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3 mulheres mostram como o lúpus mudou suas vidas e corpos: relatos de pura força

Publicado 18 Set 2018 – 03:40 PM EDT | Atualizado 18 Set 2018 – 03:45 PM EDT
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O lúpus é uma doença que inverte tudo que sabemos sobre as defesas do corpo: ao desequilibrar o sistema imunológico, que tem o papel de nos defender de agressões externas, ele ataca o próprio organismo e causa inflamações, dores e disfunções nos órgãos.

As mulheres são muito mais afetadas que os homens: a literatura científica aponta que a cada 10 casos, 9 acontecem em mulheres. A Sociedade Brasileira de Reumatologia calcula que 1 em cada 1.700 brasileiras tenha a doença.

A culpa, como conta o reumatologista Mauro Vaisberg, do Hospital Samaritano de São Paulo, está relacionada ao hormônio estrogênio. "Sabemos que o sistema imunológico trabalha de uma maneira muito próxima com o sistema endócrino", explica. "E por algum motivo que ainda não se sabe, as mulheres têm resposta autoimune mais exacerbada do que os homens".

Em entrevista ao VIX, três mulheres contam como o lúpus transformou suas vidas e como uma experiência que trouxe medo e preocupação inicialmente se transformou em uma oportunidade para se cuidarem e compreenderem mais.

Viver com lúpus: desafios e novas vidas

As manifestações dos sintomas do lúpus, entre eles, febre, dor nas articulações, fadiga, perda de peso, ansiedade, queda de cabelo e lesões na pele, não seguem um padrão, podendo ser mais leves ou graves, frequentes ou raras, repentinas ou de desenvolvimento lento.

Aliás, é por essa razão que muitas pessoas demoram para saber que têm lúpus, o que pode aumentar o sofrimento e as complicações de saúde.

"O lúpus pode atingir vários órgãos e a forma de se apresentar pode variar. Mas, se a pessoa está com dor nas articulações, cansaço inexplicável, anemia, febre não esclarecida, é interessante consultar um reumatologista para afastar as possibilidades", explica o médico.

Paula Juliana Batista

“Eu descobri que era lúpus um ano e meio depois dos primeiros sintomas”, revela a dona de casa Paula Juliana Batista da Silva, 28 anos, de Jaguaquara, Bahia, em entrevista ao VIX.

Ela participa de um grupo de apoio no Facebook chamado “Lúpus e Eu” e criou a página Diário de uma LES para falar sobre a rotina de superação da doença, com que convive desde 2014, quando ficou viúva.

“Meu marido morreu em um acidente e eu tinha uma filhinha de 2 anos para cuidar sozinha. Eu dependia dele para tudo e, de repente, fiquei sem nada. A primeira coisa foi o cabelo cair. Fui a um psicólogo e ele disse que era emocional".

A queda de cabelo por conta do lúpus pode acontecer tanto pelo medicamento quanto pela doença em si, nos dois tipos existentes de lúpus, o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e o Lúpus Eritematoso Cutâneo (ou discóide).

"No discóide, a queda dos fios é localizada, no sistêmico, difusa", destaca o especialista. No tipo cutâneo, que provoca lesões mais visíveis na pele, a queda de cabelo também pode estar relacionada a alterações no funcionamento dos folículos capilares.

Além dos cabelos caindo, Paula passou por mais alguns períodos difíceis da doença, que a levaram ao pronto-socorro com frequência: ela sentia dores nas articulações, fadiga constante e passou a ficar com a garganta inflamada frequentemente.

“Parecia uma íngua, mas não tinha diagnóstico nenhum. Até que apareceram vários calombos na pele, como se fossem mordidas de mosquito", destaca.

"Doía muito, eu acordava de madrugada para colocar o pé dentro da água com aveia para acalmar a pele. Só quando fui a um dermatologista, ele sugeriu que eu procurasse um reumatologista”.

O especialista identificou na hora. Paula tinha o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), que ataca vários órgãos internos, sendo o rim o mais suscetível, além do sistema nervoso central, pele, articulações.

"Quando descobri, fiquei muito assustada, pensei ‘minha filha já não tem pai, agora vai ficar sem mãe’”, relata. Apesar disso, o lúpus não atingiu os órgãos de Paula.

