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Como as mães que deram à luz bebês com microcefalia estão sendo amparadas?

Publicado 1 Mar 2017 – 07:00 AM EST | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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A chegada de um filho sempre gera mudanças na estrutura familiar e, no caso de bebês que nasceram com microcefalia, essas transformações podem ser ainda mais intensas. Essa má formação faz com que a criança tenha um perímetro encefálico (da cabeça) menor do que o normal, além de outros sintomas como alterações neurológicas, oftalmológicas e muscoluesqueléticas. Assim, é preciso que os cuidadores passem a ficar disponíveis em tempo integral para cuidar e acompanhar o desenvolvimento do bebê, não apenas nos primeiros meses, mas por toda a vida.

Quase sempre esta tarefa cabe à mãe que, não raro, abre mão da profissão para se dedicar ao filho. Com isso, muitas perdem a única renda que sustentava a família e as dificuldades, que já aumentariam com a chegada do bebê, ficam ainda maiores. Como essas mães estão sendo amparadas? Os benefícios disponibilizados pelo governo nem sempre são suficientes e, embora a saúde pública venha se esforçando para atender a todas as demandas, ainda está longe do cenário ideal.

Casos de microcefalia no Brasil

Desde meados de 2015, a transmissão de algumas doenças pelo mosquito Aedes Aegypti, como dengue, chikungunya e o Zika vírus, se tornou uma emergência para a saúde pública brasileira, principalmente em função das consequências que poderiam gerar às pessoas contaminadas. Entre os casos mais alarmantes estavam os causados pela  contaminação por Zika vírus durante a gestação, especialmente no primeiro trimestre, o que aumentou os números de bebês com microcefalia. 

Os Estados onde ocorreram a maioria dos casos foram Pernambuco e Bahia, ambos na região Nordeste do país. A relação entre o Zika vírus e a microcefalia foi descoberta depois que hospitais desses Estados notaram um aumento grande e repentino no atendimento de bebês nascidos com o problema. Especialistas rapidamente começaram a investigar e chegaram à conclusão de que o surto de Zika vírus realmente estava ligado à má formação dos bebês. 

Como a doença não apresenta sintomas e a notificação pelos serviços de saúde não é obrigatória, não é possível afirmar o número de pessoas infectadas pelo Zika vírus. O que se sabe é que a maioria dos casos atingiu a população de baixa condição socioeconômica, grupos que se expõem a riscos, como falta de infraestrutura de saneamento básico e acesso restrito à saúde preventiva.

A baixa renda das vítimas é um fator agravante, já que, além da questão psicológica de lidar com a doença, um bebê com microcefalia demanda cuidados que têm um alto custo, como médicos, fisioterapeutas, medicamentos e outros tipos de tratamento para estímulo do desenvolvimento da criança. 

"Além da frequência no pediatra, tem outros médicos, e sempre é preciso voltar. Também tem que fazer fisioterapia mais de uma vez na semana, fonoaudiologia, terapia ocupacional. O ganho que essas crianças têm no desenvolvimento que vão conseguindo ao longo da vida é através de toda essa estimulação. Então realmente é uma jornada que a mãe tem, uma dedicação quase exclusiva. Muitas mães deixaram de trabalhar. E precisam arcar com um custo grande", explica a médica Maria Ângela Rocha, chefe do Setor de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (Huoc/UPE).

Ela diz ainda que o tratamento da microcefalia é longo, pois à medida que as crianças vão crescendo, novas necessidades vão surgindo. "A saúde pública está oferecendo esses serviços. Ainda não é o ideal, a gente sabe como é o serviço público, mas cada Estado e alguns municípios, dependendo da quantidade de pacientes, se organizaram. No interior, estão criando estrutura para que quem mora distante não precise ficar indo às capitais. Mas ainda há limitações", afirma.

Por isso, o trabalho de ONGs e os benefícios oferecidos pelo governo fazem muita diferença para muitas famílias.

