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Jeito de assistir novela mudou nos últimos anos, mas ainda existem temas "proibidos"

Publicado 22 Set 2017 – 11:07 AM EDT | Atualizado 15 Mar 2018 – 02:14 PM EDT
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Você consegue imaginar uma novela atual cuja vinheta de abertura fosse uma mulher completamente nua na tela? Bem, até o finalzinho da década de 1980, ninguém se incomodou muito com as imagens explícitas da modelo Isadora Ribeiro na abertura de “Tieta”. Mas hoje, a situação seria bem diferente.

Isso porque não só a dramaturgia mudou ao longo das últimas décadas, mas o jeito como o público assiste, o que espera e, principalmente, o que exige, faz com que autores precisem ter muito mais jogo de cintura ao lidar com a opinião pública. E sim, ainda existem assuntos que parecem “proibidos”.

Originalidade e vida real nas novelas

Ao mesmo tempo em que a trama precisa ser original, se aproximar da realidade do telespectador parece ser um ponto-chave para fisgá-lo. “Antes, era comum que novelas tivessem sempre a mesma história. Se olharmos para épocas como a de Janete Clair, que precisava escrever uma atrás da outra, encontraremos fórmulas repetidas até ninguém aguentar mais”, explica o pesquisador especialista em teledramaturgia Claudino Mayer, em entrevista ao VIX.

Saturado dos mesmos tipos de vilões, mocinhos, obstáculos amorosos e ‘felizes para sempre’, o público começa a mudar a forma de consumir o entretenimento e a interferir cada vez mais, não na trama propriamente dita, mas na forma como assuntos serão abordados. “Com um público mais exigente, a novela acaba assumindo um compromisso de oferecer uma experiência que vai além do entretenimento”, diz o especialista.

Criar histórias que se conectem com a vida real de quem está assistindo é importante para que uma trama tenha sucesso nas telas. O que é um desafio. “Os autores têm esse desafio cada vez maior de usar sua liberdade criativa para criar dramas que convençam e emplaquem, mas sem deixar cair o padrão de novela brasileira, que é diferente das novelas mexicanas, por exemplo, e que já está estabelecido”, afirma Claudino.

Ritmo é tudo

Entre todas as mudanças na forma de se fazer e contar histórias, o ritmo é, sem dúvidas, uma das mais importantes. “O que antes uma autora como Glória Perez demoraria dois meses para contar, hoje precisa acontecer rápido. As histórias precisam se movimentar, ter começo e fim”, explica Claudino.

Assim, “A Força do Querer” é um bom exemplo sobre com o ritmo dita a aceitação da novela pelo público. “Dessa vez, a autora mudou a dinâmica de contar histórias e deu certo. Inserir tramas que avançam sempre, que têm início e final – e que não deixam mais tudo para ser resolvido só no último capítulo é importante para manter o telespectador interessado”, diz.

Temas “proibidos”?

No entanto, mesmo com toda a mudança e evolução ao longo das últimas décadas, alguns temas ainda são especialmente delicados de serem tratados na teledramaturgia. Em “Tieta”, a protagonista interpretada por Betty Faria tinha um relacionamento romântico com seu sobrinho, Ricardo (Cássio Gabus Mendes). Hoje, este é um contexto que dificilmente seria utilizado.

Incesto

Uma ou outra trama nos últimos tempos até tentou flertar com o tema. “Em 2013, Walcyr Carrasco deu início a uma história de incesto em 'Amor à Vida' e acabou mudando porque, de fato, é um tema que o público não costuma aceitar. E é um risco grande abordá-lo em horário nobre”, relembra Claudino.

Até mesmo “Velho Chico” (2016) parece ter esbarrado, mesmo sem querer, nessa delicada questão. Chamou atenção dos espectadores o contato físico muito caloroso entre Tereza (Camila Pitanga) e seu filho Miguel (Gabriel Leone). À medida em que o público começou a se mostrar desconfortável com isso, a dinâmica entre os dois personagens mudou e ficou mais “distante”.

Mesmo entre produções menores, como em novelas das onze, que costumam ousar muito mais, o tema não vai muito para frente – basta relembrar as polêmicas de “Nada Será Como Antes”, com o trio formado por Beatriz (Bruna Marquezine) e os irmãos Julia (Letícia Colin) e Otaviano (Daniel de Oliveira).

