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Mulher relata absurdos vividos no parto e ajuda a alertar sobre violência obstétrica

Publicado 6 Set 2017 – 04:36 PM EDT | Atualizado 15 Mar 2018 – 02:28 PM EDT
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A catarinense Saionara Angioletti Athayde, de 22 anos, comoveu internautas ao publicar o  relato de violência obstétrica sofrida no parto de seu primeiro filho. Mais do que um alerta, a história revoltante e cruel retrata a realidade do problema no Brasil. 

Relato de violência obstétrica de Saionara Angioletti

"Hoje, olhando pra essa foto, resolvi contar um pouco da minha história. [...] Muitas pessoas do meu convívio me perguntam e querem saber o que é essa tal 'bolsa' [de colostomia] e por que uma menina tão jovem precisa disso", começa a publicação, que foi compartilhada milhares de vezes no Facebook.

Saionara conta que sua primeira gestação ocorreu em 2015 e foi considerada de alto risco: sua pressão oscilava muito, e ela estava muito acima do peso. Com isso, teve de se submeter a um acompanhamento médico intensivo, com remédios, exames e repouso.

Cinco dias antes da data prevista para o bebê nascer, a gestante foi a uma consulta médica e descobriu que sua obstetra estava doente e não poderia atendê-la, remarcando o encontro para uma semana depois. Contudo, o bebê não esperou e três dias depois sua bolsa rompeu.

Discriminação médica

Após se dirigir rapidamente ao hospital, Saionara foi internada, mas não pode contar com a presença de um acompanhante no quarto, mesmo este sendo um direto da gestante.

"A médica que me atendeu, antes de dar bom dia, perguntou: 'Como uma pessoa gorda como você foi engravidar?'. E ali começou minha tortura: foram mais de 40 horas ouvindo todo tipo de xingamento", relatou a catarinense.

Com dificuldade para ter seu parto normal, por conta de pouca dilatação, a paciente foi diversas vezes vítima de preconceito.

Em um dos momentos mais trágicos, ela conta que estava desmaiada devido à perda de muito sangue e sua mãe pediu para que fosse feita uma cesariana. A médica respondeu: "Não faço cesária em gorda. Ela deveria ter pensado nisso antes de engravidar", disse a doutora, emendando: "Se eu fizer ou não a cesária, ela vai morrer do mesmo jeito."

Manobra ilegal

Mesmo desesperada pela situação, Saionara sentiu alívio ao descobrir que haveria troca de plantão no hospital e poderia ser atendida por um profissional melhor.

Nessa altura, já havia perdido muito sangue e estava sem comer ou tomar água, já que a equipe médica tinha a esperança de que fosse feita uma cesariana. Contudo, a médica que assumiu o novo turno disse que não haveria como fazer a cirurgia, pois o bebê estava coroado.

"Ela disse: 'Ou esse bebê nasce, ou nasce'", lembra a paciente, que continua: "Tive de parir sem dilatação ou contração suficientes, fiz minha própria força. A médica mandou duas enfermeiras me ajudarem, e assim foi: subiram na minha barriga e, como um animal, eu 'pari' meu filho às 23h40 do dia 15/06, com 4,010 kg", relembra.

O ato de subir na grávida é chamado de "manobra de Kristeller" e considerado danoso e ineficaz, se enquadrando como violência obstétrica.

Fissura interna e bolsa de colostomia

Embora tenha sido tratado às pressas por hipoglicemia, o bebê de Saionara nasceu sem maiores problemas. Já ela teve de ouvir um "vou tentar 'consertar' aqui e vai ficar tudo bem" da obstetra que examinava sua vagina.

Ao todo, ela levou 36 pontos de dentro para fora. Ali, Saionara afirma que começava a maior batalha de sua vida.

Ela voltou para casa com dificuldade para se mexer e andar, o que atribuiu às dezenas de pontos que levou. "Pensamos que tudo tinha acabado e tínhamos vencido, até que eu comecei a evacuar pela vagina involuntariamente", contou.

Em entrevista ao VIX, ela disse que resistiu a ir ao hospital porque estava traumatizada. No entanto, seus familiares pediram insistentemente para que buscasse ajuda, o que ela fez depois de 12 dias naquele estado.

No atendimento médico, foi diagnosticada uma fístula reto-vaginal - espécie de "buraco" anormal que se abriu entre o reto e a vagina, ligando os dois órgãos. Saionara foi internada e encaminhada para uma cirurgia com previsão de 40 minutos, mas que levou mais de seis horas. 

