null: nullpx
cantora-Mulher

Criadora de hit que o mundo todo cantou diz já ter se "escondido" graças ao preconceito

Publicado 5 Jan 2018 – 03:08 PM EST | Atualizado 14 Mar 2018 – 05:10 PM EDT
Compartilhar

Um das músicas mais tocadas durante o ano de 2017, " Despacito" conquistou o mercado latino, brasileiro, norte-americano e europeu. O hit em espanhol cantado por Luis Fonsi ganhou ainda mais força depois de uma parceria com Justin Bieber. O sucesso foi tanto que a música ganhou os prêmios de canção do ano, gravação do ano, melhor fusão e melhor vídeo musical versão curta no Grammy Latino.

Apesar de todo mundo já ter cantado o "pasito a pasito, suave suavecito", uma curiosidade é importante ser reforçada: esse grande sucesso tem a participação de uma mulher talentosa. A canção foi escrita por Luis Fonsi, Ramon Ayala e a compositora e cantora panamenha Erika Ender, que conversou com o VIX sobre o empoderamento feminino na música.

Filha de mãe brasileira e pai panamenho/americano, a compositora, de 43 anos, já é conhecida entre artistas dos EUA, teve a oportunidade de ver o reggaeton cada dia mais famoso, entrou na indústria musical brasileira e já cantou até com Roberto Carlos.

Início da carreira

Erika saiu do Panamá ainda jovem e partiu para Miami, nos Estados Unidos, em busca de espaço na música. Sem ter nome reconhecido no mercado e conhecendo poucos artistas, ela não teve sucesso logo de cara. 

Nos primeiros anos, percebeu que a carreira musical estava repleta de homens compositores e encontrou dificuldade para divulgar seu trabalho entre eles. “Já naqueles anos, sentia vontade de ver músicas minhas sendo cantadas por homens, mas quando enviava o material, ouvi de alguns que o que havia escrito era feminino demais".

Mesmo com inúmeras mulheres sob os holofotes no showbiz, essa presença maciça é só uma ilusão. Ainda é muito difícil ver mulheres nos bastidores, criando obras originais do ponto de vista da mulher. É o caso da composição.

“Não era um mercado onde as mulheres se destacam. A cantora é uma coisa, mas mulher escrever para outras pessoas, especialmente para homem, não era normal. Além disso, eu era muito jovem, tinha que provar meu talento”, revela.

Como a maioria das mulheres em mercados predominantemente masculinos, ela teve que usar a criatividade para virar o jogo e usava uma estratégia para descobrir quando a rejeição era apenas pelo fato de ser mulher.

 "Algumas vezes, quando via que o cara não tinha visão, enviava a mesma música cantada por algum amigo ou algum homem que eu contratava, assinando com as minhas iniciais, E.E. Tive música negada que logo depois foi aceita dessa forma”, desabafa a compositora, que diz não aceitar um "não" como resposta.

Escrever para homens e mulheres

Erika leva o processo de criação de uma música muito a sério. Como uma verdadeira artista, ela sabe que precisa expressar o que sente e o que toca outras pessoas e sabe da responsabilidade que carrega. Ela ainda é à moda antiga, que carrega seus bloquinhos pelas ruas, escrevendo enquanto anda. Além disso, conta que tenta se conectar com o artista para quem está produzindo a música, para ele se sentir parte do todo. 

“Construo uma história assim, deixando as coisas que me inspiram saírem de mim e quando vou escrever, vejo tudo que já anotei. As letras das músicas são aquilo que preciso expressar”, diz ela.

Sensível, ela não entende como ainda há espaço para músicas agressivas e que humilham a mulher e questiona também a postura das pessoas que ouvem esse tipo de composição. "Não consigo entender isso. Às vezes, não paramos para ouvir a letra da música e acabamos entrando no automático. Muito homens falam de mulheres nas músicas, mas esquecem suas próprias mães", afirma.

Essa forma crítica de ver as composições estava presente quando criou com Fonsi um dos maiores sucessos de 2017. Sua preocupação era compor algo que fosse coerente com a mulher, mesmo abordando a sexualidade. "É possível falar dos assuntos que são tabu de outra maneira. Sexo é tabu, mas gosto de falar disso de uma forma mais realista e feminina", afirma.

E ela tem razão. Até pouquíssimo tempo, seria inimaginável um homem se preocupar com o verdadeiro prazer feminino como diz a letra da música: "Que le enseñes a mi boca, tus lugares favoritos [em tradução livre, 'que ensine aos meus lábios, os seus lugares favoritos']".

Conquistas femininas

Erika fala como uma mulher que sabe dos direitos conquistados e que conhece a história dos avanços sociais femininos. Apesar de ter muito o que evoluir, o processo de emancipação feminina é irreversível.

"Em gerações anteriores, as mulheres ficavam em casa, cuidando dos filhos e do marido. Hoje, não. Estamos procurando nossas realizações. Hoje tem mais mulheres fazendo aquilo que os homens faziam. Apesar de ser minoria, cada vez somos mais", defende a compositora.

Uma sociedade com mais igualdade entre homens e mulheres só tem a ganhar, pois o mercado se torna mais competitivo. Não basta ser uma coisa ou outra para conquistar seu lugar ao sol. Com as mulheres abrindo caminhos, a indústria musical se enriquece.

“Hoje há cada vez mais oportunidades, mas também é preciso ter responsabilidades e cuidado com as letras que construímos. A mensagem é importante e estamos marcando uma nova geração. O mercado está mais competitivo e mais visual também”, explica Erika.

Só que o sucesso de "Despacito" não se resume apenas a essa consciência crítica que seus criadores puderam colocar no papel. Para falar de amor, com tanta gente, pelo mundo todo, eles precisaram fazer o próprio trabalho muito carinho e colocar na composição esse afeto. 

"Quando escrevemos uma boa música, não importa como vestimos ela, em que ritmo ela é apresentada. Escrevemos a letra de 'Despacito' no violão. Não tenho preocupação com estilo, minha preocupação é a mensagem”, diz Erika, que afinal colocou sua mensagem para tocar no mundo todo e fez todo tipo de gente dançar.

Mulheres inspiradoras

Compartilhar

Mais conteúdo de interesse