Violência

Com um público cada vez mais exigente, o uso de violência para chocar ou impactar também exige mais cuidado do roteiro. O exagero tende a causar repulsa e não interesse. Na novela “Poder Paralelo”, exibida pela Record entre 2009 e 2010, por exemplo, há uma cena extremamente violenta que, para Claudino, não se repetiria atualmente, ao menos não em outra grande emissora.

Na cena, o personagem Tony (Gabriela Braga Nunes) dá uma surra violenta no irmão Rudi (Petrônio Gontijo), a ponto de deixá-lo em uma cadeira de rodas depois. “Seria muito, mas muito difícil uma cena assim em uma novela das nove, por exemplo. Além da violência exagerada, trava-se de uma cena que envolvia família, o que tornaria o contexto ainda mais rejeitado”, explica.

Mesmo quando o personagem é controverso, como Rubinho (Emílio Dantas), em “A Força do Querer”, a violência é usada com moderação. “Quando ele é punido, o que já aconteceu algumas vezes ao longo da novela, a violência também não é para chocar. Esse é um recurso que não entra em um roteiro de uma novela assim, que tem cuidado redobrado com a produção”, conta Claudino.

Família

Para o especialista, essas duas abordagens – o incesto e a violência extrema – sofrem rejeição principalmente porque esbarram na questão familiar. Tanto as relações incestuosas quanto a agressão muito forte entre membros da mesma família, como no caso de “Poder Paralelo”, parecem distanciar a trama da realidade.

“É difícil as pessoas criarem algum tipo de identificação ou a mínima simpatia com esse tipo de história. Na época de 'Tieta', as novelas passavam por um período de experimentação, em que ainda não se olhava tanto para o impacto dessas questões. E já naquela época era difícil as pessoas aceitarem hoje, então, mais ainda”, afirma Claudino.

Final de novela

E se contar uma boa história já é difícil, mais ainda é dar um fim a ela – e o público também é exigente em relação ao desfecho, especialmente para os vilões. Final feliz para personagens maus? É bem difícil que o público aceite.

“Tudo bem que, na vida real, pessoas fazem coisas ruins e conseguem escapar ou se dar bem, mas na telenovela é difícil surpreender positivamente com um desfecho assim. Apesar de toda a mudança, ainda esperamos que ações tenham consequências”, afirma Claudino.

Não é uma regra, claro, alguns vilões que tiveram “finais felizes” contaram com contextos tão bem construídos que, no fundo, se tornaram o tipo de personagem que amamos odiar, como Bia Falcão (Fernanda Montenegro em “Belíssima”, de 2005) ou Jezebel (Elizabeth Savalla em “Chocolate com Pimenta”, de 2003)

Nem 8, nem 80

Mas o mais curioso é que, ao mesmo tempo em que o público não quer ver um vilão se safando, o exagero também pode frustrar – e muito. Assim, matar um personagem mau deixou de ser um recurso tão amplamente utilizado como antigamente.

“A morte não é mais uma boa saída para punir todos os vilões. Até porque, às vezes, acaba sendo uma redenção ou salvação. É mais comum agora que os autores escolham outras formas, como a prisão, para que o público sinta que houve a punição”, conclui Claudino.

É a criatividade do autor que vai fazer com o que público esteja receptivo e aberto a discutir sobre praticamente qualquer tema. E é daí que surge uma das funções mais importantes da teledramaturgia, que vai muito além do lazer.

Papel social da telenovela

“Já faz tempo que a novela não é mais só um entretenimento, mas também uma ferramenta para esclarecer as pessoas sobre algo”, comenta o especialista. E faz sentido: a dramaturgia tem recursos poderosos para sensibilizar e informar sobre muitas questões que ainda são tabu na sociedade.

Claudino cita o exemplo da trama da personagem Ivana em “A Força do Querer” que, ao passar por um processo delicado de transição de gênero, colocou em pauta um assunto ainda pouco discutido pela mídia popular. “Usando uma personagem, contando sua história em vários aspectos da vida, é possível introduzir ao público realidades que ele não conhece e fazer com que ele as compreenda ao menos um pouco melhor e, quem sabe, contribua com mais conhecimento”, conclui.

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