null: nullpx
justiça-Mulher

"Ele veio para me matar": pedido de socorro expõe falhas ao acolher vítimas de agressão

Publicado 1 Jun 2017 – 12:28 PM EDT | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
Compartilhar

Um vídeo de 12 minutos que mostra uma mulher desabafando e pedindo ajuda têm sido incansavelmente compartilhado no Facebook. Nas imagens, Danila Areal, de Volta Redonda (RJ), expõe a situação que está vivenciando e pede ajuda para não ser agredida pelo ex-marido mais uma vez.

Como narra, ela foi casada por oito anos e, nesse período, sempre foi agredida. A força para fazer a denúncia veio recentemente. Há um mês, quando colocou fim ao casamento, Danila disse ter ido até uma Delegacia da Mulher e feito uma denúncia contra o ex-marido.

Após o registro da ocorrência, ela teria passado por um exame de corpo de delito e a Justiça concedido uma medida protetiva. Como conta, a ação judicial, no entanto, não evitou que novas agressões ocorressem. “Tava com medida protetiva contra ele, mas isso não garantiu minha segurança”, disse.

Medidas protetivas são emitidas por Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e têm como principal objetivo manter o afastamento do agressor da vítima para preservar sua integridade física e psicológica. Ou seja, com uma medida protetiva, o ex-marido não poderia se aproximar de Danila.

Mas, no último sábado (27), ele foi até a casa da amiga onde ela está abrigada e, mais uma vez, a agrediu. “Ele me bateu até eu desmaiar. Ele não veio para me bater, veio para me matar. Estou com medo de morrer. Ele me espancou por mais de uma hora. Ligamos mais de 17 vezes para a Polícia Militar. Ninguém veio ajudar a gente. Eu estava caída no chão e ele ainda me chutava”, narra a vítima aparecendo no vídeo com o olho machucado e partes do corpo roxas.

Embora descontente com a exposição, Danila comenta que vê na divulgação do caso a única possibilidade para buscar proteção e, por isso, pede ajuda da sociedade civil e do poder público. “Já denunciei, já fiz tudo o que tinha que fazer, já fiz corpo de delito e ele não está preso. Eu estou com medo de morrer. Eu não sei o que que a lei quer que eu faça mais”, suplicou.

O que acontece depois que uma mulher denuncia uma violência

Danila fez uma denúncia, passou pelo exame de corpo de delito, um inquérito foi aberto, a Justiça concedeu uma medida protetiva e, ainda assim, ela foi novamente vítima da violência. Frente a essa sequência de fatos, cabe o questionamento: a forma como as vítimas são acolhidas é eficiente? Basta buscar os aparatos jurídicos para ficar em segurança? Este caso mostra que não.

A violência doméstica é um crime subnotificado. Ou seja, por uma série de motivos, incluindo a dependência emocional e financeira, o medo de represálias e a sensação de ineficiência da Justiça, nem todas as mulheres buscam a polícia quando são agredidas.

É por isso que muitas das vítimas, quando chegam nas delegacias para prestar queixa, relatam que por outras vezes já haviam sofrido violências - psicológica, emocional e também física. É como se uma mulher precisasse chegar ao seu limite sem enxergar mais nenhuma saída para criar coragem de fazer a denúncia.

Ao chegar à delegacia para isso, muitas vezes, além de ser questionada e descredibilizada em seu relato e desencorajada a dar continuidade ao registro, ela não recebe todo o apoio multidisciplinar de acolhimento e proteção previsto na Lei Maria da Penha.

Além de apoio psicológico e social e orientação jurídica, para a efetivar a proteção física, a vítima tem direito a uma medida protetiva. Ela, no entanto, nem sempre sai com a agilidade necessária e pode ter baixa eficácia. “O delegado solicita ao juiz. Tem casos em que ela sai em 24 horas. Mas, em outros, demora uma semana, tempo suficiente para essa mulher ser morta”, comenta a advogada Ana Lúcia Keunecke, da ONG Mulher Sem Violência.

