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Exaltar todas, das amigas às rivais: este é um legado de Marília que jamais morrerá

Publicado 9 Nov 2021 – 04:03 PM EST | Atualizado 9 Nov 2021 – 04:03 PM EST
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Com a morte de Marília Mendonça, vítima de um trágico acidente aéreo, o Brasil perde, além de um inegável ícone da música brasileira, uma mulher que foi fortaleza para muitas outras. Isso porque, tanto em seu trabalho quanto na vida pessoal, a sertaneja sempre buscou exaltar mulheres independentemente de quem fossem – e, diante das atitudes e exemplos de Marília, se formou um de seus grandes legados: todas as milhares de mulheres que, hoje, sentem menos culpa ou vergonha de serem quem são.

Com Marília, todas ficaram um pouco mais fortes

Uma das primeiras mulheres a construir uma carreira meteórica no sertanejo, gênero historicamente dominado por homens, Marília Mendonça deixou um legado importantíssimo que vai além da música. Isso porque a cantora, que morreu aos 26 anos conforme a aeronave que a levava para um show no interior de Minas Gerais despencou, sempre exaltou mulheres tanto na vida pessoal quanto na profissional – e, sob as “asas” dela, inúmeras passaram a se sentir acolhidas e muito mais fortes como mulheres.

Brilho custoso abriu espaço para o sonho de muitas

Em 2020, Marília Mendonça alcançou o posto de cantora mais ouvida do Brasil na plataforma Spotify – mas o sucesso muito justificado da cantora não veio de forma fácil ou rápida. Apesar de manifestar talento desde os doze anos de idade, a goiana demorou a conseguir um espaço como cantora em um meio tão masculino e, de início, compunha para ícones do gênero por trás das câmeras. Seu tão sonhado prestígio, porém, não foi uma conquista só para Marília.

Cantando sobre mulheres e para mulheres, a sertaneja abriu espaço para que outras artistas alcançassem o sucesso e, com isso, se tornou um exemplo não apenas para as demais vozes do “feminejo”, mas também para as anônimas. Durante uma participação no “ Encontro” (Rede Globo), ela chegou a falar disso quando foi questionada por Fátima Bernardes sobre como empoderar outras mulheres, ressaltando que buscava transformar todas as dificuldades vencidas por ela em uma mensagem de força para elas.

quote:“Sempre que vou conversar com alguma mulher e vejo que ela está fraca, se sentindo mal, com a autoestima baixa ou com relação a um sonho que alguém julgou, mostro minha vida. Falo: ‘Vim daqui, comecei assim, levei porrada de tudo quanto é lado. De que não ia dar certo, de que não ia funcionar’. Começa pela parte de ser mulher, depois a do padrão de beleza, até na questão da voz, de falarem: ‘Sua voz é muito grave’. Meu estilo musical, roupa, tudo. [...] O melhor jeito de eu ajudar mulheres é mostrar o que aconteceu na minha vida e como foi maravilhoso, como foi bom que eu resistisse.”

Em suas músicas, todas eram bem-vindas

Desde a pré-adolescência, quando começou a compor, Marília se propôs a contar histórias, mas nem sempre elas falavam de experiências próprias. Além de ter acolhido milhares ao cantar sobre as decepções amorosas e traições que sofreu, a sertaneja também poetizava histórias alheias – e, nelas, muitas mulheres frequentemente julgadas pela sociedade puderam se enxergar como merecedoras de carinho, respeito e perdão como qualquer outra.

Em 2019, por exemplo, ela fez um alerta contra o machismo quando explicou a letra do hit “Amante Não Tem Lar”. Embora muitos tenham interpretado a canção como um julgamento contra amantes, Marília deixou claro com seriedade e empatia que a ideia é justamente o contrário. “Boa parte do meu público acha que as amantes não merecem feliz Dia das Mulheres, mas os maridos merecem perdão. A primeira luta é pra mudar isso. ‘Amante Não Tem Lar’ não é um conselho, [ela] retrata como uma amante se sente. Sempre retirando a culpa do parceiro e se responsabilizando por todo o resto”, disse.

Mais recentemente, com a música “Troca de Calçada” – sua primeira composição fictícia –, Marília foi além: com a delicadeza de sempre, ela passou a cantar a história de uma prostituta que se apaixonou por um cliente e não foi correspondida devido ao fato de vender o próprio corpo. A letra, que emocionou muita gente, também foi explicada pela sertaneja durante sua participação no “ Salada Sato”, com a apresentadora Sabrina Sato, em que ela reforçou a importância de debater o tema de todos os lados.

“Romantizei uma situação, mas quis deixar de forma poética para que as pessoas prestassem atenção na parte do preconceito. Quando pego um Instagram com comentários de ódio, críticas de coisas não construtivas, a maioria são mulheres. Então acho que esse assunto precisa ser falado”, disse ela, que também sempre foi um grande porto seguro para as mulheres traídas, as iludidas, as apaixonadas, as ciumentas e as que simplesmente precisavam de um ombro-amigo em uma fase difícil.

