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"Helena permanece viva dentro de mim": ela transformou dor em acolhimento a outras mães

Diagnosticada com Síndrome de Down, a pequena tinha um problema no coração e morreu pouco tempo depois de completar um ano de vida.
Publicado 5 Out 2021 – 04:28 PM EDT | Atualizado 19 Abr 2022 – 03:31 PM EDT
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A analista de recursos humanos Rita, de 45 anos, se tornou mãe jovem. Quando Julia, sua primeira filha, nasceu, ela tinha apenas 20 anos e seu mundo foi completamente transformado pela maternidade. Por ter crescido sem irmãos, ela sempre teve uma ligação muito especial com crianças e, por isso, sonhava ter outro filho.

O tempo foi passando e ela ganhou dois netos: Kauan, hoje com 8 anos, e Enzo, de 6. Apesar da alegria que os pequenos trouxeram à sua vida, Rita ainda tinha o desejo de gerar outro bebê. E, em 2018, esse sonho se tornou realidade.

Aos 40 anos, 22 anos depois de ter se tornado mãe pela primeira vez, Rita deu à luz outra menininha, Helena. Mas nem tudo saiu como planejado. A pequena, diagnosticada com Síndrome de Down ao nascer, tinha um problema no coração e morreu pouco tempo depois de completar 1 ano de vida.

Helena era o sonho da vida de Rita e ela não só viveu essa realização, como transformou toda essa história em uma rede que apoia mães que passaram pelo mesmo que ela.

Rita esperou 22 anos pela segunda gestação

Julia, que atualmente está com 25 anos, é fruto do primeiro casamento de Rita. Segundo ela, quando a primogênita nasceu tudo mudou: "Eu passei a dividir o meu coração com alguém". E esse sentimento tão nobre fez com que a vontade de ser mãe novamente só aumentasse.

Mas foi só após 22 anos que ela conseguiu engravidar de novo. Na época, Rita já estava casada com Eduardo, o segundo marido, há 11 anos, e eles tentavam ter o primeiro filho desde o início do casamento. Apesar do planejamento, a gravidez foi quase um susto.

"A descoberta da gravidez foi uma grande surpresa. Após 10 anos esperando por esse momento novamente, quando eu já havia desistido, descubro, aos 42 anos, que estava grávida", revelou ela, que viveu um turbilhão de emoções nos primeiros dias e não conseguia acreditar que estava realizando aquele tão esperado sonho.

Além de ser mais difícil para uma mulher engravidar após os 40, pois a reserva ovariana diminui significativamente com a idade, também existem riscos, já que os óvulos mais velhos são mais propensos a desenvolver problemas. Por esses motivos, Rita acompanhou o desenvolvimento do feto com bastante atenção.

Apesar de os exames não apontarem nenhum problema, o instinto materno de Rita dizia que sua bebê nasceria diferente. "Todos os exames e pré-natal estavam perfeitos e em nenhum momento mostrava qualquer alteração que sugerisse alguma síndrome ou problema cardíaco, mas eu sentia que algo seria muito diferente e assim permaneceu por toda gestação, até o dia do seu nascimento".

Bebê nasceu prematuro e com Síndrome de Down

Tudo corria bem com mãe e filha, até que, exatamente no dia em que chegou ao oitavo mês da gestação, Rita começou a sentir fortes dores.

"No dia em que completei 32 semanas de gestação,17 de agosto de 2018, comecei a sentir fortes contrações. À princípio eu ficaria internada, em repouso absoluto, por duas semanas, pois os médicos consideravam que minha filha ainda estava muito prematura para realizar o parto. Mas, conforme foram passando as horas, tudo foi evoluindo para um parto normal. E após 21 horas, no dia 18 de agosto de 2018, às 16h52, sem nenhuma intercorrência, dei à luz Helena".

Embora Helena tenha nascido com peso e tamanho considerados bons para uma bebê prematura, ela logo foi diagnosticada com Síndrome de Down por uma das médicas da equipe que realizou o parto, como contou Rita:

"Depois que os médicos realizaram os primeiros atendimentos, a neonatologista chamou o Eduardo e mostrou a Helena para ele e disse que ela tinha características de uma criança com Síndrome de Down (olhinhos amendoados, osso nasal pequeno, baixa implantação de orelhas). Eduardo ficou muito surpreso e informou que em nenhum momento durante a gestação foi diagnosticado qualquer alteração genética, mas a médica, que já tinha anos de neonatologia, informou que as chances eram grandes devido às caraterísticas".

