null: nullpx
cinema-Zappeando

Como sueca está mudando participação das mulheres no cinema - e atingindo até o Brasil

Publicado 5 Mai 2017 – 01:30 PM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:12 AM EDT
Compartilhar

No mundo inteiro, somente 5% dos cargos de chefia estão na mão de mulheres e essa desigualdade de gênero se espelha em praticamente todas as áreas do mercado de trabalho – inclusive em uma das indústrias mais lucrativas e influentes: a do cinema. Enxergando os problemas que a falta de representatividade trazem (tanto para as minorias, quanto para a sociedade), a cineasta sueca Ellen Tejle desenvolveu um projeto que pode reverter esse quadro.

Assim, ela atua em frentes diferentes com o objetivo de fomentar a produção feminina e a representatividade na indústria. Um dos projetos que tem ganhado força é o “A-List”, que tem como objetivo dar mais visibilidade a filmes que se preocupam com questões sociais e de gênero, por meio de um selo para destacá-lo entre outras obras.

Além disso, Ellen tem trabalhado junto ao Instituto do Cinema da Suécia para aumentar a visibilidade de filmes produzidos por mulheres e está dando certo: em menos de 10 anos, as verbas destinadas à produção feminina passaram de 20% para 50%. Ellen conseguiu também que o Instituto apoiasse o projeto “A-List” e aumentasse o número de produções femininas em cartaz nos cinemas do país.

“É importante que uma entidade com esse poder coloque igualdade de gênero em pauta. Na Suécia, mulheres ganham em média 450 mil dólares a menos do que homens durante a vida, além de terem menos direitos reconhecidos e representação, inclusive no cinema”, contou em entrevista ao Vix

No entanto, esse é apenas o primeiro passo. Para a cineasta, a indústria ainda está muito longe de levar a questão da discriminação (de gênero e social) a sério. “Ainda somos bem poucas e o progresso é lento, ainda mais se olharmos para números de minorias dentro do gênero: a representatividade de mulheres negras, por exemplo, é quase nula”, aponta Ellen.

Desigualdade de gênero no cinema

De acordo com a cineasta, na indústria de filmes comerciais ao redor do mundo, mulheres ocupam apenas 7% do posto de direção – em Hollywood, maior pólo do entretenimento, apenas 4% dos filmes têm diretoras. Além disso, outro dado assustador indica como a cultura sexista persiste e influencia não só atrás das câmeras, como também nas telas: apenas 30% do total de personagens importantes de filmes é composto por mulheres.

Todo o restante das narrativas são conduzidas, encenadas, protagonizadas e decididas por papéis masculinos. “A prova de que estamos, ainda, avançando devagar: essa porcentagem não muda desde 1940”, ressalta a cineasta. Atrizes e diretoras suecas aderiram à campanha e se tornaram alguns dos rostos a defendê-la.

O problema da estatística é que um meio de comunicação tão forte influencia profundamente o imaginário social. “A indústria tem responsabilidade nessa desigualdade. Filmes influenciam pessoas. Por isso, uma cultura conservadora contribui para a lentidão do progresso”, explica Ellen.

E isso alimenta um ciclo: as empresas entregam os filmes que a sociedade aprova. “Muitos grandes estúdios na Suécia admitiram que não consideram fatores sociais nas produções e que seguem o que acham que o público quer ver”, diz.

O que é o A-List?

Para medir a representatividade dos filmes de forma efetiva e palpável, Ellen criou um selo apelidado de “A”, dado às produções que conseguem passar em dois testes muito simples, um que mede a representatividade de gênero e outro, de diversidade racial. Assim, ela criou uma lista de filmes (chamada de “A-List”) e tem trabalhado para que cinemas ao redor do mundo adotem e que as novas produções passem a vir com o selo associado.

A ideia é que o selo seja mostrado, por exemplo, em pôsteres de filmes e que uma chamada seja feita antes da exibição. Além disso, o próprio público também tem papel nessa equação: é possível “reconhecer” filmes que passam na lista e, a partir daí, também espalhá-lo em círculos pessoais e profissionais.  

Aliás, para Ellen, a conscientização do público sobre os problemas de representatividade é essencial para que a ideia ganhe cada vez mais força.

“Acho que a consciência é o primeiro passo para mudança. Queremos apontar os problemas para que o público e a indústria os enxerguem e entendam a importância de resolvê-los. Comecei a campanha justamente para aumentar a atenção das pessoas à discriminação”, afirma.

Os filmes que você assiste passariam nesses testes? Conheça e veja como fazer.

Como saber se um filme é “A-List”

Teste de Bechdel-Wallace

Foi criado em 1985 pela cartunista norte-americana Alison Bechdel e sua amiga Liz Wallace. A ideia de Bechdel é levantar o questionamento sobre como as mulheres são tratadas nas mídias de entretenimento e mede, de forma precisa, a representatividade de gênero nas produções.

1- Existem pelo menos duas personagens femininas com nomes próprios?
2- Elas conversam entre si?
3- Sobre qualquer assunto que não seja um homem (nem nada relacionado a um papel masculino)?

Se em algum momento a resposta for “não”, vale analisar que tipo de papel as mulheres exercem na produção: elas são pontos de apoio para protagonistas masculinos? São interesses amorosos – ou ainda “ manic pixie dream girls”?

Teste de Chavez Perez

Já o teste criado pelo jornalista e escritor sueco Inti Chavez Perez tem o intuito de medir a diversidade racial nos filmes e também funciona de maneira simples:

1- Existem pelo menos dois personagens que não sejam brancos?
2- Que conversem entre eles?
3 – Sobre algo que não envolva crimes?

Respostas negativas também levantam questões sobre o “embranquecimento” no cinema. Recentemente, o filme “Ghost in the Shell – A Vigilante do Amanhã” foi alvo de críticas. Na adaptação para o cinema, a obra japonesa perdeu praticamente todos os personagens orientais, que foram interpretados por artistas brancos, inclusive a protagonista de Scarlet Johansson.

Quem aderiu ao A-List

Uma série de países já se engajou na campanha da “A-List”; além dos cinemas suecos, China, Itália, França, Canadá e Reino Unido começaram se movimentar para aplicar o selo nas produções nacionais. O Brasil também faz parte desse time.

Recentemente, Ellen esteve aqui para divulgar o selo. “A ANCINE [Agência Nacional de Cinema do Brasil] tem ajudado a promover a discussão, ao mesmo tempo em que percebi também produções independentes fortalecendo. Tenho muito interesse em acompanhar o desenvolvimento do cinema brasileiro nos próximos anos”, comenta Ellen.

Recomendações: filmes aprovados pelo A-List

Por fim, pedimos que a cineasta indicasse alguns filmes que passassem nos testes.  “Cinema, para mim, é algo muito pessoal. Mas existem alguns filmes da ‘A-List’ que acho particularmente magníficos”, explicou. E tem produção brasileira no meio! Veja a lista:

  • “Aquarius” (2016, Brasil)
  • “Estrelas Além do Tempo” (2017, Estados Unidos)
  • “Garotas” (2015, França)
  • “Cinco Graças” (2015, Turquia)
  • “Sámi Blood” (2016, Suécia)

Cinema e causas sociais

Compartilhar

Mais conteúdo de interesse