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fãs e ídolos-Zappeando

Organização, perrengues e brigas: o que não falam sobre a fila para show do Justin Bieber

Publicado 30 Mar 2017 – 10:30 AM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:39 AM EDT
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Até onde você iria por um ídolo? Para os fãs do cantor canadense Justin Bieber, não há limites na hora de demonstrar esse amor. Eles montaram um enorme acampamento no Allianz Parque, em São Paulo, e estão lá desde outubro do ano passado, para garantir o melhor lugar nos show dos dias 1 e 2 de abril.

Faça chuva ou faça sol, as barracas ficam montadas na Avenida Francisco Matarazzo, e guardam um forte esquema de organização, revezamento e ajuda entre o grupo. Tudo em prol de uma causa maior: ver Bieber de pertinho.

Às vezes, nem a fila quilométrica de meses é garantia de um lugar no gargalo - como aconteceu com fãs de Bieber no Rio de Janeiro, que assistiram, desesperadas, à mudança da ordem dos portões na última hora, pouco antes do cantor subir ao palco da Praça da Apoteose, no dia 29 de março. Mas nem esses imprevistos são capazes de desanimar as 'sobreviventes' do acampamento.

O Vix foi atrás dos fãs que acamparam na fila em São Paulo e desvendou alguns segredos de sobrevivência nesses dias que antecedem o show. Ficar meses na fila parece um enorme sacrifício, mas eles garantem: fariam tudo novamente se Bieber voltar no futuro.

Fila do Justin Bieber: como funciona?

Para a maioria dos fãs que acamparam, o amor por Justin Bieber não é de hoje. Eles se orgulham em dizer que acompanham o astro desde 2009, quando muitos ainda eram crianças. E há quem já tenha feito essa loucura outras vezes, nas passagens anteriores do cantor pelo Brasil.

A adolescente Julia, de 17 anos, está no acampamento desde outubro, quando chegou para o show da Demi Lovato. “Fiquei outubro, novembro e dezembro pra Demi. Aí já emendei com o acampamento do Justin”, explica. Ela também afirma que cada experiência é diferente, embora os dois tenham sido no mesmo lugar – a cantora foi uma das atrações do Z Festival, que rolou em dezembro de 2016, no Allianz Parque.

Tudo começou na fila para os ingressos, vendidos pela internet e na bilheteria do Citibank Hall, onde se esgotaram no mesmo dia. “Ficamos duas semanas acampando no Citibank e nesse tempo eu perdi duas provas na escola. Quase repeti o ano”, confessa Kethelyn, 17 anos.

No entanto, ao contrário do que muitos pensam, a maioria dos fãs acampados consegue conciliar a fila com outros compromissos, como escola, faculdade e trabalho. Dentro de cada barraca, eles organizam um esquema de revezamento para que possam viver um pouco fora dali também.

Barracas em fila e turnos de presença

No acampamento, as barracas recebem uma numeração, mesmo que sejam de setores diferentes. “Cada uma tem em torno de 30, 40 pessoas. A gente tem revezamento, e cada barraca segue um esquema. Na minha são três turnos: das 10h às 15h, das 15h às 20h e das 20h às 10h”, explica Julia, que cumpre os horários da tarde, de terça e sexta.

Os que chegam ao acampamento podem entrar em alguma barraca que ainda tenha vaga, ainda que passe na frente dos grupos que ficam mais longe; ou montar a própria estrutura e entrar no final da fila.

Stefani, 18 anos, faz faculdade de biomedicina e só conseguiu arrumar tempo para acampar faltando duas semanas para o show. “Vou tentar ver se alguém consegue revezar”, conta. Alguns grupos, principalmente os que estão no começo da fila, chegam a vender lugares na barraca, mesmo que ultrapasse o limite de pessoas, por cerca de R$ 100,00.

Quem não pode ficar no acampamento, seja por ordem da família ou outros compromissos, pode ajudar o grupo de outras formas. É o caso de Paula, 15 anos, que participa do esquema desde o começo de janeiro. “Os que não revezam podem ajudar com dinheiro, comida e outras coisas que o pessoal precise”.

Além disso, a parte financeira de cada barraca é administrada pela líder. “Tem sempre uma pessoa organizando tudo, uma representante. Eles que vieram antes, pegaram contatos de quem queria acampar, e fizeram os grupos”, comenta Dayane, 16 anos. A comunicação é feita por grupos de Whatsapp. “Os líderes ajudam com comida e passagem. Caso alguém não tenha dinheiro para vir pra cá, elas depositam na conta da pessoa. Nisso, pelo menos, o povo se ajuda”.

Dentro de cada barraca, os integrantes também terão que se organizar em uma ordem, que será respeitada no dia do show, quando o acampamento será desfeito. Os líderes escolhem uma forma de ordenar, como pulseiras numeradas ou crachás, e os lugares são definidos por mérito. “A prioridade é para quem ajudou mais, foi mais para o acampamento”, explica Paula.

