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Das poucas oportunidades ao sucesso no vôlei: Garay é prova que esporte transforma

Publicado 3 Ago 2016 – 06:30 PM EDT | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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Em 2012, o mundo inteiro assistia a uma partida interminável de vôlei durante os Jogos Olímpicos de Londres. A seleção feminina brasileira enfrentava as russas nas quartas de final e já estava no tie-break com um placar de 19 a 19. Foi neste momento que Fernanda Garay conta ter vivido uma das experiências mais emocionantes de sua carreira de atleta. Depois de conseguir virar o jogo com um saque espetacular, ela estava com o match point em suas mãos, o que garantiria a vaga da seleção na etapa seguinte. Fernanda desceu o braço com tanta eficiência, que a bola voltou direto para Fabiana finalizar. 21 a 19 e a arquibancada explodiu em festa.

“Aquele jogo contra a Rússia ficou marcado para todo mundo. Foram 6 match points até acabar. Foi muito inesquecível. Antes disso, o juiz tinha dado bola fora para uma que eu lancei dentro! É uma loucura, só de lembrar, fico com os nervos à flor da pele. Eu joguei na Rússia depois do episódio e foi uma experiência surreal. Estava disputando a semifinal e lembrei daquele momento. Fiquei toda arrepiada, vivi novamente”, diz a atleta.

Naqueles jogos, ela ainda teria mais um grande momento. Foi o nome dela que o narrador esportivo gritou ao anunciar que a seleção feminina de vôlei era bicampeã olímpica após enfrentar os Estados Unidos na final. Cada seleção já tinha levado um set durante a partida e o Brasil ganhava o terceiro por 24 a 17. Foi a vez dela encerrar o jogo, colocando a bola no chão no último momento: “Fernanda Garay... Fernanda Garay! É ouro!”.

Agora ela se prepara para um dos momentos mais sonhados em sua carreira, que é disputar as Olimpíadas 2016 em solo brasileiro, no Rio de Janeiro.

Infância e adolescência no Sul

Ela tinha apenas 11 anos quando começou a jogar vôlei por influência da família. A mãe, Jussara, fez vôlei e atletismo, enquanto o pai, Luiz Fernando, representou o Brasil na seleção militar de basquete. Nascida em 10 de maio de 1986, em Porto Alegre, ela é a primeira de cinco irmãos e cuidava dos pequenininhos, quando os pais iam trabalhar. Desde cedo aprendeu a ter responsabilidade, tanto que já integrava a seleção gaúcha aos 14 anos e chegou a fazer geladinhos e pulseirinhas para vender nas ruas.

Fernanda não era um tipo de adolescente baladeira e nem rebelde, mas já percebeu o que seria a rotina dura de atleta ao ter que priorizar os treinos e campeonatos quando toda a família se reunia para os churrascos de domingo na casa do vô.

“Sempre tive bastante comprometimento. Você abre mão de um monte de coisas que podem ser muito valiosas. Minha adolescência foi bem marcada pelo esporte. Cada adolescente tem sua história, mas o esporte me ajudou muito a canalizar aquelas energias. Claro que eu ia para algumas festinhas quando tinha folga, mas não tive uma adolescência muito rebelde. Eu sou bem certinha”.

Fernanda não vem de família rica. Quando seus pais se separaram, ela contou com a ajuda do treinador Osmar Pohl para comprar livros da escola, materiais esportivos e pagar as viagens para os jogos.

“No esporte, eu via uma oportunidade de proporcionar uma vida melhor para mim e para os meus familiares. Decidi seguir com toda minha energia e minha disposição, eu vim de uma família simples, não tive oportunidade de abrir várias janelas. Eu não teria oportunidade de fazer uma faculdade se não estudasse em uma federal, por exemplo. Claro que passei por momentos em que pensei: ‘Será que vai dar certo? Será que não?’. Eu sempre fiz o meu melhor e acredito que a coisa fluiu naturalmente. Eu fui indo, as coisas foram acontecendo, mas eu sempre tive meus pés no chão. A carreira de uma atleta é muito curta, você precisa se programar para (Deus me livre!) uma lesão, contratos anuais... todo profissional do esporte tem que ter uma consciência clara dessas coisas”.

Antes dos 16 anos deixava a família no Rio Grande do Sul para atuar em um time em São Paulo. A partir daí, foi subindo um degrau por vez, chegou a jogar em Minas Gerais e competir na Venezuela e na Turquia. Em 2006, ela foi convocada pela primeira para a seleção adulta, quando integrou o time que conquistou a Copa Pan-Americana, em Porto Rico.