Por vezes criticada pelas letras, a cantora procurava frisar que tabus não apagam o fato de que suas histórias existem e devem ser respeitadas. “Tive muito problema com isso. A galera curtia um estilo de música que falava de uma mulher que foi traída, mas, na hora que eu falei da mulher que traía, a galera ficou: ‘Por que você está falando isso? Você concorda?’. Falei: ‘Não, estou aqui para contar histórias. O fato de eu contar não quer dizer que concordo com ela – mas ela existe”, afirmou ela na mesma ocasião.

Relação linda com a mãe

Classificando a mãe como sua melhor amiga a ponto de, por vezes, as duas se esquecerem da “hierarquia” entre elas, Marília exaltou dona Ruth em todas as oportunidades – e desde muito cedo. Conforme contou também no “Salada Sato”, Ruth teve, assim como a filha, diversas decepções amorosas, e foi Marília quem esteve ao seu lado tanto nos bons quanto nos maus momentos.

“Perdi o pai cedo, ela passou por um momento de traição dentro do segundo casamento, que é o pai do meu irmão... Dez anos de casamento. A gente se uniu mais ainda”, disse a sertaneja, que foi companheiríssima de dona Ruth também no último casamento dela. Na ocasião, Marília emocionou a todos ao entrar cantando no local como forma de homenagear a união do amado casal.

Maternidade real

Em 2019, pouco após assumir seu relacionamento com o também músico Murilo Huff, Marília levou um susto e tanto. Notando mudanças no corpo, ela fez um teste de gravidez – e, ao se deparar com o resultado positivo, passou a acolher também muitas mães em seus desabafos para lá de sinceros sobre os altos e baixos do processo de se tornar uma mãe.

Assim como praticamente qualquer mãe, Marília foi tomada pela culpa desde cedo, e falou bastante sobre isso. “Eu chorava todos os dias. Achava que estava atrapalhando a vida do Murilo porque era o começo da carreira dele”, afirmou a cantora, que também foi muito aberta ao discutir temas como autoestima na gestação, sintomas da gravidez, inseguranças quanto à maternidade e dificuldades na amamentação.

Apesar de estar passando por um momento caracterizado pela própria sertaneja como lindo, Marília não romantizou a gestação e, enquanto gerava o pequeno Léo, mostrou que nem sempre amava estar grávida:

Além disso, ela também declarou que tinha dificuldades em se olhar no espelho durante a gravidez, bem como em se ver mais vulnerável que nunca após anos demonstrando toda sua independência. Desta forma, muitas mães se identificaram bastante com ela – e, ao mesmo tempo, tiveram um exemplo de força conforme, mesmo diante de obstáculos, Marília seguiu prosperando na carreira e na maternidade.

Luta contra o padrão de beleza e em prol do livre arbítrio

Além de ter se destacado em um gênero predominantemente masculino, Marília decolou como uma grande estrela sem se enquadrar a padrões de beleza muito impostos especialmente para mulheres. Contrariando opiniões maldosas, Marília deixou claro por meio de exemplos que a mulher gorda tem, sim, beleza, sensualidade e talento – e ela não deixou de dar grandes lições de autoestima mesmo após perder peso.

Por problemas de saúde, a cantora mudou a alimentação e a rotina de forma geral nos últimos anos, perdendo peso como consequência de técnicas como jejum intermitente e prática regular de exercícios físicos. Em meio ao processo, ela sempre foi sincera com os fãs, sem esconder uma cirurgia plástica para a retirada de excesso de pele nem o medo de críticas pela mudança.

quote:“Não é fácil segurar a barra e tentar modificar as coisas que tinha vontade quando tive vontade. Acho até que no começo existia uma vontade de uma alimentação mais saudável, mas essa coisa da pressão foi tão grande que isso me afastava de tentar mudar porque, se eu mudar, o pessoal vai achar que estou cedendo à pressão que estão fazendo.”

Mesmo com 20 kg a menos, porém, ela nunca deixou de advogar pelo amor-próprio em qualquer corpo, se libertando das pressões ao pensar sempre na saúde antes de tudo. “Não faço propaganda de emagrecedor, de remédio ou coisa milagrosa. Tudo que quis fazer, fiz na alimentação saudável. Sempre quis cuidar da saúde, fez muito bem para mim”, disse ela no “Encontro”. Com isso, Marília mostrou a mulheres que, além de corpo não definir beleza ou talento, existe um caminho saudável para a perda de peso e ninguém tem o direito de julgá-lo.

Motivação em forma de amiga – e com todas elas

Querida tanto pelo público quanto por outros famosos, Marília era amiga de muitos no meio artístico – e este é outro grupo de mulheres que ela nunca perdia a oportunidade de exaltar. Próxima de algumas artistas e distantes de outras (consideradas até rivais pela concorrência entre gravadoras), ela sempre exaltava tanto o talento quanto a aparência e a vivência de todas elas.

Após a morte de Marília, a cantora Simone, por exemplo, divulgou prints de mensagens que trocava com a cantora pelo Instagram. Nelas, a sertaneja sempre lhe trazia palavras positivas, fossem elas para exaltar a energia da colega, a beleza dela ou a fofura dos filhos da cantora. Em outro momento, que também veio à tona após a tragédia, Marília foi mostrada elogiando uma jornalista que a entrevistava, compartilhando com ela experiências sobre o próprio cabelo e convidando-a para um café em sua casa.

Morte de Marília Mendonça

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