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Era dos antibióticos está chegando ao fim: o que faremos quando eles acabarem?

Publicado 22 Jun 2017 – 11:00 AM EDT | Atualizado 15 Mar 2018 – 05:09 PM EDT
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A era dos antibióticos chegou ao fim. Pode parecer uma afirmação alarmista, mas a hipótese ganha cada vez mais força entre médicos e cientistas e até já é um alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS): na corrida contra as bactérias, os antibióticos já têm sua derrota decretada para as próximas três décadas. E quem mais perde com isso somos nós.

De acordo com a entidade da União das Nações Unidas para a saúde, a resistência bacteriana aos antibióticos já é uma ameaça global. A OMS calcula que, se não ocorrer nenhuma mudança nos padrões de administração de antibióticos e o desenvolvimento da resistência das bactérias for estável, até 2050 mais de 10 milhões de pessoas terão morrido por conta disso.

O relatório da entidade afirma que doenças como tuberculose e malária já têm status de urgência, pois estão fora do alcance dos antibióticos conhecidos até hoje. Nos Estados Unidos, o Center for Disease Control and Prevetion (CDC) informa que todos os anos aproximadamente 2 milhões de norte-americanos são infectados por bactérias resistentes a antibióticos e 23 mil deles morrem em decorrência - na União Europeia, são 25 mil mortes anuais.

“Hoje existe, sim, uso excessivo de antibióticos”, afirma Ana Gales, coordenadora do Comitê de Resistência Antimicrobiana da Sociedade Brasileira de Infectologia. “Não é exagero e nem alarmismo. É um problema de saúde pública mundial”, corrobora Natalia Pasternak, pesquisadora do departamento de bacteriologia molecular do ICB-USP.

Antibiótico: usamos mal esse importante remédio

Basicamente, a função do antibiótico é matar a bactéria. Quando você vai ao médico ou à médica e recebe a receita para tomar este tipo de remédio significa que supostamente há uma infecção bacteriana em seu corpo que precisa ser combatida com uma ação bactericida. Pelo menos, é assim que deveria ser.

“Geralmente, nós, médicos, usamos diagnóstico sem os melhores métodos e, portanto, é difícil saber se há uma infecção geral ou uma bacteriana. Por exemplo, sem os métodos clínicos adequados, uma dor de cabeça pode ser sintoma para resfriado ou para meningite”, relata Ana Gades. “Então, muitas vezes é prescrito uso de antibióticos para infecções virais, que passam”. A OMS recomenda prescrição de antibióticos a, no máximo, 30% dos pacientes em hospitais.

O relatório da OMS mostra como o uso deste recurso como primeira ação de tratamento é recorrente. O levantamento realizado em 12 países mostra que 65% das pessoas relatou uso de antibióticos nos seis meses anteriores à pesquisa, sendo que 35% administraram o remédio no mês anterior. O relatório tem duas curiosidades: o uso é mais comum em países pobres que em países ricos (42% contra 29%) e entre pacientes mais jovens do que idosos (37%, entre 16 e 24 anos; 24%, 65 anos ou mais).

Como antibiótico é feito

Antibióticos são remédios completamente naturais, acrescidos de elementos usados para estabilizar e conservá-los. A fabricação da substância requer necessariamente uma bactéria ou um fungo: são eles que vão produzir os elementos que matam a bactéria alvo. É verdade que hoje já são comuns os antibióticos sintéticos, feitos do zero no laboratório, mas ainda são uma parcela pequena diante da produção em massa do remédio.

O antibiótico natural é produzido a partir de uma bactéria ou um fungo, que são isolados em laboratório e produzem substâncias secundárias a seu metabolismo. Essas substâncias agem sobre outras bactérias, impedindo o crescimento de sua colônia e, se exitosa, eliminando-as por completo. Essa substância é sintetizada e reproduzida em escala industrial.

Guerra entre bactérias e antibióticos

O responsável pela chegada dos antibióticos ao mundo é o infectologista Alexander Flaming, com a cooperação dos cientistas Howard Fleorey e Ernst Chain, que transformaram a descoberta do escocês em um remédio pronto para o uso humano. O trio levou o Prêmio Nobel de Medicina em 1945.

A descoberta, contudo, ocorreu quase duas décadas antes, em 1928. E com um quê de sorte. Ficou para a história a versão de que, ao voltar de férias, Flaming teria encontrado sua amostra de culturas de estafilococos esquecida sobre sua mesa de trabalho. Notou que as placas estavam tomadas por um fungo, sendo que em uma delas, as bactérias haviam sido dizimadas.

Identificou-se, portanto, a ação bactericida específica deste fungo, que pertencia ao gênero penicilium. Por isso foi dado o nome de penicilina ao primeiro antibiótico desenvolvido. A produção da droga em si foi se desenvolver com Fleorey e Chain em 1940, com o objetivo de diminuir a quantidade de mortes na Segunda Guerra Mundial. Em 1941, os efeitos da penicilina foram comprovados e seu uso autorizado clinicamente.

Desde aquela época, as bactérias e os antibióticos se revezam na liderança da corrida pela sobrevivência. Até os anos 1980, havia convicção de que venceríamos a disputa e que as bactérias em breve seriam administradas pelo homem. Hoje, a certeza é oposta: nada que possamos fazer será capaz de impedir a resistência das bactérias. A melhor forma de impedir seu super desenvolvimento é uma só: reduzir drasticamente o consumo de antibióticos.

“As bactérias estão há mais de 3 bilhões de anos na Terra. Elas são muito adaptáveis e não vão acabar, pelo contrário, vão se fortalecer”, conjectura Ana Gales. Estruturas unicelulares, as bactérias foram a primeira forma de vida a brotar em nosso planeta - cientistas acreditam que surgiram entre 3,6 bilhões e 4,2 bilhões de anos atrás. Ainda hoje, são responsáveis por 50% da biomassa terrestre.