Mesmo depois da concessão da medida e da abertura do inquérito, essa mulher em muitos casos continua desprotegida. Foi exatamente o que Danila relatou. De acordo com a advogada, o despreparo da polícia para situações como essa, o baixo efetivo e os poucos meios de fiscalização estão entre as causas da baixa eficiência das medidas. “Acredito que uma das coisas que contribui para aumento do feminicídio é ausência da efetividade do Estado”, coloca Ana Lúcia.

Nessas situações restam poucas alternativas para as mulheres. Ou elas seguem correndo risco ou precisam fugir. “Nesse caso, o que vai acontecer com ela? Ela vai fugir, se esconder, como muitas mulheres fazem. Ela vai abrir mão da vida que tem para poder viver”, comenta.

Para a advogada, a eficácia deste tipo de medida só será completa quando houver mecanismos eficientes de fiscalização para garantir realmente que o agressor cumprirá a ordem de distância e, ao descumprir, que o poder público tome medidas rápidas e eficientes para evitar novas agressões e crimes ainda mais cruéis, como o feminicídio.

Como garantir a segurança de uma mulher vítima de violência

Embora ainda sejam iniciativas pequenas e locais, a advogada usa exemplos já implementados para mostrar como deveria ser essa “fiscalização e garantia de proteção”.

O projeto “Guardiã Maria da Penha”, parceria da Guarda Civil Metropolitana com a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, prevê a garantia do cumprimento das normas penais, como a medida protetiva. “Os guardas têm no celular o contato de todas as mulheres que estão com medidas protetivas, dividido por territórios. A qualquer solicitação direta, eles chegam imediatamente. Isso dá emancipação à mulher, porque ela se sente mais segura. Onde o projeto foi implementando, o índice de feminicídio caiu”, comenta Ana Lúcia.

No Pará, um aplicativo foi criado para que mulheres sob a proteção da Justiça acionem a polícia em casos de ameaça. O “SOS Mulher” visa fortalecer a rede de proteção, sobretudo na garantia do cumprimento das medidas protetivas. “Essa mulher não precisa ligar no 192, passar nome, RG, endereço e esperar apoio. Tudo isso demora e nesse momento é preciso agilidade para salvar a vida dela”, explica a advogada.

Além de garantir a proteção da mulher com medidas diretas, Ana Lúcia acredita que é essencial otimizar o projeto com os agressores. “Eles precisam receber educação sobre equidade de gênero. Onde o projeto já foi implantado, o índice de reincidência diminuiu consideravelmente”, mostra a profissional.

“Se conscientizarmos a sociedade, educar os homens sobre essas violências e produzir mecanismos eficientes de fiscalização, a mulher estará salva de sofrer a violência que alimenta a reincidência e o feminicídio”, resume a advogada.

“A Lei Maria da Penha é reconhecida como uma das três melhores do mundo. Mas, nossos índices de violência continuam alarmantes”, comenta Silvia Chakian, promotora de São Paulo e coordenadora do grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica. Para ela, essa contradição é a mostra de que, embora a legislação seja excelente, ela ainda não foi totalmente implementada – e esse é o maior desafio em relação ao combate da violência, acolhimento das vítimas e punição e educação dos agressores.

Entre as principais medidas a serem implementadas com eficiência, a promotora cita as questões relacionadas à educação da sociedade civil, a capacitação dos agentes e a atuação integrada das instituições públicas.

Enquanto este avanço não ocorre, Danilas continuam sendo agredidas. Outras, sequer tiveram a chance de fazer um vídeo pedindo socorro.

Como se proteger da violência doméstica

Além das delegacias e das delegacias da mulher, uma vítima de violência, caso não queira fazer nenhum registro policial, mas queira proteção pode, de acordo com Ana Lúcia, buscar centros de referência como o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). “Toda cidade tem pelo menos um e eles são obrigados a dar tratamento psicológico, emocional, encaminhar a abrigos, convidar o agressor para tratamento”, explica.

Violência contra a mulher

Compartilhar

Mais conteúdo de interesse