Itens básicos de sobrevivência

Viver no acampamento não é fácil, mas não é impossível. O Allianz Parque é localizado em Perdizes, bairro nobre de São Paulo, e fica bem perto de alguns estabelecimentos. Assim, os fãs escolhem, geralmente, a rede de fast-food do complexo do estádio ou o shopping Bourbon, que possui uma grande praça de alimentação.

É comum também levar comida para as barracas, industrializadas ou prontas. “Minha avó me ajuda e faz comida para eu trazer para cá”, explica Paula, que também comentou que os acampantes vivem de biscoitos e salgadinhos.

O revezamento facilita idas ao banheiro, que ocorrem na rede de fast food e no shopping. No entanto, os fãs de Bieber já enfrentaram alguns 'percalços'. “Teve uma vez que eles fecharam o banheiro do BK, porque estava indo muita gente e quiseram deixar só para os clientes da loja”, relata Dayane.

Quem fica direto no acampamento e não consegue voltar para casa, precisa se virar na hora do banho.

A jovem Amanda, de 16 anos, conta que já usou a pia do banheiro do shopping, mas que encontraram por lá um banheiro secreto, exclusivo dos funcionários. “Não tenho dinheiro para voltar para casa, então vou ficar até o dia do show”, revela.

Paixão custa caro

A parte financeira é uma preocupação, afinal, viver no acampamento acaba saindo caro. Só os ingressos da pista premium, por exemplo, custaram de R$ 375 a R$ 750. Como a maioria dos fãs são menores de idade, eles contam com a ajuda da família - que mesmo dando dinheiro, nem sempre concordam com a permanência deles nas barracas.

“Nessa brincadeira de acampamento já gastei mais de mil reais, isso porque eu moro perto”, conta Julia. Já Kethelyn é uma das que mora mais longe e enfrenta também os gastos com transporte público. “Eu venho do Portal do Morumbi, pego três conduções para vir para cá, mais almoço. Minha mãe não me ajuda mais em nada, porque a gente já gastou muito dinheiro com isso”.

Outra alternativa para o dinheiro foi a de arrumar um trabalho extra, como fez a jovem Bianca, 18 anos. No acampamento desde o dia 2 de janeiro, ela vende bolos e café na faculdade à noite, e logo em seguida volta para as barracas, onde dorme duas vezes por semana. “A gente gasta por dia uns 50, 100 reais, cada uma. Foram quase 3 mil reais de acampamento”.

Há também pessoas que acampam escondidas dos pais e ficam por lá durante a tarde. Dayane conta que o pai dela nem imagina onde ela está e deu a desculpa de que faria trabalho na casa de uma amiga.

“Eu invento uma desculpa. Eu perguntei pra ele se eu podia comprar o ingresso, porque ele acha que eu sou muito nova para entrar sozinha no estádio. Quando abriram as vendas eu comprei, minha amiga acampou para comprarmos os ingressos, e fiquei de falar para ele no ano passado, mas estava com muito medo. Falei ontem que ia comprar amanhã, e que minha tia iria comigo, mas ela não vai”, confessa.

Segurança nas ruas e exposição

As barracas ficam próximas ao portão do estádio, mas ainda assim, existe uma preocupação com a segurança. Nos primeiros meses, o Allianz Parque colocava grades entre o acampamento e a rua, e só pediam para que eles saíssem na véspera de jogos de futebol.

Constantemente, os carros e pedestres que passam por ali gritam ofensas e xingamentos, e já houve até agressões físicas. “Já passaram de carro tacando pedras. Agora que tiraram as grades acabaram com a gente, porque é muita exposição”, relata Julia, que já foi acordada com chutes na barraca, por pessoas da Mancha Verde, torcida organizada do Palmeiras.

Apesar da retaliação do pessoal de fora, há mais perigo dentro do acampamento. “Tem gente de fora que vem e bagunça, chuta as barracas, joga coisas aqui. Mas a maioria é daqui de dentro mesmo”, conta Grazielle, “Desde roubo de lonas, até furar os colchões infláveis”.

As brigas entre os grupos são intensas. Disputas por lugar na fila, cumprimento dos combinados e conflitos de interesses acabam minando o relacionamento entre os fãs de Bieber. “Tem gente que está perdendo o foco do acampamento, e esquecem que a gente está aqui pelo mesmo objetivo”, relata Amanda.

De acordo com as fãs do cantor canadense, quando as barracas ficam vazias, há o risco de serem tiradas da ordem. Por isso, mesmo que a estrutura não esteja montada, os grupos precisam rondar o estádio diariamente, para garantir que ninguém roubará os lugares deles. “Tinha uma barraca nossa que furaram com cigarro, por raiva, por lugar na fila”, conta Julia, ressaltando que quem mais arruma confusão, é quem passa menos tempo no acampamento.

