null: nullpx
educação infantil-Mulher

Conselho sábio da avó fez Viviane "lembrar de onde veio" e agora ajudar outras meninas

Publicado 18 Dez 2017 – 06:00 AM EST | Atualizado 15 Mar 2018 – 11:09 AM EDT
Compartilhar

Quando brincava de repórter pela vizinhança do cortiço em que morava, segurando uma escova de cabelo como microfone, Viviane Duarte não imaginava que ainda iria fazer a diferença no futuro de tantas meninas que, assim como ela, pareciam invisíveis para a sociedade. 

Criada na periferia de São Paulo, Viviane perseguiu seu sonho de infância e se formou na faculdade de jornalismo, mas direcionou sua carreira para a área de marketing e publicidade, onde se deparou com uma das maiores transformações de sua vida.

Ali, Viviane começou a questionar a figura da mulher nas propagandas e o quanto as imagens não representavam a realidade das verdadeiras consumidoras das marcas. Foi nessa época que a paulistana decidiu deixar seu emprego estável em uma empresa para criar seu próprio negócio, voltado ao público feminino. Foi então que, em 2010, surgiu o Plano Feminino.

Mulheres reais na propaganda

De cara, o projeto nasceu para tirar a publicidade da zona de conforto e dar espaço ao protagonismo de mulheres reais e diferentes. Para isso, Viviane usou sua própria experiência de vida como base de estruturação (e inspiração) do negócio.

“Sou uma mulher que vem da periferia, tenho uma família de mulheres muito fortes. Minha mãe e minha avó, que sempre foram empreendedoras, eram mulheres invisíveis na publicidade, invisíveis para a sociedade de alguma forma, porque elas têm uma história de vitórias que não é contada. Lá atrás, você não via mulher negra, da comunidade, sendo protagonista”, afirma Viviane.

Depois de abraçar o objetivo de criar campanhas publicitárias com propósito, a empresária conta que caiu em um novo questionamento, justamente sobre qual seria o legado da missão de ajudar as marcas a se posicionarem. Foi quando ela olhou de novo para sua própria história para achar a resposta. 

“Minha avó sempre falou: ‘Nunca se esqueça de onde você saiu’. E isso me incomodava, eu pensava: ‘Vou ter que ficar vivendo do passado?’. Mas tem uma verdade aí. Existe uma riqueza tão grande de lembrarmos sempre de onde viemos para ter valor de raiz. E eu sempre percebia essa diferença. Minha mãe e minha avó me fortaleceram demais para eu idealizar e alcançar o que eu queria. E não é meritocracia isso. Você tem que olhar para trás e buscar outras pessoas”, diz.

Por conta de sua origem humilde, Viviane lembra que penou para conseguir sua inserção no mercado de trabalho, especialmente pelo fato de não ter alguém que a indicasse para um cargo. Essa falta de referência, que é a realidade de muita gente, a fez criar o conceito do Plano de Menina, projeto social que promove o empoderamento de jovens da comunidade através de diversas atividades educativas.

Empoderamento de meninas das comunidades

Lançada em 2015, a iniciativa partiu de uma pesquisa de campo de Viviane que avaliou quais eram as comunidades mais violentas para mulheres na Região Metropolitana de São Paulo. Com o resultado em mãos, ela conversou pessoalmente com diversas meninas para entender como seria o projeto e de quais conteúdos elas precisavam. O passo seguinte foi reunir uma rede de mentoras, incluindo juízas, jornalistas, psicólogas e empresárias, que pudessem dar workshops para as garotas das comunidades.

Atualmente, Viviane conta que o projeto conta com cerca de 80 mulheres parceiras, que realizam workshops sobre liderança, autoestima, educação financeira, empreendedorismo e até questões de gênero.

As atividades acontecem todos os sábados, durante um ano, simultaneamente nas cinco comunidades selecionadas (Capão Redondo, Pirituba, Grajaú, Raposo Tavares e Vila das Belezas) e podem participar meninas com idades entre 13 e 18 anos, em média.

“É incrível a transformação delas durante esse período. É demais como essas meninas mudam e, as participantes que se formam em um ano, depois viram mentoras mirins. É de encher o coração. A família também percebe e participa da mudança. O projeto as ajudou a se enxergarem no mundo. Elas já sabiam exatamente o que elas queriam, mas conforme elas foram absorvendo o conteúdo, elas começaram a acreditar no potencial delas e deslancharam”, conta Viviane.

Sororidade em prática

Apenas em 2016, a empresária diz que conseguiu formar 150 meninas. Porém, ela agora aposta em uma plataforma digital, desenvolvida em parceria com a marca Seda, para atingir cada vez mais participantes e fazer a diferença nos planos de vida dessas garotas que, como ela, também têm sonhos e ambições. Para 2017, por exemplo, a ideia era atingir 200 mil meninas.

“Um dos pilares que temos bem estabelecidos agora com a plataforma digital é a sororidade. Essa coisa da parceria, das meninas estarem juntas. Na minha trajetória toda, eu sempre tive muito essa questão de 'estar juntas', de não ter rivalidade. Quando você começa a construir sua história, deixando o caminho aberto e se fortalecendo com as pessoas próximas a você, fica muito mais fácil de você chegar aonde quer. Tem que acreditar em quem você é e no seu potencial. A rivalidade só afasta e prejudica”, afirma.

Reforçando sua filosofia pessoal de união, Viviane faz questão de estar presente até hoje acompanhando de perto a evolução do projeto e, para isso, ela voltou a frequentar as comunidades – das quais havia se afastado há muito tempo. O novo contato com a realidade que um dia fez parte de seu cotidiano não foi fácil.  

“Quando comecei a fazer esse processo de volta para as comunidades, tive uma sensação de impotência. Eu tinha esquecido como era difícil algumas coisas simples, como ir para escola. Às vezes, era preciso colocar um saco plástico no pé para descer o morro sem asfalto, porque estava chovendo, fiz muito isso! A hora que conheci a realidade das meninas, eu percebi que eu era tão privilegiada. Pensei: ‘Agora mesmo é que eu tenho que fazer alguma coisa, tenho que conectar e ajudar essas meninas’”, reflete.

“Ao mesmo tempo pensei em resgatar a beleza que existe nesses lugares, de mulheres fortes que resistem. Mulheres que não saíram dali e estão resistindo com beleza, trabalhando todo dia, arrumando as casinhas delas, educando os filhos em meio a tanta violência. Me sinto honrada de ainda ter essa possibilidade de voltar para as comunidades, de ter um canto para conversar com pessoas que não estão na mesma bolha que a minha. O trabalho de ouvir e conhecer as pessoas é muito importante. O que eu quero fazer é ajudar essas pessoas, essas mulheres a florescerem, a serem vistas”.

Toda menina tem um plano

Com o propósito de ajudar a concretizar os sonhos de cada menina, Viviane ressalta a importância dos estímulos positivos na vida dessas garotas e como o simples fato de se ter um plano pode influenciar no resultado desse processo.

“Tenho amigas e pessoas da minha infância que se tornaram prostitutas, se envolveram com drogas, outras foram presas, algumas mortas. A falta de visão de futuro, de oportunidade, fez com que elas se tornassem essas mulheres que elas se tornaram. Isso de ver o que aconteceu com elas foi muito forte e ver o quanto essa questão de ter planos influenciou. Por isso a gente fala no projeto de nunca apagar o plano de uma menina, que toda menina merece ter um plano e a chance de realizar esse plano”, afirma.

Mulheres que fazem a diferença

Compartilhar

Mais conteúdo de interesse