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Mulher que tem filha desaparecida cria luta ao lado de outras mães: "A gente se sente vazia"

Publicado 9 Dez 2019 – 04:46 PM EST | Atualizado 9 Dez 2019 – 04:46 PM EST
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Ana Paula saiu para trabalhar e desapareceu. Era um sábado bem cedo, por volta de cinco e meia da manhã, em uma cidade movimentada da região metropolitana de São Paulo. O ponto de ônibus ficava a poucos metros do portão de sua casa, no Jardim das Belezas, no município de Carapicuíba.

Sua mãe, Sandra Moreno, já procura por sua caçula há 10 anos e transformou a busca em luta e alicerce para outras mulheres que vivem dor e angústia semelhantes. Sua história - e a de todas essas outras mulheres - mostra do que o amor de uma mãe é capaz.

O Desaparecimento

A jovem trabalhava em regime de escala, em sábados alternados. Aos finais de semana em que era chamada para trabalhar, seu irmão mais velho, Júnior, a acompanhava até o ponto de ônibus. Por ironia do destino, naquele sábado ele perdeu a hora e não a levou - e tantos anos depois, ele ainda faz acompanhamento psicológico para lidar com a culpa pela perda da irmã.

Mãe e filha trabalhavam na mesma empresa – que imprimia provas para concursos, em Alphaville, São Paulo. Ana Paula entrava às seis horas da manhã. Seu expediente acabava às duas horas da tarde, horário em que a mãe iniciava sua jornada. Todos os dias as duas se encontravam no portão da empresa no horário de transição de turnos, mas aquele dia 3 de outubro de 2009 foi diferente.

A manhã passou como de costume e às 13h30, Sandra chegou para iniciar sua jornada. Logo na entrada, foi surpreendida por uma colega, que perguntou sobre Ana Paula. Segundo a funcionária, a filha de Sandra não apareceu para trabalhar naquele dia.

Inicialmente, parecia apenas uma confusão. O que passou pela cabeça de Sandra é que talvez as duas apenas não tivessem se encontrado na empresa. Para descobrir se havia algo errado, ela ligou para a filha.

Foi quando teve início o desespero da mãe: a chamada deu caixa-postal. “Aí meu chão simplesmente abriu debaixo dos meus pés”, lembra.

Sua primeira atitude foi procurar a empresa responsável para conferir o itinerário do bilhete de transporte da filha. Foi quando descobriu que Ana Paula não embarcou no ônibus que sempre pegava para ir ao trabalho.

Depois, decidiu mapear e conferir as câmeras de segurança da região. “Uma das câmeras ficava bem na frente do portão da empresa e outra na frente do ponto do ônibus. Eu vi o ônibus parar, vi todo mundo descer e vi que ela não desceu”, conta Sandra.

Com todas essas informações, às seis da tarde daquele sábado, Sandra foi até a Delegacia de Barueri, para fazer um Boletim de Ocorrência. “Quando cheguei lá, o delegado disse: 'Mãe, parabéns! Noventa por cento do trabalho da Polícia a senhora já trouxe pronto'”.

"Eu confesso que naquele momento eu olhei pra ele aliviada e pensei: 'Mais dia, menos dia, eles resolvem esses 10% que faltam'. O problema é que eu estou esperando por isso já faz quase 10 anos. Tudo o que eles fizeram foi um Boletim de Ocorrência. De resto, tudo o que consta lá fui eu quem fiz. Esse é o trabalho que a Polícia faz por quem tem um filho desaparecido”, desabafa.

Transformação da dor em luta

Em busca da filha, Sandra fez de tudo. Foram dias de procura na região da Cracolândia, no centro de São Paulo; noites dormindo no Porto de Santos; e inúmeras visitas a hospitais e IMLs. Tudo isso seguindo pistas e denúncias que apontavam possíveis paradeiros de Ana Paula.

