mai 2019 – 11:19 AM EDT | Atualizado 20 Mai 2019 – 11:18 AM EDT
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Nos últimos anos, assuntos relacionados à saúde mental têm sido cada vez mais abordados tanto na mídia quanto nas redes sociais – algo verdadeiramente positivo para pessoas que sofrem, por exemplo, de depressão e transtornos de ansiedade, já que, desta forma, elas podem se sentir menos desamparadas e mais incentivadas a buscar um tratamento adequado.

Isso, porém, também significa um excesso de informações sobre esses assuntos na internet, algo que os transformou de tabu para um ponto de discussão entre especialistas, pacientes e, é claro, leigos. Foi o que aconteceu, por exemplo, nos comentários de um vídeo publicado recentemente pela coach e influenciadora digital Mayra Cardi em seu perfil no Instagram.

Vídeo de Mayra Cardi explicando depressão e ansiedade

No vídeo intitulado "Depressão, como curar?", Mayra Cardi explica de forma resumida – e com base nos conhecimentos que tem a partir de sua formação como coach – como seria a influência da depressão no cérebro humano, o porquê de tanta gente estar se declarando depressiva nos últimos anos e o que deve ser feito para eliminar o problema, mas, nos comentários da postagem, fica claro que sua fala divide os internautas.

Entre as mensagens deixadas para a coach, muita gente considerou positiva a atitude da influencer de falar sobre o assunto e lembrou que em momento nenhum ela sugere algo perigoso como, por exemplo, não buscar tratamento especializado para o problema. “Gente, não precisa ser psicólogo pra dar uma palavra de conforto a quem tem depressão. Acredito que o foco é tentar ajudar”, disse uma internauta.

Para outras pessoas que comentaram o vídeo, porém, a fala de Mayra dissemina conceitos equivocados que deveriam ser abordados por ela de outra forma. “Vamos falar apenas do que estamos aptos a falar. Ajudaria mais se ela convidasse um psicólogo pra estar no vídeo com ela”, escreveu outra pessoa na postagem da coach.

Abaixo, a psicóloga Ellen Moraes Senra comenta e esclarece os principais pontos levantados por Mayra no vídeo:

Psicóloga esclarece fala de Mayra Cardi

“Depressão é excesso de passado e ansiedade é excesso de futuro”

No vídeo, Mayra começa afirmando que é cada vez mais comum ouvir pessoas dizendo ter depressão ou ansiedade, e que estes transtornos estão ligados à relação que a pessoa tem com diferentes épocas da vida. “Depressão é um excesso de passado e ansiedade é excesso de futuro”, diz a coach, fala que ela volta a elaborar em outro momento do vídeo.

“Em geral, a gente está vivendo um momento de muita agitação, as pessoas têm dificuldade de viver o agora, viver o presente, sentir o que está acontecendo. Então elas estão tendo muita crise de ansiedade, querem ficar muito tempo no futuro, ou estão tendo crises de depressão, que é olhar muito para o passado”, afirma Mayra, mas, segundo a psicóloga Ellen Moraes Senra, não é exatamente isso que ocorre.

Especialista em terapia cognitivo-comportamental, Ellen explica que, apesar de fazer sentido relacionar a depressão com o passado e a ansiedade com o futuro em alguns casos, isso não resume os transtornos. Sobre ansiedade, ela explica que essa relação com o futuro existe, mas que não significa estar preso a ele.

“A ansiedade geralmente tem um conteúdo em relação ao futuro, ou seja, a expectativa que eu tenho com relação ao futuro, se vou conseguir passar em uma prova, se vou conseguir pegar o metrô sem ele parar no meio do caminho e eu ficar trancada ali com um aglomerado de pessoas... Tudo isso pode desencadear uma crise, sim, o conteúdo está no futuro, mas não quer dizer que as pessoas vivam ali”.

Ela expõe ainda que, enquanto alguns tipos de transtornos de ansiedade têm essa relação com o futuro, diversos deles não têm nada a ver com essa questão, explicando alguns deles para exemplificar a fala.

“A agorafobia, por exemplo, é um tipo de transtorno cuja crise geralmente é desencadeada por locais com aglomeração. Tem o transtorno do pânico, desencadeado pela questão de sair, de se sentir desprotegido, de perigo, medo de passar mal. Temos o transtorno de estresse pós-traumático, que desencadeia crises provenientes de uma situação do passado que traumatizou e a pessoa tem medo que volte a acontecer”, afirma Ellen.