A notícia foi dada à Rita quando ela ainda estava na sala de parto e ali se confirmou aquela sensação que ela teve durante toda a gestação: "Senti no meu coração que Helena seria muito especial na minha vida".

A notícia sobre a Síndrome de Down não entristeceu Rita, o que a deixou desolada foi o fato de não poder tocar na filha logo após seu nascimento. Ela explica que pelo fato de ter ficado muitas horas em trabalho de parto, seu líquido amniótico acabou sendo infectado, pois ela estava com uma infecção de urina e não sabia.

"Por esse motivo não pude tocá-la ou segurá-la, mas puder ver o quanto ela era linda e iluminada", disse Rita, que contou que, em seguida, Helena foi encaminhada para a UTI.

Helena foi diagnosticada com cardiopatia

Duas horas após Helena ser levada para a UTI, Rita recebeu a notícia de que a filha havia sido entubada, pois não conseguia respirar sozinha e nesse momento seu mundo desabou.

"A alegria da sua chegada após algumas horas foi substituída pela tristeza, medo, informações, diagnósticos que tivemos que absorver, compreender, conviver. Tudo conosco foi diferente: não pude tocá-la ao nascer, não dei seu primeiro banho, não troquei a primeira fralda, não pude amamentá-la", disse Rita, que ainda contou que o primeiro toque entre mãe e filha só foi acontecer 15 dias após o nascimento de Helena.

quote:"Só pude pegá-la no colo 15 dias após o nascimento e eu nunca esquecerei esse momento"

E antes desse momento acontecer, Rita teve que enfrentar uma dura realidade ao ser informada pelos médicos que a filha, recém-nascida, era cardiopata - ou seja, tinha um problema no coração.

Cardiopatia de Helena era uma das mais graves

Quatro dia após o nascimento de Helena, ela foi diagnosticada com Defeito do Septo Atrioventricular Total (DSAVT). Uma doença caracterizada pela junção atrioventricular e ausência das valvas tricúspide e mitral, conforme explica o Hospital Infantil Sabará:

"No coração normal, existem quatro cavidades cardíacas (2 átrios e 2 ventrículos), sendo que entre o átrio direito e ventrículo direito existe a valva tricúspide e entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo existe a valva mitral. No caso desta cardiopatia, a malformação se caracteriza por uma junção atrioventricular comum, ou seja, não existem estas valvas características, apenas um grande anel com um orifício (defeito de septo total) ou dois orifícios (defeito de septo parcial) que enviam sangue dos átrios para os ventrículos. No Defeito de Septo Atrioventricular Total (DSAVT), obrigatoriamente há uma Comunicação Interatrial (CIA) e uma Comunicação Interventricular (CIV)".

De acordo com o hospital, 50% dos pacientes que apresentam a doença são portadores da síndrome de Down, assim como Helena e o tratamento pode ser feito através de manejo clínico ou com cirurgia, que era o caso da pequena.

Rita contou que após o diagnóstico, Helena permaneceu internada por 68 dias, sendo 10 deles em estado grave. Após esse longo período, os pais puderam, finalmente, levá-la para casa.

"Enfrentamos uma série de consultas com pediatra, fonoaudiólogo, fisioterapeuta e as diversas consultas com cardiologista e profissionais do InCor. Fizemos todos os acompanhamentos necessários (não faltamos sequer em nenhuma consulta ) mas a sua maior estimulação foi em casa e lá passamos os melhores e momentos mais felizes vendo seu desenvolvimento", afirmou Rita.

Como o caso de Helena era complexo e ela precisava de uma cirurgia para corrigir a falha, ela ficou de maio a julho de 2019 internada no InCor (Instituto do Coração), em São Paulo, para que a equipe pudesse estudar melhor seu caso e realizar a operação.

Cirurgia corrigiu problema no coração

Em agosto ela recebeu alta e Rita e Eduardo puderam celebrar o primeiro ano de vida da filha, que foi um dos momentos mais felizes desde seu nascimento.

Logo após a celebração, a cirurgia da pequena foi agendada e mesmo com o coração apertado, com medo de perder Helena, Rita e Eduardo decidiram dar uma chance de vida à filha.

"Helena tinha uma chance. A chance de ter qualidade de vida, de se desenvolver, de brincar, de crescer . Não operando, a qualquer momento ela poderia partir e quantos pais e crianças gostariam de ter a oportunidade que tivemos em realizar a correção cirúrgica? Nós tínhamos que dar essa chance para nossa filha, mesmo sabendo todos os riscos, mas nós sabíamos também que sem a cirurgia ela não resistiria por muito tempo".

