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Por que cena de Laura em novela está sendo duramente criticada por psicólogos?

Publicado 6 Fev 2018 – 06:58 AM EST | Atualizado 14 Mar 2018 – 04:28 PM EDT
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A novela "O Outro Lado do Paraíso", produzida pela TV Globo, aborda o tema do abuso sexual de crianças a partir da história de Laura (Bella Piero) e de seu padrasto, o delegado Vinícius (Flavio Tolezani). Na trama, a jovem sofreu violência sexual e guarda traumas psicológicos resultantes desses momentos de terror.

A personagem Laura, agora, procura a ajuda de Adriana (Julia Dalavia), que é advogada e usa técnicas de coaching e hipnose para tratar a garota.

Conselho Federal de Psicologia critica abordagem

Em comunicado publicado na última segunda-feira, o Conselho Federal de Psicologia criticou duramente a abordagem da novela em relação aos traumas decorrentes de uma violência sexual, ainda mais em um caso de pedofilia.

“Mesmo compreendendo o caráter de uma obra de ficção, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) entende que a telenovela “O outro lado do paraíso”, por se tratar de uma obra capaz de formar opinião, presta um desserviço à população brasileira ao tratar com simplismo e interesses mercadológicos um tema tão grave como o sofrimento psíquico de personagem cuja origem é o abuso sexual sofrido na infância”, afirma a nota.

Para o CFP, o atendimento nos casos de traumas emocionais gerados em casos de abuso sexual deve ser realizado por profissionais de psicologia. “São os [profissionais] que têm a habilitação adequada. Isso é amplamente reconhecido por diversas políticas públicas, entre elas o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que empregam essas profissionais em larga escala”, avisa.

Técnica de coaching e hipnose

Para entender o trauma ainda não revelado por Laura na trama, Adriana utiliza técnicas de coaching e hipnose. O uso deste tipo de abordagem para tratamento de pós abuso sexual é também criticado pelo CFP. “Saudamos como positiva a manifestação de diversos grupos e escolas de coaching, que, manifestando-se sobre o ocorrido, afirmaram compreender que os transtornos mentais devem ser cuidados por profissionais da saúde mental”.

Em uma cena que ainda não foi ao ar, revelada pelo blog da Patrícia Kogut, Adriana dá uma demonstração da técnica, com o objetivo de ajudar Laura a perdoar o agressor. Ela diz à jovem:

- Você sente uma profunda paz. Você se encaminha para a porta que há ao fundo do jardim, a cada passo sente-se mais forte, mais forte. E você estende a mão para abri-la. Toca a maçaneta e gira. Gira e abre a porta. Você vê um homem. O homem que você conhece. Mas você não tem mais medo, sente que é capaz de enfrentar esse homem, porque você renasceu. Renasceu e ele não pode mais nada contra você. E você é tão forte, tão forte que pode perdoar, perdoar. Perdoar.

Segundo Kogut, neste momento, aparecerá a imagem de Laura estendendo a mão e tocando Vinícius. Na hora ela dirá, emocionada: “eu te perdoo, eu te perdoo”.

“O CFP faz um alerta à sociedade para que não se deixe iludir. As pessoas devem buscar terapias adequadas conduzidas por profissionais habilitadas para os cuidados com a saúde, particularmente a saúde mental”, conclui a entidade.

Posição da Globo

Procurada pelo VIX, a TV Globo ainda não se manifestou a respeito do comunicado do CFP. Assim que a emissora divulgar sua posição, a nota será atualizada.

Atualização

Após a publicação da matéria, a Comunicação da Globo enviou a redação a seguinte nota:

As novelas são obras de ficção, sem compromisso algum com a realidade. A Globo reconhece a importância de todos os seus programas para discussões e reflexões sobre assuntos de interesse da sociedade e está atenta à responsabilidade que lhe é atribuída sobre todos os temas abordados. O que a novela ‘O Outro Lado do Paraíso’ quer mostrar com o desenvolvimento da trama da personagem Laura é o processo pelo qual passa uma pessoa que precisa de ajuda, recorrendo a diferentes e variadas formas de apoio e terapias, das mais às menos ortodoxas. É importante reiterar, ainda, a seriedade com que a novela ‘O Outro Lado do Paraíso’ tem abordado, desde a estreia, questões relacionadas a diferentes tipos de abuso e preconceito. Corroborando o compromisso da Globo com a sociedade, está prevista a exibição, ao final de alguns capítulos, de cartela de divulgação do Ligue 100, número oficial para denúncias de violação de direitos humanos.

Comunicado completo do CFP

Mesmo compreendendo o caráter de uma obra de ficção, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) entende que a telenovela “O outro lado do paraíso”, por se tratar de uma obra capaz de formar opinião, presta um desserviço à população brasileira ao tratar com simplismo e interesses mercadológicos um tema tão grave como o sofrimento psíquico de personagem cuja origem é o abuso sexual sofrido na infância. Quanto ao argumento de que se trata ‘’apenas’’ de ficção, lembramos que são as novelas da Rede Globo que, como estratégia de elevar a audiência, frequentemente buscam embaralhar as barreiras do ficcional e do real, entre outras formas, introduzindo nas tramas fatos e temas candentes da sociedade. É consenso no Brasil de que pessoas com sofrimento mental, emocional e existencial intenso devem procurar atendimento psicológico com profissionais da Psicologia, pois são os que tem a habilitação adequada. Isso é amplamente reconhecido por diversas políticas públicas, entre elas o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que empregam essas profissionais em larga escala. Mesmo na saúde suplementar, o exercício do cuidado psicológico é reconhecido e regulamentado. Há normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que obrigam os planos de saúde a oferecerem atendimento por profissionais da Psicologia. Somos uma profissão regulamentada pela Lei 4.119, de 27 de agosto de 1962, os cursos de Psicologia são aprovados e fiscalizados pelo Ministério da Educação e o Ministério da Saúde reconhece a Psicologia como uma profissão da saúde. As mais prestigiadas universidades públicas e privadas oferecem formação em Psicologia e nossa ciência e profissão passam rotineiramente pelo escrutínio das pesquisas acadêmicas. Tudo isso confere segurança à sociedade de que se trata de uma ciência e profissão respaldadas ética e tecnicamente. Saudamos como positiva a manifestação de diversos grupos e escolas de coaching, que, manifestando-se sobre o ocorrido, afirmaram compreender que os transtornos mentais devem ser cuidados por profissionais da saúde mental. O CFP faz um alerta à sociedade para que não se deixe iludir. As pessoas devem buscar terapias adequadas conduzidas por profissionais habilitadas para os cuidados com a saúde, particularmente a saúde mental.

Pedofilia na ficção e na vida real

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