null: nullpx
dermatologia-Mulher

Única médica especialista em pele negra do país teve de fazer testes em si para estudar

Publicado 12 Jul 2016 – 04:45 PM EDT | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
Compartilhar

Por ter mais melanina, a pele negra mancha com mais facilidade. Ela também costuma ser mais oleosa e nem todo tipo de laser para depilação funciona bem. A foliculite é uma tendência natural, a estria aparece mais e a vitamina D é menos absorvida. Esse é apenas o começo de uma lista de acometimentos dermatológicos comuns e peculiares deste tipo de pele. Soma-se a isso o fato de 54% da população brasileira se considerar negra ou "parda", segundo o IBGE. É de se admirar, portanto, o fato de haver no país apenas uma única dermatologista especializada em tratar peles negras.

A dermatologista Katleen da Cruz Conceição, que atualmente chefia o setor de pele negra da clínica dermatológica Paula Belloti e o ambulatório de pele negra da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, e que é negra, conta que passou a tratar este tipo de pele depois que seus colegas brancos julgaram que “já que ela é negra, sabe como tratar a pele dessa cor” e passaram a lhe encaminhar pacientes.

A opção por atender aqueles que “ninguém queria”, como ela mesma diz, rendeu bons frutos e hoje ela é uma profissional de renome, famosa por atender aqueles que todos querem: os artistas - no caso, os negros. Conversamos com ela para entender os desafios, as vantagens e as desvantagens de ser a única de sua especialidade.

Única dermatologista especialista em peles negras no Brasil 

Foi a influência diária do pai, João Paulo, que fez com que Katleen seguisse os passos para se tornar médica, como ele. Durante a faculdade, ela queria ser pediatra. Mas, depois de um plantão sozinha com centenas de crianças, os planos mudaram.

Familiarizada com as doenças de pele das crianças, que acontecem muito, ela escolheu seguir também a especialidade do pai, a dermatologia. Mas avisa que não foi por causa da estética, mas sim pela paixão pelas doenças.

Dali para frente, seguiram-se estágios, cursos e, depois de um sonoro “não” de seu pai quando ela lhe perguntou se poderia trabalhar com ele, foram sete anos de trabalho como dermatologista no Exército. Até que ele a convidou, finalmente, para atender em sua clínica. Acostumada à gravidade de um hospital, Katleen “não sabia fazer nem um botox”, como ela mesma diz.

Rejeição pela comunidade científica

Já dermatologista experiente nas doenças, Katleen foi estudar medicina estética para aprender a lidar com aquilo que antes considerava supérfluo. Passou, então, a fazer atendimento ambulatorial e, por ser negra, percebeu que os colegas passaram a encaminhar para ela os pacientes negros, “afinal, ela tem pele negra, deve saber tratar”.

Nos livros e apostilas que ensinavam a cuidar dos diferentes tipos de pele, a regra era a pele branca, e a pele negra, a exceção. “Para conseguir ajustar fórmulas e laser aos meus pacientes, eu testava, e queimava, na minha própria pele”, ela conta.

“Eu ia para os congressos e perguntava: 'e se meu paciente for negro?'. E ouvia que o tratamento era muito caro para eles”. “Eles” supostamente não dariam dinheiro como os brancos, esses, sim, endinheirados e, por isso, amplamente estudados pela medicina dermatológica. “Mas eu sei que, independente de ter dinheiro ou não, todo mundo procura o melhor para si. Eu sempre juntei dinheiro para comprar as coisas que eu queria, de qualidade. Quem trabalha, sua para ganhar dinheiro, quer pelo menos conquistar seu bem-estar”, diz Katleen.

A limitação, segundo a dermatologista, está também em produtos mais superficiais, como bases para maquiagem. “Existem 35 tonalidades de pele negra e não existem bases que se ajustem a todas elas, assim como não existe para a pele branca mais avermelhada, por exemplo. O Brasil tem que começar a pensar em etnias de uma forma mais ampla”, conta, revelando uma fragilidade em enxergarmos fora do padrão.

“Eu não teria sucesso se não representasse a minha raça” 

Aos 36 anos, quando pela primeira vez foi aos Estados Unidos para participar de um congresso médico, Katleen notou que não era a única: havia, sim, muitos outros médicos negros e inclusive fóruns específicos para falar só sobre a pele negra. Foi então que ela viu que “isso de fato existia” e decidiu que dedicaria seus estudos a essa especialização. “Eu peguei aquilo que ninguém queria, ninguém acreditava no paciente negro, e hoje as pessoas dizem que eu peguei essa parte do mercado”.

Para ela, existem poucos profissionais que se propuseram a cuidar da pele negra de uma forma natural, como ela. “Eu não teria sucesso se não representasse a minha raça”, conta a dermatologista, que tem como um de seus principais motivadores a filha, de 9 anos, e o desejo que ela sinta sempre orgulho da própria pele.

De lá para cá, ela ficou famosa e se tornou a dermatologista queridinha de vários famosos negros. A mãe da atriz Taís Araújo, Mercedes Araújo, considerada uma madrinha por Katleen, foi sua paciente e primeiro vínculo com as celebridades. A própria Taís e seu marido, o ator Lázaro Ramos, logo se tornaram clientes também. A cantora Preta Gil, as atrizes Isabel Fillardis e Cris Vianna e o cantor Thiaguinho são mais alguns que fazem parte da extensa lista de pacientes conhecidos.

Apesar da notoriedade, ela diz que continua uma pessoa simples, muito acessível pelas suas redes sociais e pela internet, e que as pessoas ainda se surpreendem com a “doutora negra” quando entram na sala de consulta. A sala de espera no bairro do Leblon, zona nobre do Rio de Janeiro, por sua vez, chama atenção pela quantidade de pessoas negras que, afinal, querem pagar pelo bem-estar, pela beleza e pela saúde.

“Foi uma briga que eu comprei contra o preconceito e que a Dra. Paula [chefe da clínica onde trabalha] comprou comigo”, conta. O resultado de suas escolhas, antes desafiadoras, é o acolhimento de pessoas que por muito tempo foram deixadas de lado e a agenda sempre cheia de trabalho. “Hoje, para mim, não existe crise econômica”, finaliza.  

Compartilhar

Mais conteúdo de interesse