“No processo evolutivo, as bactérias trocam informações genéticas e se tornam mais resistentes e mais fortes. E se espalham muito rápido”, explica Natalia Pasternak. É o caso da bactéria descrita pelos cientistas norte-americanos e chineses: foi detectada uma mutação em uma espécie da bactéria Escherichia coli que a tornou imune a qualquer tipo de antibiótico já produzido pelo homem.

Há alguma saída?

Superantibiótico como resposta

Um novo elemento pode dar esperança na forma como enfrentaremos as bactérias nas próximas décadas. Trata-se do superantibiótico vancomicina 3.0, uma variação do já potente vancomicina 1.0. A equipe que desenvolveu a droga, do Scripps Research Institute, nos EUA, afirma que esse antibiótico é até 25 mil vezes mais potente que seu antecessor.

O vancomicina 3.0 é uma droga 100% sintética e que é capaz de matar as bactérias de três modos diferentes - se ela sobrevive ao primeiro ataque, está mais enfraquecida para o segundo e, no máximo, é abatida no terceiro. "Os organismos não podem trabalhar simultaneamente para encontrar um caminho ao redor de três mecanismos de ação independentes. Mesmo que eles encontraram uma solução para um desses, os organismos ainda serão mortos pelos outros dois", afirmou Dale Boger, um dos líderes do projeto, na apresentação oficial do remédio.

Natalia Pasternak reconhece a importância da descoberta, mas com ressalvas. “É o primeiro completamente sintético, um grande avanço e muito promissor”, diz. “Temos que pensar em outras maneiras de lidar com infecção, hoje sabemos que em dois anos uma bactéria já tem resistência sobre um antibiótico convencional”, completa.

Vírus que matam bactérias

Outra aposta da indústria farmacêutica é, através da engenharia genética,conseguir que vírus matem bactérias. O que os cientistas fazem é programar o vírus para atuar sobre o sistema CRISPR, presente no sistema imunológico bacteriano. Essa parte do DNA se volta contra as bactérias, matando-as.   

As pesquisas sobre capacidade viral contra bactérias ainda são iniciais, mas os pesquisadores tiveram sucesso ao usá-la para salvar camundongos de laboratório de uma infecção resistente a antibióticos. 

Comida: precisa haver mudança

É claro que reduzir o consumo de antibióticos sem necessidade é algo fundamental para frear o desenvolvimento das superbactérias. Mas o grande problema vive mesmo na indústria da alimentação: a administração dos remédios em larga escala na criação de animais e no cultivo da agricultura é o maior responsável pelo quadro atual.

“Providências individuais são importantes, mas muito pequenas. É preciso haver campanhas globais que envolvam médicos e cientistas e, sobretudo, um plano para o agronegócio e para pecuária”, afirma a bacteriologista.

“Hoje, 70% do uso inadequado de antibióticos não é em humanos, mas no uso veterinário. As criações de frango, boi e porco são expostas a dosagens permanentes da droga para prevenir infecções e para promover o crescimento”, informa Ana Gales. “E há pulverização de antibióticos em frutas e vegetais também”, completa. Ou seja, para aumentar a rentabilidade e reduzir os riscos de produção, usa-se antibióticos de maneira ostensiva.

É natural pensar que ao cozinhar a carne ou os legumes e verduras você está livre das bactérias, afinal elas não resistem a altas temperaturas. Mas não é bem assim. Em todo processo de manuseio dos alimentos, as bactérias contaminam cada material que tocam: roupas, mãos, utensílios de cozinha, entre outros.

Pior ainda é a contaminação residual deixada pelo caminho: quando animais ingerem grande quantidade de antibióticos, suas bactérias super resistentes ficam não só em suas carnes, mas são expelidas em fezes e urina, que ou são utilizados como adubo natural ou despejados na natureza. E tal qual ocorre quando vegetais ou águas nas quais peixes são criadas, a contaminação permeia o solo e pode atingir até o lençol freático.

Especialistas alertam que é necessário e urgente a regulamentação do uso de antibióticos para pecuária e agronegócio, e há pressão da OMS para que o G20, grupo dos 20 países mais ricos do mundo, instaure normas a respeito. “É preciso que ocorra em escala global. O avanço das bactérias não vê fronteiras entre países”, afirma Natalia.

O que nós, indivíduos, podemos fazer

Como sociedade, é importante pressionar órgãos reguladores para aplicar políticas mais restritas em relação ao uso de antibióticos na indústria alimentícia e, também, aumentar seu poder de fiscalização. E também instalar campanhas públicas para educar a população de que a administração de antibióticos precisa ser controlada.

“As pessoas precisam entender que serão expostas a vírus e terão tosse, dor de barriga, resfriados, é natural. Mas que não dá para prevenir nada disso com uso de antibióticos. E os médicos precisam estar cientes que é sua função convencer o paciente disso”, afirma Ana Gales.

Do ponto de vista particular, o primeiro passo é evitar uso indiscriminado de antibióticos, apenas em episódios em que haja recomendação médica. Além disso, sempre que possível fazer consumo de carnes com certificação de não uso de antibióticos e de vegetais orgânicos - atualmente os preços desses alimentos chegam a ser o dobro dos convencionais.

Como cuidados do dia a dia, deve-se ater a medidas básicas de higiene, por exemplo: lavar as mãos com sabonete constantemente; cozinhar bem carnes; lavar vegetais com substância bactericida; não visitar hospitais se estiver com qualquer tipo de infecção.

Sinal de alerta das bactérias

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