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Colega de trabalho transforma episódio de preconceito em uma aula de solidariedade

Publicado 19 Jul 2017 – 03:15 PM EDT | Atualizado 26 Mar 2019 – 05:26 PM EDT
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Poderia ser apenas mais um dia de trabalho para a repórter Kelly Costa, da Rádio Gaúcha. A jornalista cobria uma coletiva de imprensa pós-partida de futebol entre Internacional e Luverdense, pela Série B do Campeonato Brasileiro. Porém a profissional se deparou com uma situação que ainda é muito comum no mercado do jornalismo esportivo: o machismo contra mulheres que trabalham no meio futebolístico.

Declaração do técnico Guto Ferreira

Kelly assumiu o microfone para fazer uma pergunta ao técnico do Inter, Guto Ferreira. Nela, a repórter questionou se ele reconhecia falhas técnicas de sua equipe durante o jogo. Sem hesitar, o treinador deu uma declaração controversa, direcionada ao fato de a jornalista ser mulher.

“Desculpe, eu não vou fazer essa pergunta para você, porque você é mulher e, de repente, não jogou [futebol]. Mas todo atleta sob pressão tem dificuldades de ter um foco no lance final e trabalha contra a confiança dele também e precisa acertar para ter confiança. Eu ia fazer uma pergunta para você se você já jogou para perceber essa situação”, falou o técnico.

Desabafo em apoio à colega

Após a entrevista, Ferreira percebeu que errou no tom da declaração e procurou a repórter para se desculpar. O encontro entre os dois acabou sendo registrado por Renata de Medeiros, também jornalista e colega de Kelly Costa, que divulgou o ocorrido com um desabafo no Facebook.

“Caro Guto: creio que, no momento em que tu falaste isso, tu não tinhas ideia do peso dessa frase na vida das poucas mulheres que ainda insistem em trabalhar e invadir o ambiente futebolístico que vocês, homens, pensam pertencer só a vocês. Infelizmente, Guto, não é só tu que pensa assim”, escreve Renata em um trecho do post.

Além de descrever algumas situações que também passa na profissão, a jornalista colocou em xeque a desigualdade entre homens e mulheres no meio futebolístico. “Chega a ser cansativo, mas TODOS OS DIAS a gente tem que provar que tem condições de trabalhar com futebol. Que louco né? NENHUM cara precisa provar pra ninguém que entende. Mas as mulheres precisam”, diz.

Apoio feminino no mercado de trabalho

Ainda que trate especificamente do jornalismo esportivo, o desabafo de Renata funciona para mulheres de todas as profissões que convivem diariamente com comportamentos machistas. O apoio da jornalista à colega Kelly Costa mostra o quanto é importante que as mulheres se ajudem no mercado de trabalho. 

É importante mostrar indignação em episódios como este, ainda que a situação tenha acontecido com a outra. Essa aliança entre mulheres, baseada na empatia e na busca por ideias em comum, tem até um nome: sororidade.

Muitas vezes, gestos e atitudes que parecem inofensivos limitam as possibilidades de crescimento e desenvolvimento profissional das mulheres. Fazer valer a voz feminina no ambiente de trabalho é uma questão crucial para a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. 

Confira o desabafo na íntegra:

"Desculpe, eu não vou fazer essa pergunta para você, porque você é mulher e de repente não jogou". Isso foi o que Guto Ferreira, técnico do Inter, falou para uma repórter MULHER por não ter gostado da pergunta dela em uma entrevista coletiva transmitida por inúmeras rádios, TVs e sites.

Caro Guto: creio que, no momento em que tu falaste isso, tu não tinhas ideia do peso dessa frase na vida das poucas mulheres que ainda insistem em trabalhar e invadir o ambiente futebolístico que vocês, homens, pensam pertencer só a vocês. Infelizmente, Guto, não é só tu que pensa assim. Talvez tu não me conheça, mas eu sou a única repórter mulher no Futebol da Gaúcha.

Mesmo tendo feito minha primeira jornada em 2015, em muitas transmissões, por exemplo, ainda tenho que fechar os ouvidos para os gritos que vêm da torcida (imagina que assustador, Guto, uns 20 caras CANTANDO pra ti: "Ah, eu vou gozar, vem aqui que eu vou te passar o peru", repetidamente, enquanto tu TRABALHA). E sabe o que eu (e todas as mulheres, torcedoras, repórteres ou seja mais quem seja) tenho que fazer? Fingir que não é comigo. Por que sabe o que a gente sente? Que ali não é o nosso lugar. E isso acontece todos os dias — no estádio, na redação, na rua.

Chega a ser cansativo, mas TODOS OS DIAS a gente tem que provar que tem condições de trabalhar com futebol. Que louco né? NENHUM cara precisa provar pra ninguém que entende. Mas as mulheres precisam. Eu estudei jornalismo por quatro anos, cursei gestão técnica do futebol pela Universidade do Futebol, fiz muitos cursos sobre tática e sempre li muito sobre o assunto.

Mesmo assim, parece que sempre estou em desvantagem com relação aos colegas. Por que eles fizeram mais cursos do que eu? Não. Porque eles são homens. Eles não precisam provar nada.

Na foto, Guto, tu pede desculpas à colega Kelly Costa pela colocação EXTREMAMENTE machista que fizeste na coletiva de hoje. Mas pode ter certeza que não foi só ela que tu atingiste quando falou aquilo. Ser mulher no jornalismo esportivo é heroísmo. E, gostem ou não, caras, a gente vai continuar. Não porque queremos ser melhor que vocês. Apenas porque queremos mostrar que MERECEMOS o mesmo respeito que vocês têm.

Desigualdade entre homens e mulheres

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