null: nullpx
deus-Mulher

Afinal, quem escreveu a Bíblia? Entenda de onde surgiu o livro mais famoso do mundo

Publicado 3 Mai 2017 – 09:30 AM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:14 AM EDT
Compartilhar

O livro mais famoso da história da humanidade não tem um só autor. Na verdade, é impreciso até hoje definir quantos eles são e, sobretudo, quem escreveu os textos canônicos - termo para definir as escrituras sagradas que integram a Bíblia da Igreja Apostólica Romana. Até a data dos primeiros textos está em em aberto: hoje, acredita-se que são do século 6 a.C.

Não é novidade dizer que a Bíblia católica é o livro mais vendido de todos os tempos, mas ainda assim os números impressionam. De acordo com o Livro Guinness dos Recordes, as estimativas mais recentes afirmam que mais de 5 bilhões de exemplares foram impressos nos dois últimos séculos. As Sociedades Bíblicas Unidas atestam que o livro já foi traduzido para pelo menos 2.450 idioma e dialetos. Em português, a primeira versão data de 1.748, traduzida do latim por João Ferreira de Almeida.

A versão final da Bíblia como conhecemos é um conjunto de textos do Antigo Testamento (que é basicamente o livro sagrado do judaísmo, no qual é chamado de Tanakh) e do Novo Testamento. O Novo Testamento conta o que os cristãos acreditam ser a vida do messias na Terra, Jesus Cristo.

Como surgiu o Novo Testamento? 

O ano zero da Bíblia e de nosso calendário é o ano de nascimento de Jesus Cristo, na cidade de Nazaré, em Israel, segundo os textos sagrados. A morte e a ressurreição do profeta teriam acontecido no ano 33 d.C., ou seja, quando Jesus tinha 33 anos.

Nos textos bíblicos, contudo, não há nenhum autor que tenha testemunhado com seus próprios olhos a vida de Cristo. A referência mais próxima ao período em que Jesus viveu são as cartas de Paulo, escritas no fim dos anos 40 d.C.

Andre Chevitarese, professor do Instituto de História da UFRJ e autor do livro Jesus Histórico, uma Brevíssima História, explica que não há testemunhos oculares sobre Jesus, mas, sim, experiências coletivas sobre relatos em relação ao profeta cristão. “Foram textos produzidos por cristãos e que trabalham com tradições fidedignas ou não”, explica. “Eram relatos orais ou a experiência de comunidade, que refletia e pensava a figura de Jesus. Não são palavras associadas a ele em si”.

Os textos relacionados a Jesus Cristo foram majoritariamente escritos em grego, e não em hebraico ou aramaico, línguas que dominaram o Antigo Testamento e que eram o idioma da região onde ele viveu. A história da vida de Jesus começou a ser escrita somente um século após seu nascimento.

“Se pensarmos na dimensão do Império Romano, Jesus vivia na periferia da periferia, em uma província judaica de língua aramaica”, explica o pesquisador. Como foi uma liderança campesina, inclusive, condenado à morte pelo próprio Império, os relatos, mitos e mensagens sobre sua figura foram espalhados de forma desordenada entre diversas comunidades até serem incorporadas pelo regime.

Cartas escritas por Paulo

As epístolas de Paulo são os textos mais antigos presentes no Novo Testamento. São, inclusive, os únicos textos escritos de fato pelo autor creditado. Na Bíblia, são encontradas sete cartas autênticas de São Paulo, embora ele tenha produzido mais de dezenas de cartas.

Destes textos de Paulo, há confirmação histórica de serem de sua autoria, escritos entre o fim dos anos 40 d.C. e os anos 50 d.C. É considerado um cristão de segunda geração, que trata da figura de Jesus sem alguns dos elementos que o caracterizam nos Evangelhos.

“Nos textos de Paulo não há Judas, nem sua traição. Também não há registros de milagres em suas cartas. Essa tradição está ligada aos primeiros evangelistas”, relata o professor da UFRJ.

Alguns autores, como o norte-americano David Fitzgerald, tomam as cartas paulinas como evidência de que Jesus nunca existiu. Para os negacionistas de Jesus, nos textos de Paulo, o messias é tratado como uma figura celestial e não como um ser de carne e osso.

O professor Padre Boris A. Nef Ulloa, do departamento de teologia da PUC-SP, rechaça esse tipo de interpretação. “Um dos problemas é quando se desconsidera o contexto em que surgiu o texto. Isso determina interpreta pseudointerpretação”, entende.

Quem escreveu os evangelhos?

Os textos dos quatro evangelhos que estão no Novo Testamento (Mateus, Marcos, Lucas e João) foram escritos mais de 100 anos após o nascimento de Jesus. Estima-se que a forma final dos evangelhos date do terceiro século, apenas.

“O evento histórico é Jesus de Nazaré. A primeira e a segunda tradição cristã contaram sua história de maneira oral até se tornarem escritos, já no século dois”, explica Padre Boris. “Então, para ratificar a tradição, se atribuiu os textos aos personagens cristãos do primeiro século”.