Sentindo que a Polícia não se movimentava para ajudar, Sandra montou sua própria linha de investigação. Em uma rede social, espalhou fotos da filha. Vendo as imagens, outras mães de filhos desaparecidos entraram em contato, procurando por ajuda.

Ao sentir o poder da ferramenta que tinha nas mãos, Sandra decide iniciar um trabalho em conjunto com outras mães. No começo, o buscavam lutar pela causa como mães de filhos desaparecidos. Mas, em 2013, elas perceberam que seria necessária a criação de um órgão jurídico para que a luta avançasse. Foi então que Sandra criou o Instituto Ímpar.

“Eu dei o nome de Ímpar porque é assim que eu enxergo essa dor que não fecha. A gente se sente vazia porque uma mãe sem um filho é um ser humano pela metade. Na causa, eu só trabalho com a dor. A dor do desaparecimento, da incapacidade, dos “nãos” que você escuta. Eu falo que só continua na luta quem é muito dura, já vi muita mãe que morreu de tristeza e nunca vai ver o filho voltar”, conta.

“Quando eu fui mãe, eu sabia que eu tinha que colocar meus filhos na escola, vacinar, mas ninguém me disse que eu teria que lidar com o desaparecimento”, desabafa Sandra, que lembra dos primeiros momentos sem a filha. “Eu passei sete dias chorando, acreditando que não ia ver a minha filha nunca mais porque eu iria morrer antes. Depois dessa semana, eu endureci, nunca mais chorei e fui lutar pela causa”.

Sozinha, já que o pai de Ana Paula nunca foi presente, a vida de Sandra se tornou uma espera constante. "Tudo o que eu tinha para viver eu vivi até o dia 3 de outubro de 2009, de lá pra cá a minha vida parou”.

Sandra transformou todo esse tempo de dor em uma luta importantíssima, e hoje trabalha para que mais pessoas conheçam a realidade do desaparecimento de pessoas no Brasil, atuando em políticas públicas e campanhas de mobilização.

Enquanto ajuda pessoas, Sandra não desiste de encontrar sua filha e sente que Ana está viva. “Pode ser que amanhã eu não acorde com essa certeza, mas hoje eu sei que ela está viva”.

Desaparecimento de pessoas no Brasil

Ana Paula desapareceu no dia 3 de outubro de 2009, aos 23 anos. Naquele ano, de acordo com o levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2017 (que trouxe os dados da década), o Brasil teve 49.983 registros oficiais de desaparecimento de pessoas. Ana era uma delas.

Aliás, só em 2017 o levantamento trouxe números sobre desaparecimento de pessoas. Por isso o estudo, que foi feito a pedido do Comitê internacional da Cruz Vermelha, é mais um sinal de que o tema não é tratado com a relevância necessária e esperada por essas mães.

Na época, chegou-se à conclusão de que entre 2007 e 2016 o Brasil registrou 694.007 casos de desaparecimentos - levando em conta apenas os registros de Boletim de Ocorrência, mas podendo o número, na realidade, ser muito maior do que isso.

Em média, 190 pessoas desapareceram por dia no país durante o período da pesquisa. O que equivale a oito desaparecimentos por hora.

São Paulo é a cidade com maior número de casos, segundo o mesmo levantamento, com 242.568 registros de desaparecimentos entre os anos de 2007 e 2016. Na sequência, Rio Grande do Sul, com 91.469 casos, e Rio de Janeiro, com 58.365. Os demais estados não disponibilizaram dados.

Como ajudar?

O caso de Ana Paula é considerado um desaparecimento enigmático, que engloba os casos de desaparecimento reportados há cinco anos ou mais e que permanecem sem solução.

Mas é possível ajudar a iniciativa de Sandra. Atualmente, o Instituto Ímpar busca assinaturas para um Projeto de Lei que busca dar maior visibilidade para a causa, como com a criação de delegacias especializadas. Se você quiser, pode ajudar assinando o documento da Iniciativa Popular pela Pessoa Desaparecida no Brasil.

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