Vôlei feminino no Brasil

A carreira profissional fez com que Fernanda tivesse várias experiências únicas. Em 2011, contratada por um time japonês, em Kawasaki, ela não conseguiu disputar um campeonato, pois o torneio foi cancelado após o país ser assolado por um terremoto e tsunami, que provocaram devastação. Atualmente, ela atua no voleibol da Rússia.

Fernanda já tem 19 anos de carreira, conquistou estabilidade e reconhecimento, mas revela que o esporte sofre em anos de crise financeira, assim como em qualquer área de trabalho. O apoio aos atletas depende muito de marcas de sucesso que decidem investir no esporte. Para isso, as modalidades também precisam estar em alta. O vôlei feminino conquistou seu espaço e, atualmente, garante visibilidade para suas esportistas.

“Algumas jogadoras que já estão estabelecidas têm contratos de dois anos, mas não é uma coisa tão comum. Pode acontecer, depende muito do mercado e do nosso histórico. O vôlei feminino acabou atraindo muita atenção, atraiu o carisma das pessoas, uma empatia. Acontece que hoje, o futebol não é mais o único esporte do Brasil”.

Para ela, dos esportes coletivos existentes, o voleibol é um dos que mais exige trabalho em equipe. O companheirismo das meninas em quadra quebra o estereótipo de que mulheres têm problemas para trabalharem juntas. A seleção feminina é a prova de que a excelência só é conquistada pela parceria e competência.

“Você não consegue fazer nada sozinha. No alto nível, você depende muito da sua companheira, do levantamento perfeito, tudo tem que acontecer em conjunto, tem uma exigência de perfeição. Claro que do lado de fora sempre tem uma companheira que você tem mais afinidade, mas é como num trabalho qualquer. Dentro de quadra é só profissionalismo, todo mundo com o mesmo objetivo que é ganhar do adversário”.

Fernanda faz questão de reforçar que a rivalidade não chega a ser um problema para ela, que veste a camisa sempre que está representando uma equipe. Agora que defenderá a seleção brasileira, por exemplo, ela vai disputar com as meninas que jogou a temporada inteira: “É assim mesmo”.

Defender o Brasil, inclusive, é algo que deixa a atleta sem palavras. Ela já teve a oportunidade de vestir a camisa nas Olímpiadas de 2012, mas agora, dentro de casa, sabe que a responsabilidade é imensa e garante que é a “realização de um sonho”. Sonho que começou a motivar a jogadora desde o início da carreira. Ela define com um clichê que se aplica muito bem: “É uma mistura de sentimentos”.

Realização pessoal

Atleta vitoriosa, orgulho da família, querida pelas companheiras, querida pela torcida, ainda assim, Fernanda Garay diz que quer mais e que está apenas “próxima” de se sentir realizada profissional e pessoalmente.

“Como atleta, que gosta de desafios, que traçou muitos objetivos, com quase 20 anos de carreira, eu me sinto bem próxima. De alcançar o que sempre sonhei. Pessoalmente, eu estou próxima de começar a minha vida. É uma sensação muito louca. Até agora, eu fui 100% voleibol. Não que eu tivesse deixado as coisas para trás, mas agora vou me dedicar um pouquinho mais. Eu namoro há nove anos, a gente noivou ano passado, vai se casar ano que vem, vou morar no Paraná... É um marco pessoal, outro ciclo”, diz animada.

Quase 20 anos de profissão, 30 anos de vida recém-completados, e ela ainda diz que sente “frio na barriga” ao entrar em quadra e pensa que pode sentir saudade dessa sensação quando, um dia, parar de jogar. Enquanto isso não acontece (sorte a nossa!), ela segue na torcida para que um dia todas as crianças tenham a oportunidade que ela teve.

“A gente precisa incentivar as crianças a praticarem esportes não apenas quando o objetivo é que a criança se torne um profissional, mas para que ela aprenda os valores do esporte, aprenda a compartilhar, se superar. Esse tipo de aprendizado não tem preço. O importante é ter a oportunidade de praticar, incluir o esporte na rotina, seja como lazer ou saúde. Eu não seria quem sou hoje sem o voleibol. Se não tivesse o incentivo, não sei o que seria de mim hoje”.

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