Dias de chuva e resfriados constantes

Como o acampamento aconteceu durante o verão, as chuvas na região castigaram as barracas e faziam os fãs passar por vários perrengues. “Teve uma noite em que começou a chover do nada, ninguém estava preparado. Eu me lembro que acordei 3 horas da manhã tremendo de febre, porque eu tinha me molhado toda e tive que ir pro hospital. A gente se molha para não molhar a barraca”, explica Julia.

“O pior é que, com o vento, as barracas começam a voar, o acampamento vira um caos”, comenta Bianca. A proteção com lonas nem sempre é suficiente e as barracas inundam, molhando os pertences de quem está ali.

Apesar de tudo, todas as entrevistadas garantem que fariam todo esse sacrifício de novo, caso Justin Bieber retorne ao Brasil. Julia ressalta a importância de conhecer pessoas com gostos parecidos e diz que levará as amizades do acampamento para vida inteira. “Você está no meio de pessoas que gostam da mesma coisa que você, e assim você se sente num lugar, não se sente sozinha. Conheci a maioria das pessoas aqui, e são pessoas que eu realmente vou levar pra vida toda, virou tipo uma família”.

“Quem sabe quando a gente vai poder acampar de novo? A gente espera anos por isso para ficar ali duas horas, e ninguém sabe se ele voltaria no futuro, precisamos aproveitar”, relata Marina, 13 anos, que chegou ao acampamento em fevereiro, mas que enfrentou várias dificuldades na hora de comprar o ingresso. “No final, tudo vale a pena”.

Fãs apaixonadas, ídolo confuso

Apesar de tanto amor por Justin Bieber, algumas atitudes recentes do cantor acabaram decepcionando os fãs. Ele cancelou o Meet & Greet, evento pago em que algumas sortudas podem tirar foto com o astro, e vem evitando tirar fotos nas ruas, dar autógrafos e ser simpático com as pessoas que gostam de seu trabalho.

Na última passagem pelo Brasil, em 2013, Bieber deixou o palco em São Paulo, após ser atingido por um objeto lançado pelo público. Na fila para os shows desse ano, as fãs temem que ele repita reações parecidas, mas também entendem que o cantor vive um momento delicado de sua carreira.

“Ele também tem fases, e as pessoas ficam com o celular na cara dele, como um animal no zoológico”, argumenta Grazielle, que afirma que o grande problema com Bieber é o jeito com o qual as fãs abordam o astro. “Ele não gosta dessa exposição, fotos são muito superficiais, talvez se as pessoas chegassem conversando, ele receberia melhor os fãs”, opina Paula.

No entanto, para as fãs que ficaram semanas na fila, cancelar o show está fora de cogitação. Só a ideia já as deixa apavoradas, que dizem que processariam o cantor, ou até “quebrariam a cara dele”.

Fanatismo saudável ou exagero da idade?

A rotina no acampamento é tão natural e organizada, que nem parece que aquelas pessoas possuem outros compromissos e responsabilidades na vida. Como a maioria dos fãs tem entre 13 e 19 anos, gostar tanto de um ídolo nessa idade é normal, mas é preciso dosar até que ponto o fanatismo atrapalha a vida dos adolescentes.

De acordo com a psicóloga Fabiane Curvo, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, os jovens se encantam pelo trabalho e pelo glamour da vida do artista. “Ele passa a ser uma referência, um modelo a ser admirado”.

Dessa forma, os fãs se envolvem com a rotina dos ídolos. “Eles acreditam que precisam estar no show a qualquer preço, precisa se sentir mais próximos. Essa admiração que faz com que essas pessoas enfrentem grandes obstáculos e o desgaste físico. Para elas, tudo vale a pena para ver a pessoa que admiram e idolatram”, explica a especialista.

Não existe nenhum problema em gostar de alguma celebridade, a não ser que isso afete a vida pessoal e os compromissos do fã. “Nesses casos, a admiração passa a ser um vício, algo patológico mesmo. Esse fã pode até ganhar características de um stalker, que precisa seguir o ídolo a qualquer custo”, comenta Fabiane.

A intervenção da família é fundamental, para ensinar o jovem a dividir o tempo dedicado ao ídolo com o tempo para realizar as atividades rotineiras. No entanto, caso a situação se agrave, é indicado um acompanhamento com especialistas. “Há casos de pessoas que confundem a realidade com essa ideia do fã... Passam a achar que são amigos dos ídolos, que vivem a mesma vida que essa pessoa. Para esses casos específicos é necessário um suporte psicológico”, conclui a profissional.

Foram quatro meses de fila, sacrifícios e desgaste para ver Bieber por apenas duas horas. A “religião” das beliebers - um trocadilho com o sobrenome do cantor e a palavra “crente” em inglês - é o astro teen a todo custo; é só tocar no nome dele que as fãs abrem o maior sorriso e se esquecem na hora de todo o sofrimento de estar ali.

Passar a tarde no acampamento dá para perceber o quanto elas se empenham em se organizar (e sobreviver até o grande dia), mesmo com o desconforto e o clima de insegurança. Que o show corresponda às expectativas delas, que, assim como o amor pelo astro, não tem limites. 

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