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Simples bonequinha de tecido não é "só" isso: significado que ela carrega é inspirador 

Publicado 4 Ago 2017 – 03:26 PM EDT | Atualizado 15 Mar 2018 – 03:12 PM EDT
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A história das bonequinhas Abayomi tem um significado poderoso na construção da identidade afro-brasileira – mas se tornou também um símbolo de amor e pode nos ensinar muito sobre formas de compartilhar esse sentimento com alguém.

Duas versões são contadas sobre a criação destas bonecas de tecido preto e sem costura. Em ambas, o afeto se torna um sinal de resistência. 

Fato é que a bonequinha Abayomi só é entregue a quem se gosta muito, por conseguir traduzir o carinho e a dedicação de quem a costurou. 

História das bonecas Abayomi no Brasil

As bonecas Abayomi, que, na língua iorubá significa "encontro precioso" ou "meu presente", se tornaram objetos de oficina de artesanato em vários lugares do país.

O que a tornou tão abrangente, no entanto, não é específico nem oficial. A história desse singelo amuleto faz parte da trajetória, aqui no nosso país, do povo africano escravizado.

Por serem cativos, o ponto de vista dessas pessoas poucas vezes foi tido como oficial e sua história, hoje, pode acabar ganhando ares de lenda. Por isso, existem várias explicações para o nascimento dessas "meninas". Não se sabe exatamente qual é a correta, aliás, não existe uma correta, existem diversas falas - e todas elas são inspiradoras. 

Amor de mãe e filho

Ao chegar ao Brasil, as famílias e os grupos étnicos eram separados, a fim de desfazer os laços do povo africano com suas origens.

As Abayomis seriam, então, um presente simples feito pelas mães escravizadas com pedaços de suas roupas para que os filhos não se sentissem abandonados.

 “As bonequinhas serviam como símbolo de acalento e cuidado naquele momento desumano”, explica a educadora do Museu Afro Brasil, de São Paulo, Mirella Santos Maria.

“Homens e mulheres rasgavam retalhos de suas roupas para fazer as bonecas, mas se dá uma ênfase maior às mulheres, que presenteavam os filhos com esse símbolo. Ele servia como um amuleto”.

Até hoje, as bonecas são feitas de maneira simples, em oficinas de artesanato para adultos e crianças, inclusive no Museu Afro Brasil.

“Explicamos para as crianças que a memória da confecção de bonecas valoriza nossos ancestrais”, comenta Mirella.

Oficinas difundem a história e os laços

Foi em uma feira cultural na escola, em São Paulo, por exemplo, que a pequena Mariana Lechugo Nogueira, 11 anos, confeccionou um modelo para a avó, a aposentada Rina Lechugo. 

A Abayomi e o recadinho da neta foram parar no Facebook:

"Vó, essa bonequinha quando alguém dá para outra pessoa quer dizer que você está dando tudo de melhor que pode ter. Beijos, Mariana". 

“Foi a melhor declaração de amor que eu podia receber, porque ela disse que tinha pensado em mim na hora de fazer. Temos uma ligação muito forte e até hoje guardo com carinho”, contou Rina em entrevista ao VIX.

Versão da representatividade

Quando se fala da Abayomi, uma das referências é a artesã Lena Martins, de São Luís, no Maranhão. Ela é protagonista da segunda versão sobre a confecção das bonecas pretas sem costura. 

Foi no final dos anos 80 que Lena sentiu a necessidade de criar bonecas negras, “em busca de sua própria identidade”. 

“Eu fazia bonecas de palha, de milho, bordadas. Nos anos 80, estava participando do movimento negro de mulheres e senti necessidade de fazer as bonecas pretas”, contou, em entrevista ao VIX

Na versão de Lena, a história dos navios negreiros não existe. “Essa história da confecção nos navios negreiros ganhou o Brasil, mas eu nunca tive essa referência histórica”.

“Dei essa nome à bonequinha pois uma amiga estava grávida e, se fosse menina, seria Abayomi”. As primeiras amarrações foram em um pano azul. "Mas, depois, passei a fazer em tecido preto, para simbolizar a resistência negra, e com roupas diferentes, como de astronauta, palhaços, santos, orixás.Também faço em tamanho real”, conta Lena.

“A ideia é que com uma boneca negra seria possível ocupar os espaços de pertencimento que na vida real os negros não ocupam”, diz. 

História negra é mesmo plural

As diferentes histórias contadas para a Abayomi são mais do que uma confusão de datas ou de perspectivas. Acontece que, massivamente, a história dos negros não está nos livros e, por anos, se deu pouco espaço aos símbolos culturais negros – que se mantêm de geração em geração por meio da tradição oral. 

“É pouco provável encontrarmos uma fonte escrita ou algum outro registro objetivo dessa prática”, analisa a historiadora e professora do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), membro do Núcleo de estudos afrobrasileiros e indígenas (NEABI), Juliana Serzedello Crespim Lopes. 

“Além da tradição oral, na qual diferentes versões se apresentam para uma mesma história, a diversidade étnica e cultural da população escravizada faz com que as tradições afro-brasileiras tenham diferentes origens e perspectivas”.

Para a historiadora, todas as versões para o surgimento da Abayomi são válidas, por traduzirem a pluralidade e a riqueza da cultura do negro no Brasil.

“Procurar uma origem única, ou uma ‘história única’ como se referiu a escritora nigeriana Chimamanda Adichie, é uma tarefa muito difícil de realizar”, finaliza a professora. 

Bonecas negras: representatividade

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