Apoio a mães de bebês com microcefalia

Joana Passos tem uma filha com microcefalia. Ela descobriu na segunda ultrassonografia morfológica, quando o médico detectou calcificações no cérebro do bebê. "Lidar com essa notícia foi muito difícil porque nunca achei que esse tipo de problema pudesse estar acontecendo comigo. Foi muito difícil aceitar até entender", diz. Depois do nascimento de Gabriela, em dezembro, de 2015, ela passou a ter contato com outras mães na mesma situação para que pudessem dividir experiências. "Sentia necessidade de me fortalecer e positivar este momento junto com outras pessoas, aprendendo sobre um mundo que se apresentava com mais perguntas do que respostas", explica.

Através de conversas com profissionais, surgiu a ideia de que as mães se reunissem para trocarem informações e conviverem. Foi assim que, em abril de 2016, nasceu o projeto "Abraço a Microcefalia", em Salvador (Bahia), que tem como objetivo fortalecer a rede de mães e ampliar o cuidado com as crianças com microcefalia e suas famílias. "É muito importante a troca de experiências, sobretudo em uma situação nova em que até os profissionais não sabem direito como será o futuro dessas crianças. A troca de ideias de profissionais, exercícios, alimentação, é sempre muito benéfica, enriquece e fortalece as famílias. E o nome 'Abraço' surgiu da necessidade de troca de carinho e afeto. O ato de abraçar é bom para quem dá e quem recebe e libera ocitocina, que é o hormônio do amor e da felicidade", conta.

Prestes a completar um ano, o projeto cresceu muito e, hoje, tem uma abrangência maior, mas não recebe nenhuma ajuda do governo ou de empresas, apenas de pessoas físicas. "Fizemos cartazes e divulgação nos atendimentos especializados. As redes sociais ajudam muito também. E muitas mães convidam outras a participarem", explica. Assim, o número de famílias atendidas passou de 10 para 130. E o projeto, que funciona na Associação Senhoras da Caridade/Casa da Providência, pretende em até cinco anos construir um Centro Especializado de Reabilitação, que ofereça atendimento multidisciplinar a crianças com malformação no Sistema Nervoso Central.

Lá, assim como em outras ONGs e hospitais, as mães que necessitam são orientadas a buscarem o benefício oferecido pelo governo a quem tem filhos com microcefalia. Joana explica que é preciso acessar o site do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para ver todas as regras e então solicitar o BPC. "Eu sempre trabalhei e, mesmo precisando me ausentar do trabalho por conta da rotina com minha filha, tinha uma condição estável. Mas a maioria das que estão no projeto não tem sequer uma renda mensal fixa, o que torna muito mais difícil cuidar dessas crianças com necessidades especiais", explica.

Benefício do INSS para bebês com microcefalia

De acordo com informações da assessoria de imprensa do INSS, a criança que nasce com microcefalia tem direito a um amparo social chamado Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social - BPC, instituído pela Constituição Federal de 1988, que garante a transferência de 1 salário mínimo à pessoa com deficiência física, mental, intelectual ou sensorial, impossibilitada de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas que não possuam tal impedimento e que comprovem não possuir meios de se sustentar ou de ser sustentado pela família.

Como obter o BPC

Para ter direito ao benefício, o responsável legal precisa comprovar que a renda mensal familiar per capita é inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo e passar por avaliação médica e social, realizadas por profissionais do INSS. E não é necessário ter contribuído com a Previdência Social. Ou seja: um pai que ganha um salário mínimo para sustentar uma família de três pessoas (pai, mãe e filha), não teria esse direito, já que a renda seria de 1/3 de salário per capita.

É importante esclarecer que o benefício não pode ser concedido ao cidadão que já recebe qualquer benefício previdenciário público ou privado. Além disso, a lei estabelece que o benefício deve passar por uma revisão a cada dois anos. 

A médica do Huoc/UPE diz que o hospital ajuda, dentro do possível, com o encaminhamento para que as famílias tenham direito de receber o benefício. Mas diz que muitas ainda não conseguiram, porque a burocracia que existe é grande. E afirma que um salário mínimo é pouco. "Elas demoram a receber. E o que recebem é pequeno para a gravidade desses casos. Há muitas coisas que são de direito - consultas, passe livre para transporte público que alguns Estados dão, ONGs que ajudam... Mas, mesmo assim, o gasto é grande. Leites específicos são mais caros, por exemplo. E são mães que pararam suas atividades profissionais. Então, fora o que a criança precisa, ainda tem a despesa que ela já tinha, o que as outras pessoas da casa tinham. Esse valor para cobrir tudo é complicado", afirma.

