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"Estou Pensando em Acabar Com Tudo" explicado: filme tem vários significados

Publicado 8 Set 2020 – 03:44 PM EDT | Atualizado 8 Set 2020 – 03:44 PM EDT
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Produção original da Netflix, “Estou Pensando em Acabar Com Tudo” é um prato cheio para quem gosta de histórias de dar nó na cabeça. Do diretor de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, Charlie Kaufman, o filme não pretende e nem quer dar respostas fáceis mesmo.

Já vale deixar claro que não existe interpretação certa ou errada - quem afirma isso é o próprio diretor. “Deixo as pessoas terem suas próprias experiências, então não tenho expectativas sobre o que vão pensar. Apoio todas as interpretações”, disse o diretor a Indie Wire. Mas para te ajudar, analisamos os principais pontos e o que podemos tirar deles. Confira.

Explicação de “Estou Pensando em Acabar Com Tudo”

A dificuldade de terminar um relacionamento

Uma das principais interpretações é a de que o grande tema do filme é um fim de relacionamento - ou melhor, como pode ser difícil tomar essa decisão. Desde o início da história, “ouvimos” o pensamento de Lucy, que não quer visitar a família do namorado, que se irrita com tudo o que ele diz e até com as expressões em seu rosto - uma das primeiras cenas mostra a personagem fixada e claramente irritada com uma gota de saliva que ficou no rosto de Jake. Ela não está feliz com ele.

Já na fazenda dos pais dele, Lucy conta a primeira versão de como se conheceram: uma história romântica sobre como ela tomou a iniciativa para falar com Jake, que a observava de longe - aqui, vale notar, ela já não consegue dizer há quanto tempo estão juntos. E nem nós: tanto as cenas na casa, quanto a viagem de carro parecem intermináveis, indicando que muito tempo se passou ali ou que eles repetiram essas visitas muitas vezes.

Na última parte do filme, quando ela fala sobre isso novamente, sua percepção mudou completamente e ela diz que achava perturbadora a forma como Jake a olhava - uma maneira de ilustrar como a percepção sobre os bons momentos muda com o passar do tempo, que no início tudo é lindo, até deixar de ser.

Com os constantes reforços que ela faz de que “precisa ir embora” porque tem algo importante a resolver na cidade, também fica mais clara sua vontade, porém dificuldade, de se afastar do companheiro. Em uma das primeiras cenas, Lucy reflete sobre relacionamentos infelizes, fala sobre solidão no casamento e diz que “ficar é física básica, enquanto sair exige determinação”.

Por fim, claro, o próprio título do filme sugere isso. Lucy diz que o pensamento é o que temos de mais forte, mas a ação, nem sempre: assim, ela está sempre “pensando em acabar com tudo”, mas nunca consegue fazer isso. Na cena em que ela está sozinha no carro, a reflexão fica mais clara, quando ela começa a se perguntar por que é que nunca disse “não” a Jake.

Os personagens são versões das mesmas pessoas

Ao chegar na casa de Jake, Lucy vê uma foto de criança na parede e questiona o namorado. “Você não consegue reconhecer?”, ele pergunta e ela diz que aquela criança é ela mesma. A partir daí podemos ter a perspectiva de que os pais dele (que não têm nomes próprios, vale notar) podem ser versões deles mesmos em diferentes fases da vida.

Assim, entendendo o filme como uma viagem da mente, podemos interpretar essas cenas como uma “crise” de Lucy ou de Jake, em que eles passam a antecipar todos os momentos das próprias vidas. Outras “evidências” dessa interpretação estão nas roupas: Lucy e a mãe usam roupas florais muito parecidas - inclusive, a camisola que o pai oferece a Lucy é a mesma que a mãe aparece usando depois, já bem velhinha.

Além disso, em outro momento, vemos Lucy deitada no ombro do pai de Jake, em um gesto de intimidade, como se ela o conhecesse já há muito tempo. Nas cenas dentro da casa dos pais, Lucy ainda faz referências claras ao envelhecimento, questionando a repulsa que a sociedade parece sentir a isso e que não deveria, já que é parte natural da vida.

Viagem pelas memórias

Podemos pensar no filme também como um retrato de como nossa mente trabalha quando começamos a pensar em nossas memórias: tudo se mistura. Vemos os pais de Jake indo e voltando em suas formas idosas e jovens, vemos Jake misturar a realidade com elementos dos musicais de que ele tanto gostava, ou ainda Lucy sem saber explicar exatamente como os dois se conheceram.

Na cena do jantar, vemos Lucy falar de várias fases de sua vida - como artista, como estudante de ciência - tudo de forma claramente desordenada. O retorno à escola e o passeio na sorveteria podem ser interpretados como uma versão ainda mais clara dessa viagem no tempo. Algumas teorias, aliás, apontam que a garota com que Lucy conversa na sorveteria é uma versão dela mesma no passado - dando o conselho de que ela precisa partir agora.

Lucy traz ainda uma reflexão interessante sobre o tempo, dizendo que as pessoas costumam se ver como pontos em movimento, quando na verdade, estamos todos parados e o tempo é que passa por nós.

Cena da dança

Uma das principais sequências do filme é a dança de Lucy e Jake (representados por outros atores). A história contada parece trágica: as versões jovens dos dois começam felizes, se casam, até que ela, puxada por um homem mais velho, - que parece representar o próprio Jake -, a dança passa por um momento tenso, que termina com a morte do parceiro.

Lucy, então, vê a versão jovem do namorado “sangrando” no chão, enquanto Jake está parado aos pés dele. Nesta hora, ela finalmente dá as costas. Podemos interpretar este como sendo o momento em que ela finalmente consegue acabar com tudo. Quem assistiu ao musical “Oklahoma”, citado por Jake várias vezes, também pode reconhecer o embate: no musical, a mocinha vê seu amado ser morto pelo outro homem que queria ficar com ela e a quem ela temia.

Final: O zelador do colégio é o verdadeiro protagonista

Ao longo da história, vemos o nome de Lucy sendo trocado algumas vezes, bem como entramos no mundo de Jake - representado pelo seu quarto, sua família, pelas referências que faz ao que gosta. Com isso, descobrimos a paixão dele pelo teatro e pelo cinema, que termina com ele sendo aplaudido em um palco - quando, na verdade, toda a história que vimos parece ser a de um homem solitário e “apagado” na vida.

Enquanto a história dele é contada, surge a figura do zelador do colégio e fica a sensação de que aquelas memórias pertencem a ele e que os detalhes mudam porque ele já não se lembra muito bem da ordem dos acontecimentos.

No passado, vimos os pais deles dizerem que Jake era um garoto muito inteligente, mas que não conseguia fazer amigos e que era muito controlador, que parecia sempre estar esperando um grande reconhecimento de todos que o desprezaram - isso pode explicar a figura do velho vagando pelos corredores vazios da escola, onde Jake nunca era visto ou ouvido.

No fim, vemos o zelador ser guiado pelo desenho de um porco - o animal que tinha sido referenciado assim que Lucy e Jake chegam na fazenda. Ele explica que o porco que eles tinham lá morreu com as entranhas devoradas por larvas, mas todos demoraram a notar, já que o bicho parecia só estar deitado.

Ao fim da viagem pelas memórias do zelador, podemos interpretar que o mesmo aconteceu com ele. Ele parecia passivo à vida, enquanto era devorado por dentro e acabou morrendo, sozinho, com suas memórias.

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