Isso significa que os textos creditados a Mateus e João (discípulos diretos de Cristo) e a Marcos e Lucas (discípulos dos discípulos) não foram escritos por eles, mas eram transmitidos oralmente como relatos originados a partir deles.

Os textos originais dos evangelhos nunca foram encontrados. A versão consagrada como texto sagrado já é um livro bastante editado ao longo dos séculos. “Os copistas mudavam muito os textos. Todas as palavras foram escolhidas cuidadosamente, para cada uma delas, outras 40 foram pensadas”, afirma Chevitarese.

Critérios de inclusão de textos no Novo Testamento

A estrutura da Bíblia católica como conhecemos hoje tomou forma no século quatro. Coincide com o momento histórico em que o cristianismo foi autorizado e, posteriormente, incorporado ao Império Romano como religião oficial.

A primeira organização bíblica do Novo Testamento data de 180, quando o teólogo Irineu de Lyon (ou Santo Irineu) escreveu a obra Contra Heresias. É o primeiro momento no qual um intelectual concentra esforços em materiais cristãos para definir quais eram os textos verdadeiros sobre Jesus. Foi ele quem conferiu as autorias aos evangelhos.

“O critério é que no centro das narrativas precisa estar a primordial ideia de que Jesus morre e posteriormente renasce. São textos que precisam trabalhar a ideia de ter a figura da Igreja como intermediária entre Cristo no céu e os fieis”, explica o professor da UFRJ.

O professor da PUC-SP expõe os critérios atestados pela Igreja Católica. “Foi considerado aquilo que foi revelado pelo Espírito Santo. Precisava haver múltipla testação (versões aceitas em diversas comunidades), precisava estar ligado a uma tradição apostólica e não poderia apresentar nenhum elemento que contradissesse revelações prévias”, conta.

Antigo Testamento 

Não há precisão para determinar qual o primeiro texto bíblico escrito. Pensava-se que os primeiros livros eram até de 13 séculos antes de Cristo, mas, hoje, a tese mais aceita é de que foram todos registrados entre os séculos 6 a.C. e 1 a.C. Em volume, é a maior parte da Bíblia católica.

Primeiros textos

No Antigo Testamento, são identificadas três diferentes línguas: hebraico, aramaico e grego, sobretudo as duas primeiras. “Os textos judaicos selecionados para o Antigo Testamento seguiam a orientação de Jerusalém como centro da religião, e um diferencial era ser escrito nestas línguas, consideradas sagradas”, explica Chevitarese.

O processo de formação do Antigo Testamento é ainda mais complexo. Trata de tradições orais que datam de até mil anos antes do nascimento de Cristo, e, depois de escritos, os textos passaram por diversas transformações.

“Um exemplo é o Templo de Salomão, cujo evento é de 900 a.C., mas foi escrito somente entre 500 e 400 a.C. Ou mesmo os salmos, que eram cantados nos cultos como uma tradição ritualística. Estes cantos podem ter ficado mais de oito séculos apenas na tradição oral”, revela Padre Boris.

Escavações encontram textos mais antigos

Escavações para encontrar os textos originais seguem até hoje. Nenhum evento, contudo, foi mais importante para a história da Bíblia do que a descoberta dos manuscritos do Mar Morto. Em 1947, e até meados da década de 1950, centenas de fragmentos foram encontrados nas cavernas de Qumran, na Cisjordânia.

Tais fragmentos são os registros mais antigos já encontrados em relação a textos sagrados. Estima-se que foram escritos entre o século 2 a.C. e até 70 d.C., e seus autores originais ainda não foram descobertos.

“As escavações continuam, são importantes, mas caso se encontre novos textos, eles não serão incorporados à Bíblia. Acredita-se que os livros sagrados devem apresentar apenas o necessário para levar ao caminho da salvação”, conclui Padre Boris.

Diferença da Bíblia e outros textos sagrados

A Bíblia da Igreja Católica tem um equivalente na Igreja Ortodoxa e nas religiões protestantes. São todos cristãos, mas que diferem na quantidade de livros no Antigo Testamento: a Bíblia católica tem 46 livros, a protestante, 39 livros, e a ortodoxa, 51 livros.

O Tanakh é o texto sagrado para o judaísmo. São 39 livros que compõem o Antigo Testamento cristão. Não incorporam o Novo Testamento porque ainda aguardam a chegada do profeta, não podendo, portanto, aceitar Jesus como tal.

Na religião muçulmana, o livro sagrado se chama Alcorão. Trata-se do texto que o profeta islâmico Maomé recebeu diretamente de Deus por 23 anos no século 7 d.C. As palavras de Maomé se mantiveram na tradição oral e em fragmentos até o século 10 d.C., quando todo o conteúdo foi compilado.

Curiosidades da Bíblia

Compartilhar
RELACIONADO:deus-Mulherjesus-Mulher

Mais conteúdo de interesse