Depoimento de mãe

Mãe da pequena Ayla, que recentemente completou um ano, Judaiane Freitas é uma das beneficiárias do BPC, além de ter sido acolhida pelo projeto "Abraço". "Meu marido trabalha como barbeiro. Eu trabalhava como recepcionista e como recreadora de crianças em uma churrascaria, mas agora meu trabalho é cuidar da minha filha 100% do tempo. O trabalho do meu marido não dá tanto dinheiro assim. Então o BPC é um benefício que nos ajuda muito. E, no 'Abraço', a gente também recebe doações de fraldas, leite, produtos de higiene, roupas e sapatos. É um acolhimento muito grande", conta.

Ela lembra ainda como foi receber a notícia de que a filha tinha microcefalia, o que só foi descoberto no momento do nascimento. "No começo tive muito medo, precisei de psicólogo, os médicos conversaram comigo… Fiquei com medo por ser tudo muito novo, sem saber como seria o futuro dela, se ela iria andar ou falar. Até então não tinha visto minha filha. Mas, quando vi, quando fui dar de mamar, descobri que não era como o pessoal dizia. Tudo bem que tem casos mais graves, mais elevados. Mas não foi um baque tão forte para mim", diz.

Judaiane conta orgulhosa que Ayla já fala "mãe" quando quer colo, consegue pegar as coisas, a audição está perfeita e, na visão, tem estrabismo, mas está usando tampão para melhorar. Além disso, já se senta um pouco, apesar de não sustentar o pescoço. "Faço tudo para ver ela crescer e se desenvolver bem e vejo que ela tem melhorado muito desde que nasceu. Quando ando com ela na rua, nem todo mundo pergunta se ela tem microcefalia, porque nem todo mundo percebe que ela tem. Creio que ela ainda vai dar um belo testemunho. Hoje já dou esse testemunho, todo mundo viu meu sufoco quando ela nasceu, mas agora estou bem melhor, estou de pé. E é um amor muito grande que a gente sente por ela. Tudo se resume a amor. A gente cansa de ouvir algumas coisas que deixam a gente para baixo, mas aprendi a lidar. Para os outros é mais difícil entender... e tudo bem. Mas para mim não tem problema. Me sinto agradecida", finaliza.

Prevenção e cuidados contra o Zika vírus

De acordo com a médica, não é possível dizer como uma criança com microcefalia irá se desenvolver ou quantos anos irá viver. "Isso depende de cada caso, depende do grau da microcefalia. Tem as leves, as moderadas e as severas. As severas têm muitas limitações: lesões cerebral, problemas de entendimento, falar, andar… Mas, mesmo as graves, com as estimulações que fazemos conseguimos dar uma qualidade melhor de vida. Não normal, claro. Mas melhor. E quanto mais ajuda e mais apoio, mais sobrevida com qualidade essas crianças podem ter. O importante é que temos que dar assistência. É para o resto da vida", diz.

Ela afirma ainda que o número de casos de microcefalia vem reduzindo. "Houve uma redução significativa. A gente tinha um número semanal grande de casos, todo dia casos novos. Ainda acontecem alguns casos porque há uma dificuldade de combater o vetor. Mas também vemos que boa parte da população já teve contato e adquire imunidade. A gente não sabe quantos anos essa imunidade dura, mas pelo menos por hora isso persiste. E já que não tem vacina, a imunidade é importante. Acho que isso é uma das coisas que influencia. E as pessoas estão mais alertas também", explica.

No entanto, não é possível afirmar que o Zika vírus vai acabar. Segundo um estudo publicado por pesquisadores da Medical Research Council, do Reino Unido, em aproximadamente três anos pode haver uma diminuição no número de casos. Mas ainda é preciso novas investigações, além de aguardar um período maior, a longo prazo, para que isso seja realmente confirmado. 

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