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Pela primeira vez, uma pessoa com surdez apresentou tese e se tornou mestre na USP

Publicado 18 Dez 2017 – 04:00 AM EST | Atualizado 15 Mar 2018 – 02:21 PM EDT
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Pela primeira vez na história da USP, no campus de Ribeirão Preto, uma aluna surda apresentou sua banca de defesa de tese para o curso de mestrado. Natália Francisca Frazão defendeu seu trabalho exclusivamente usando linguagem de libras, traduzidas para o português por duas intérpretes - que traduziam os comentários dos avaliadores de volta para libras.

Como Natália chegou ao mestrado

A atual mestre se graduou em administração de empresas, mas decidiu seguir caminho diferente em sua pesquisa acadêmica. Migrou para educação para ser orientada pela professora Ana Claudia Lodi, especialista em linguística e libras, e para estudar a história da Associação de Surdos de São Paulo, fundada por surdos, entre os anos de 1954 e 2011.

“O projeto tinha outro tema, mas como já trabalhava como instrutora bilíngue (libras e português), notei que os alunos não tinha conhecimento sobre a história e a luta dos surdos. A pesquisa é importante para mostrar isso”, explicou Natália em entrevista ao VIX.

Dificuldades

Ela relata que enfrentou dificuldades de acessibilidade desde o ingresso no curso. Durante o processo seletivo não havia intérpretes, por exemplo. “Professores viam a dificuldade em algumas formas de se expressar, e como não sabem como agir com os surdos, foi difícil no começo”, explica. “Mas os coordenadores do programa e minha orientadora apoiaram bastante”.

Na USP Ribeirão Preto, assim como a grande maioria das universidades brasileiras, não há profissionais fixos dedicados para a função de intérprete de libras.

Com dificuldades para acompanhar as aulas, Natália conversou com a instituição para pedir o acompanhamento de intérpretes. Não teve uma resposta positiva e teve que acionar o Ministério Público.

“É questão de acessibilidade, eu preciso de intérprete porque eu falo outra língua. O aluno surdo não pode ter seus direitos negados em sala de aula, é lei”, relata. O Ministério Público exigiu uma resolução da universidade e foi firmado um convênio temporário com a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), que disponibilizou profissionais para a função.

Produção do trabalho e apresentação

Ao contrário das aulas, na orientação Natália podia se comunicar em libras diretamente. Sua orientadora é fluente na linguagem e foi fundamental no processo todo: desde a localização teórica até a redação da tese final. “A Natália tem como língua principal a libras, português é seu segundo idioma. A autoria do trabalho é completamente dela, mas eu escrevia em papel a partir de sua dissertação em libras”, explica Ana Claudia Lodi. “Fui orientadora e tradutora do trabalho”, resume.

Durante a banca, Natália contou com a tradução de duas intérpretes de libras. Ela apresentou seu trabalho na linguagem de sinais e ocorria a tradução simultânea para o português. Quando os orientadores perguntavam e davam pareceres, foi feito o caminho oposto: do português para as libras.

Outros feitos e desafios de alunos com surdez

Esta não é a primeira vez que um aluno surdo se gradua mestre no Brasil - embora seja uma conquista não tão comum para esta parcela da população.

O primeiro título de mestre a um pesquisador surdo foi concedido em 1998, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na Universidade Federal de São Carlos, um estudante com surdez obteve o título de doutor.

Contudo, quase 20 anos depois, foi a primeira vez que isso foi possível na Universidade de São Paulo. E a dificuldade parece mantida: depois da defesa da tese de Natália, o convênio da instituição com o Feneis foi encerrado. “Agora estamos sem intérpretes e só poderá ser mantido o convênio se ingressarem novos alunos. De todo modo, seria importante a contratação de tradutores fixos para atividades gerais”, afirma Ana Claudia Lodi.

Questões de educação

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