Sobre a depressão, Ellen também reafirma a possível ligação com o passado, mas explica que não se trata exatamente de viver nele ou olhar demais para o que já aconteceu, e sim seguir sentindo a influência desses acontecimentos na atualidade.

“Tem um momento em que ela fala que a pessoa olha para o passado, vê que lá era melhor do que onde ela está, fica presa e por isso entra em depressão. Isso não é uma regra, a maioria dos casos é o oposto: a pessoa tem uma dor muito grande no passado, uma perda, e vive presa à essa dor”, afirma.

O cérebro fica incapaz de fazer conexões?

Logo no início do vídeo, Mayra mostra imagens de como é a atividade cerebral de uma pessoa saudável e como fica a aparência do cérebro quando ele é afetado pela depressão. Enquanto no primeiro caso é possível ver a maior parte dele “iluminada”, na segunda ele está quase completamente “apagado” – algo que a coach credita à uma falta de comunicação entre os lados do cérebro.

“Quando a pessoa está em depressão, é como se ela não tivesse capacidade para continuar acessando as informações de um lado do cérebro para o outro. Fica difícil de ela sair dessa depressão de fato porque precisa de ajuda profissional, porque ela não tem capacidade para acessar outras áreas do cérebro que acessava com certa facilidade”, afirma a coach.

De acordo com Ellen, porém, o comprometimento da comunicação entre as áreas do cérebro é algo particular de outros males neurológicos. “Se um lado do cérebro de fato deixasse de se comunicar com o outro, o indivíduo poderia, por exemplo, ter uma paralisia. Isso ocorre em um AVC, não na depressão”, afirma.

O que acontece, segundo a terapeuta, é uma deficiência hormonal. “O que faz com que o cérebro do depressivo fique apagadinho é que alguns hormônios deixam de estar ativos em quantidade significativa, o que leva a atividade cerebral a ficar reduzida, ou seja, as sinapses que são feitas naturalmente em grande quantidade ficam reduzidas e a pessoa não tem tanta energia para fazer as coisas”, afirma Ellen.

Apenas casos bem específicos requerem medicação

Ao longo do vídeo, Mayra afirma diversas vezes que a depressão é um problema que pede acompanhamento especializado – algo que pode ser realizado inclusive de forma multidisciplinar, ou seja, envolvendo profissionais de mais de uma especialidade. Ela cita também o possível uso de remédios, afirmando acreditar que essa estratégia deve ser usada em casos muito selecionados.

“Existe uma linha de pessoas que acreditam no remédio. Eu não sou a favor, só em casos 'extremamente extremos'. Acredito que o remédio tem que ser a última opção”, afirma a coach, reforçando que, apesar de medicamentos ajudarem no processo de recuperação de pessoas depressivas, eles não são uma solução isolada – e, em partes, Ellen concorda com Mayra.

Segundo a psicóloga, a medicação antidepressiva funciona amenizando os sintomas da doença, mas isso por si só não basta. “Aqueles hormônios acabam se elevando novamente, a pessoa consegue ter uma qualidade de sono, fazendo com que cesse um pouco o cansaço", afirma, concordando com a visão da coach de que, a partir da melhora obtida com o medicamento, é necessário um acompanhamento médico e psicoterapêutico para que o paciente trate, de fato, a depressão. "Muita gente começa a se sentir melhor e larga a psicoterapia ou, às vezes, até o remédio”, critica.

Quanto à indicação somente em casos extremos, Ellen diz que, em seu consultório, busca tratar os distúrbios sem encaminhar os pacientes para psiquiatras (que, por sua vez, indicam medicações), mas isso nem sempre é possível e os remédios não devem ser encarados como um recurso inviável.

“Se puder tratar sem a medicação, bem. Mas, muitas vezes, alguns profissionais acabam submetendo o paciente a um sofrimento excessivo para um tratamento que não vai ter eficácia alguma a não ser que o paciente compreenda que talvez precise, sim, da medicação para colocar as ideias em ordem e então tratar o problema”, esclarece Ellen, reforçando que os casos são diferentes entre si e devem ser avaliados cuidadosamente para definir o melhor tratamento.

Depressão é curável?

Além da legenda usada por Mayra para o post (“Depressão, como curar?”), a coach também afirma ao longo do vídeo que há uma forma de vencer completamente a depressão. “O que cura de fato a depressão é você viver as suas dores e entender o que te levou até ali”, afirma a coach, e Ellen alerta para a necessidade de cuidado na hora de falar em cura no caso de um transtorno como este.