Apesar de todo medo e apreensão, a pequena foi operada no dia 25 de setembro de 2019 e a cirurgia foi concluída com sucesso, com a correção que deveria ser feita. Mas os pais de Helena teriam que enfrentar mais uma luta: o pós-operatório.

Helena não resistiu ao pós-operatório

"Vivemos o pós-cirúrgico em câmera lenta, porque viver isso é uma tortura, independente do resultado final", disse Rita, que contou que o pulmão de Helena não estava reagindo bem após a correção do problema. Um coração corrigido, porém com um pulmão que estava acostumado a trabalhar com a anatomia do coração que estava doente e como houve a correção cirúrgica, o pulmão teria que se adaptar a essa nova condição".

Rita contou que foram 22 dias de luta no hospital, com Helena tendo que enfrentar crises de hipertensão pulmonar, um tipo de pressão arterial elevada que afeta as artérias dos pulmões e do coração.

"Ocorreram diversas crises de hipertensão pulmonar que foram controladas até o dia 17 de outubro de 2019, 22 dias após cirurgia, quando uma Hemorragia Pulmonar levou Helena", relatou a mãe da pequena.

"Senti o chão se abrir e senti minha mente toda embaralhada, como se os últimos 2 anos passassem muito rápido na minha cabeça. Eu não tive a oportunidade de segurá-la no colo quando ela nasceu, mas na sua partida, assim que cheguei naquele hospital, sabia que sua missão havia sido cumprida e com ela no colo, sem vida, abracei, beijei e repeti o que já havia dito várias vezes, o quanto fomos felizes e ganhamos por sermos seus pais", continuou.

Rita passou por momentos muito difíceis após a partida da filha e aprendeu que "a morte é reaprender a viver todos os dias".

"Perder um filho é a maior prova pela qual um ser humano pode passar na vida. Eu adoeci, pensei que fosse morrer, não me reconhecia mais", desabafou.

"Nossa Helena Bailarina": a transformação da dor em acolhimento

Mas Rita conseguiu transformar toda a sua dor em algo muito nobre e que a ajudou a viver todo o processo da perda.

Assim que Helena nasceu, ela decidiu criar um perfil no Instagram e no Facebook para contar a história da filha. Rita batizou as redes sociais da pequena de "Nossa Helena Bailarina" e explicou o lindo significado do nome:

quote:"O nome foi criado pensando exatamente nas bailarinas, que são sempre muito delicadas mas são extremamente determinadas e esforçadas e Helena foi assim desde o momento em que nasceu até seu último dia de vida. Ela lutou muito nesses 14 meses que ficou conosco".

No início, Rita contava a história da filha e atualizava seus seguidores sobre o tratamento da pequena. Depois que a bebê se foi, ela decidiu continuar com as postagens como forma de agradecer as pessoas que tinham apoiado a família e acolher mães que passam ou já passaram pelo mesmo que ela.

"Se uma mãe perde um filho e me procura eu consigo entender exatamente o que ela está sentindo e de alguma forma abraçar e tentar confortar seu coração. Não quero falar apenas de uma bebê que era cardiopata, operou e partiu, mas de uma criança que chegou com síndrome de Down em uma família e que foi amada incondicionalmente todos os dias e a todos os minutos, como se fosse o último. Minha intenção é multiplicar sua história. Falar tudo de bom que vivi com a ela", explicou.

Além disso, ela diz que o objetivo das postagens é "mostrar que gente pode ser feliz, independente de qualquer diagnóstico e que não podemos desistir. Quero mostrar para outras famílias que viver Helena desde a gestação foi magnífico. Que decidir sobre a cirurgia não foi fácil, mas que a todo instante pensamos nela e que mesmo diante de tudo que passamos, sou grata a todos que estiveram e estão nessa caminhada conosco até hoje".

Rita diz que os últimos meses não têm sido fáceis e que ela convive com a dor da ausência de Helena todos os dias, mas se pudesse voltar no tempo, viveria tudo de novo pela filha.

"Os últimos meses têm sido difíceis, às vezes quase insuportáveis. Não é fácil estar longe de quem amamos, de quem simplesmente partiu, principalmente muito cedo, mas tento todos os dias transformar a minha dor em amor. Não falo muito do luto, pois Helena permanece viva dentro de mim. E se eu tivesse a oportunidade de voltar ao passado e numa estante tivessem vários bebês e dentre eles uma Helena, essa Helena, eu escolheria ela e por ela eu passaria tudo novamente".

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