A catarinense conta que a fala do médico após a operação foi devastadora: "Eu fiz tudo que podia, porém havia uma fístula de 12 cm entre seu ânus e vagina. Seu útero estava dilacerado, com marcas de unha", disse ele.

Devido ao estado agravado em que estavam seus órgãos, Saionara teve de se submeter a uma ileostomia, cirurgia que exterioriza a parte final do intestino delgado e a liga à bolsa coletora.

Cirurgia bariátrica

"Depois da cirurgia, a primeira coisa que fiz foi dar um sorriso e agradecer a Deus por ter me deixado viver. Logo depois, coloquei a mão na barriga e disse pra mim mesma: 'Vamos lá, Saionara, vencer mais essa''", lembra. 

Após 28 dias de internação e um longo período de adaptação, a jovem descobriu que não poderia fazer a cirurgia para retirar a bolsa, já que estava muito acima do peso. Foi então que o médico sugeriu a cirurgia bariátrica.

A catarinense foi contra e tentou outros métodos para emagrecer, incluindo o uso de medicamentos. Porém, sem ter sucesso, ela acabou optando pela redução de estômago e teve a sorte de contar com pessoas que a ajudaram a fazer o procedimento rapidamente com um médico de Curitiba (PR), visto que a rede pública tinha uma longa fila de espera.

Segunda gestação

A cirurgia foi um sucesso, e a jovem e seu marido voltaram para casa, esperançosos na recuperação. Porém, dois meses, receberam uma notícia inacreditável: Saionara engravidou novamente.

"Foi um desespero total, pois não imaginávamos e nem podíamos [devido às cirurgias recentes]. Como isso poderia acontecer se eu me cuidava?", questionou-se.

Após uma gestação bem assistida, foi realizada uma cesariana amparada por mais de quatro especialistas, devido ao quadro pós-ileostomia e bariátrica. 

Sua filha nasceu prematura, mas cheia de saúde. "Foi tudo perfeito. Tivemos alta e viemos pra casa: eu, minha princesa e minha 'bolsa'. Minha família cuidou muito de mim e é nela que encontro forças todos os dias pra continuar essa jornada", emociona-se. 

Vitória

Hoje, a jovem leva uma vida normal e aguarda a cirurgia para retirada da bolsa. "Sigo feliz, pois Deus me deu a oportunidade de viver e conceber 2 filhos lindos e maravilhosos", diz.

"Acredito que exista um tempo determinado para tudo, então estou vivendo meu hoje e curtindo minha família da melhor forma possível", explica ela, que está em discussão legal com o hospital em que ocorreu o parto de seu primeiro filho.

O que é violência obstétrica?

Qualquer ato que não seja preconizado pelos princípios de humanização e evidências científicas é considerado violência obstétrica. Ela ocorre durante procedimentos inerentes à gestação.

Alguns exemplos são: agressões verbais ou físicas, recusa de atendimento, jejum desnecessário, episiotomia (corte entre o ânus e a vagina), amarrar a parturiente, excesso de exames de toque, impedir a presença de acompanhante, fazer procedimentos sem o consentimento da mãe, separar mãe de filho após o nascimento ou fazer comentários constrangedores que discriminem sexo, raça ou tipo físico.

Como denunciar?

A denúncia pode ser feita na Defensoria Pública do município, onde deve ser entregue cópia do prontuário médico, que é um documento que registra todos os procedimentos pelos quais a mulher foi submetida na maternidade ou hospital.

Essa prova pode ser obtida com setor administrativo da instituição sob o custo somente das cópia das folhas.

Como se proteger?

Em primeiro lugar é necessário que a mulher e seu acompanhante se informem e estudem o processo do nascimento antes de darem entrada no hospital, a fim de tentarem se prevenir de quaisquer abusos. Há grupos de apoio gratuitos que auxiliam essa tarefa.

Também é recomendado buscar uma equipe humanizada e analisar a conduta dos profissionais desde o pré-natal.

Finalmente, deve-se escrever um plano de parto, documento que especifica o tipo de parto desejado pela parturiente, seu direito a acompanhante, os procedimentos aos quais aceita ser submetida e outros detalhes de igual importância.

O obstetra responsável deve assinar que recebeu e concorda com o documento antecipadamente. Se ele recusar, converse com a direção da maternidade ou busque outro médico.

Relato de violência obstétrica

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