Embora pontue como correta a fala da coach sobre a necessidade de analisar a vida com ajuda profissional de modo a amenizar os gatilhos da depressão, a psicóloga explica que terapeutas raramente falam sobre curar a depressão. Segundo ela, ao mesmo tempo em que é comum que uma pessoa tenha apenas uma crise depressiva na vida, essas crises podem ser recorrentes, e cada vez que se tem uma nova crise, as chances de a doença retornar aumentam.

“Cada vez que ela tem um episódio depressivo, a tendência é que ela tenha mais. Pode ser que ela nunca volte a ter, mas pode ser que ela volte a ter o segundo, o terceiro, e assim vão aumentando as chances, então falar em cura é complicado. Mas, sim, é importante entender o que levou a aquele episódio, lidar com as dores, com os fatores que desencadearam a crise depressiva”, afirma.

Além da psicoterapia – que ajuda o paciente com depressão a avaliar melhor os fatores que servem de estopim para a depressão – e da possibilidade de se receitar remédios, Ellen também afirma que terapeutas podem recomendar ainda outros recursos para complementar o processo de tratamento da doença.

“Existem outras técnicas que a gente recomenda, como prática de atividade física, que a pessoa depressiva geralmente só vai fazer quando a depressão tem um grau mais leve ou quando ela realmente está fazendo uso da medicação, meditação, a prática de ‘mindfulness’, que é a atenção plena, focar mais no agora”, enumera a terapeuta.

Ansiedade vira depressão e depressão vira ansiedade?

Após explicar o que crê serem as definições de ansiedade e depressão, Mayra estabelece também uma relação direta entre os dois transtornos. “Em algum momento, essa crise de ansiedade de excesso de futuro te dá depressão, te levando para o passado. Por quê? Porque você deixou de viver o que te fazia feliz para viver no futuro”, afirma a coach.

Segundo a psicóloga, porém, a ansiedade não necessariamente causa a depressão (nem vice-versa). “A pessoa pode ter transtorno de ansiedade sem ter nenhum transtorno depressivo e pode ter um transtorno depressivo sem nenhum transtorno de ansiedade, e nem crise de ansiedade”, explica Ellen, ressaltando que essa relação acontece em casos de pacientes diagnosticados com um tipo específico de depressão.

“A gente tem a depressão com sintomas ansiosos. Por exemplo, a pessoa está sofrendo com transtorno depressivo, aí tem uma melhora e começa a ter crises de ansiedade pelo medo do retorno da crise depressiva. Isso pode acontecer, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa e outra coisa, a ansiedade não vira sempre depressão ou vice-versa”, conclui a psicóloga.

Ansiedade faz as pessoas não assistirem a vídeos longos

Ao final do vídeo, Mayra se oferece para fazer um material mais elaborado falando sobre o tema caso as pessoas tenham interesse em assistir, mas explica que costuma fazer gravações mais resumidas porque a ansiedade faz os internautas não assistirem vídeos longos. “As pessoas não têm paciência de assistir até o final. Por quê? Porque elas não estão no agora, elas têm crises de ansiedade, querem fazer 300 milhões de coisas ao mesmo tempo”, afirma a coach.

De acordo com a psicóloga, a declaração é problemática, já que há inúmeros outros fatores que podem fazer alguém não se manter assistindo a um vídeo na internet e que não têm relação nenhuma com a ansiedade. “Sim, nós vivemos em um mundo acelerado, que exige que façamos 300 milhões de coisas ao mesmo tempo, mas isso não quer dizer que a pessoa que não assiste a um vídeo de 10, 15, 20 minutos sofra de ansiedade”, afirma.

Conforme explica Ellen, esse comportamento pode vir, por exemplo, de falta de interesse pelo tema ou a própria falta de tempo – ambos fatores que não têm nada a ver com saúde mental. A psicóloga aponta inclusive que, ao contrário do que afirma Mayra, ter um transtorno de ansiedade não significa ser uma pessoa multitarefas (nem vice-versa).

“Essa questão de querer fazer várias coisas ao mesmo tempo, de ser multitarefas, não tem necessariamente relação com a ansiedade, inclusive eu me coloco na categoria. Sou mãe, profissional, enquanto assisto a uma série paro para dar atenção ao filho, daqui a pouco é um e-mail, um paciente mandando mensagem porque está em crise, e isso não significa que eu tenha um transtorno”, exemplifica.

Saúde mental

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