Se você gosta de chocolate, é uma bruxa... Ao menos era o que a inquisição dizia
Diz a lenda que foi Quetzalcóatl, o deus do vento, quem deu pela primeira vez aos toltecas, povo pré-colombiano que dominou grande parte do México central entre os séculos X e XII, grãos de cacau para deixar as pessoas de sua cidade mais saudáveis, inteligentes e sábias. Desde então, esse alimento se tornou um dos pilares da gastronomia mexicana.
Com a chegada dos espanhóis, começaram a surgir crenças de que este delicioso produto foi criado através de uma mistura que somente uma bruxa poderia fazer.
Segundo o site especializado em viagens e cultura Atlas Obscura, essa história começa em Honduras, protagonizada por Melchora de los Reyes, uma jovem de raça mista e seu amante. Os dois jovens mantinham um romance no meio de uma sociedade que os queria separar.
Quando o amante de Melchora a conheceu, ela era uma donzela inocente que acreditava no amor verdadeiro. O jovem se aproveitou disso e prometeu se casar com ela depois que eles fizessem sexo. Ela aceitou, mas ele nunca cumpriu sua promessa, a deixando sozinha, sem casamento e grávida.
Desesperada, Melchora decidiu consultar uma bruxa para encontrar um remédio para seu coração partido. A feiticeira deu a ela um pó especial, ordenou que ela o misturasse com o chocolate quente e que, depois disso, o homem seria completamente dela.
Depois que seu amante descobriu o que ela havia feito, ele avisou as autoridades, que a acusou de bruxaria pela Santa Inquisição.
Melchora foi uma das muitas mulheres do "Novo Mundo" que a Inquisição acusou, julgou e executou por bruxaria, e não a única por praticar magia através de chocolate quente.
A professora de estudos de história e gênero da Penn State University, Martha Few (também conhecida por escrever livros sobre gênero, religião e medicina na América Latina) foi a primeira a descobrir essa tendência enquanto estudava os arquivos da Inquisição. "O chocolate era um fator característico e muito comum entre as acusações", afirmou.
Essas acusações, além de serem rotuladas de racistas e misóginas, também estavam relacionadas à necessidade dos espanhóis de controlar e governar uma população cheia de mulheres que não "respeitavam" as regras que eles estabeleciam. Uma dessas leis era que as mulheres não podiam consumir chocolate, apenas cozinhá-lo.
Sendo um alimento plantado há milhares de anos, representou um grande pilar na sociedade e na economia pré-hispânicas. Tal era o seu peso que, quando os espanhóis colonizaram a América, o gosto pelo chocolate também foi misturado com paranoia e preconceito.
Os índios mesoamericanos associaram esse alimento à vitalidade, pois disseram que ele representava o sangue da própria vida devido à sua cor vermelha carmesim.
A relação entre o chocolate e suas propriedades medicinais durou até a era colonial, quando os espanhóis proibiram o uso de várias plantas que faziam parte de rituais pré-hispânicos, como cogumelos psicotrópicos, explica Manuel Aguilar-Moreno em uma conferência intitulada "A história do chocolate no México colonial ".
No século XVII, a caça às bruxas estava no auge, ainda mais entre aqueles que ousavam usar chocolate em suas receitas. Nessas caçadas, a cidade inteira se reunia para criar fogueiras e exercer extrema violência sobre mulheres acusadas de bruxaria, explica Few.
As mulheres eram os principais alvos da Inquisição. Principalmente porque os escravos espanhóis, indígenas e africanos quebraram barreiras de castas, especialmente na cozinha.
Essa convivência permitiu que eles misturassem seus conhecimentos nos mercados: troca de receitas para promover curas e conselhos caseiros que mantinham vivo o conhecimento tradicional.
Muitos desses remédios focaram no chocolate. Sendo a bebida feita e servida pelas mulheres, ela começou a provocar medo entre os homens, que temiam ficar encantados com a mistura.
Ao longo dos anos, essa crença foi perdendo força e o chocolate começou a ser visto como um alimento comum e que não representava ameaça.
Por fim, a repressão da Inquisição contra bruxaria, plantas medicinais ou mesmo astrologia fazia parte de uma colonização que procurava eliminar as práticas espirituais indígenas e africanas da sociedade colonial.
Graças a pesquisadores e a mulheres que continuam transmitindo a medicina tradicional até hoje, a história de Melchora de los Reyes continuará. Os espanhóis podem ter colonizado um hemisfério inteiro, mas nunca derrotaram a magia e o conhecimento antigo das mulheres.
A ciência do chocolate
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Original Author: Carolina Lomas Original Author URL: https://www.vix.com/es/users/carolina-lomas
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