O tratamento foi feito com corticoide, indicado a pessoas com lúpus, e, no primeiro mês, ela chegou a engordar 12 kg devido à alta dosagem do remédio.

Gravidez com lúpus

As dificuldades durante o processo de enfrentamento da doença de Paula se transformam em publicações em sua página no Facebook. Tanta luta tem agora dois novos capítulos muito felizes: ela casou novamente e está grávida de quatro meses.

Segundo os médicos, a mulher com lúpus pode engravidar, desde que a gestação, que é de alto risco, seja acompanhada com exames frequentes e avaliada a necessidade de medicamentos.

“O médico diz que o lúpus está ativo e que, por isso, minha gestação é de alto risco. Mas, estou me sentindo ótima, não sinto dores, nem cólicas. Desde que fiquei grávida, estou muito melhor”.

Em relação à fertilidade de quem tem lúpus, há estudos, como o publicado na Revista Fapesp, que associam tanto medicamentos usados para tratamento de lúpus quanto à ação da doença com a diminuição dos níveis dos hormônios sexuais.

Maiara Amaral Dornelles

A experiência da jornalista Maiara Amaral Dornelles, de 29 anos, de São Paulo, com o lúpus começou cedo: ela descobriu a doença aos 15 anos, depois de dois meses tentando encontrar o diagnóstico.

Tudo teve início com artrite nas mãos e infecções urinárias constantes. As complicações passaram a se agravar com febres diárias, dedos inchados nas mãos e dificuldade de respirar, decorrência do acúmulo de líquido entre as pleuras, camadas que revestem os pulmões.

“Na época, eu sentia falta de ar nas aulas de balé. Na apresentação de fim de ano, eu cheguei ao camarim e comecei a tremer no chão, convulsionando. Ao ser levada ao hospital, entretanto, foi diagnosticado que eu tinha uma anemia forte e infecção urinária. Fui para casa”, conta.

Busca por um diagnóstico

Maiara demorou dois meses para ouvir de um médico que ela tinha lúpus. “Eu estava em um estado de definhamento em vários aspectos; não tinha forças no corpo e me sentia angustiada com medo de perder meu namorado da época”, revela.

“Também sofri um derrame no olho, que ficou vermelho, e meu cabelo estava caindo por causa da anemia. Além disso, apareceu uma mancha no meu rosto com o formato da asa de borboleta, bem levinha e que sumiu em pouco tempo. Eu entendi que era Deus querendo avisar que era, realmente, o lúpus”.

A mancha vermelha que Maiara conta é conhecida popularmente como "asa de borboleta" e se forma nas laterais do nariz e que forma uma lesão avermelhada na pele de quem tem lúpus, como mostra a ilustração abaixo. Por essa razão, inclusive, o símbolo de campanhas sobre a doença é uma borboleta.

Efeitos do tratamento

Depois de diagnosticada, Maiara começou a tomar “uma overdose” de corticoides para tratar as inflamações, que atingiram os rins e o coração.

Ela também passou por um processo de transformação do corpo como efeito colateral do medicamento, o que a levou à depressão e à vontade de largar o tratamento.

“Tive depressão, ansiedade, fadiga crônica, memória fraca. Tudo isso, principalmente a depressão. Quis parar o tratamento algumas vezes, quis morrer, deixar a doença me levar”, relembra.

“Eu sabia que não ia morrer de lúpus, mas um dia olhei pra janela do quarto do hospital e me questionei sobre isso: ‘Será que eu vou morrer?’. Mas, escutei uma voz dizendo ‘Não, você ainda tem muita coisa nesse plano para cumprir’”.

Com o apoio dos pais, irmão e fazendo terapia, Maiara seguiu com o tratamento de pulsoterapia, em que são administradas doses elevadas de medicação em um curto período, as sessões foram feitas durante três anos.

Ela, agora, faz um tratamento chamado “quimioterapia em cápsula”, uma modalidade que vem sendo estudada nos últimos 50 anos e usa imunossupressores indicados para quem fez transplante renal para o tratamento de lúpus.

Após 14 anos com lúpus, vida normal

“Eu estou com a doença controlada, mas uma vez ao ano vou à Brasília para consulta. O que eu descobri com o lúpus é que sou uma garota normal, e aprendi a escutar meu corpo, dormir melhor, me alimentar melhor e reconhecer o que me estressa”.

Há 14 anos convivendo com o lúpus, Maiara se considera curada. Inclusive, fez um intercâmbio de três anos para os Estados Unidos, mantendo a doença controlada, onde se envolveu ainda mais na luta pela informação sobre lúpus.

Já no Brasil, ela segue uma rotina comum, fazendo até aulas de crossfit. “Meu médico diz que sou um case de sucesso. Agora, tenho um sonho de criar um centro de pesquisa e tratamento de doenças autoimunes e fazer campanhas, como acontece nos EUA”.

Camila Patrício

Além das dores físicas, o lúpus também pode fazer com que a pessoa sinta depressão, ansiedade e ataques de pânico, como relatou a cantora Selena Gomez ao anunciar sua pausa na carreira para se cuidar mais por conta do lúpus.

No caso da auxiliar de suprimentos Camila Rodrigues Patricio, de 26 anos, de São Paulo, a depressão é uma grande batalha a superar.

“Atualmente, meu maior obstáculo é a depressão. Eu já tinha fortes tendências, mas durante o tratamento, ela aflorou”, revela a jovem, que descobriu o LES há seis anos e sentiu todos os efeitos do tratamento e da doença muito intensos no início.

“De imediato, precisei tomar uma dose alta de corticoide. Tive estrias estria na barriga e, por dar muita fome, engordei 40 kg de forma muito rápida”, comenta a jovem, que diz que todas essas mudanças nem sempre são acompanhadas e apoiadas por quem está ao seu redor.

“Há pessoas que não te compreendem e sequer entendem sua dor. Tem dias que estou com muitas dores nas juntas e, aí, soma-se tudo. Porque, aparentemente, eu estou sempre bem e quem vê de fora não consegue decifrar [o que sinto]. Internamente, meu sistema está sempre lutando contra meus órgãos. É bem difícil lidar com isso”, desabafa.

Nessas horas, Camila se apoia na mãe e nos amigos que "dão força". "Tem dias que eu não quero sair e eles não insistem”.

“Por isso, as pessoas precisam ter mais paciência e compaixão com as outras; não sabemos o que se passa na vida delas, não sabem como é debaixo da ‘máscara’", relata Camila. "E para quem tem lúpus, sinta-se abraçado e acolhido, porque eu sei que às vezes é o que mais precisamos”.

Lidar com lúpus: por que é tão desafiador?

O tratamento do lúpus tem o objetivo de reequilibrar o sistema imunológico, diminuir as inflamações e garantir uma vida normal à quem enfrenta a doença.

“O tratamento é para deixar a pessoa o mais próxima possível da vida normal dela. Há 20 anos, quem tinha lúpus via uma sobrevida curta. Hoje, a doença virou crônica e grande número de casos de lúpus são casos poucos agressivos”.

Acontece que, como muitos pacientes com lúpus, as três jovens precisaram tomar corticoide, um medicamento imunossupressor - ou seja, inibidor do sistema imunológico do paciente - em alguma fase da doença ou continuamente.

Um dos efeitos colaterais deste remédio diz respeito exatamente às mudanças no corpo: além do ganho de peso, surgimento de estrias pelo corpo e outros fatores, o corticoide deixa o rosto mais inchado, com as bochechas salientes, e em formato redondo.

Outra preocupação de quem tem lúpus é quando a doença atinge os rins, como aconteceu com Selena Gomez, que fez um transplante do órgão recentemente.

Ele é o órgão mais vulnerável de todo o corpo, por isso, os pacientes podem apresentar desde alterações urinárias até insuficiência renal.

O fato de a doença ser incurável e entrar em atividade em situações imprevisíveis também pode gerar estresse e transtornos como a depressão. Contar com uma rede de apoio e profissionais atentos às mudanças emocionais que acontecem nessa fase é fundamental.

Por fim, quem tem lúpus precisa seguir uma cartilha de cuidados com o corpo, mantendo uma alimentação balanceada e fazendo atividades físicas. É preciso, ainda, evitar atividades que gerem estresse e se expor ao sol sem proteção.

Lúpus e a batalha de quem tem a doença

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