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Por que, de repente, estamos falando sobre suicídio? Razão vai além de série e jogo

Publicado 24 Abr 2017 – 07:26 PM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:23 AM EDT
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O suicídio é um assunto do qual dificilmente falamos. Isso porque, além de traumático, existem estigmas - que só pioram o quadro - envolvidos no ato de tirar a própria vida, por exemplo: o suicida é considerado egoísta, socialmente desajustado ou portador de alguma falha de caráter e o incidente, além de triste, é motivo de vergonha para a família.

Mas, nas últimas semanas, esse cenário mudou um pouco. O silêncio acerca do suicídio se transformou em discussões que mobilizaram boa parte da sociedade. Houve alguns estopins, como o o seriado "13 Reasons Why", que aborda o tema. Mas, certamente, o motivo para estarmos falando tanto sobre isso é bem mais amplo que o programa.

Por que estamos falando sobre suicídio?

Não é de hoje que os números do suicídio são conhecidos e alarmantes. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma pessoa comete suicídio a cada 40 segundos, número que totaliza 804 mil casos por ano - mas é subestimado, uma vez que não considera quem tentou e não "conseguiu" se matar. 

Tamanha "epidemia calada" precisava apenas de um estopim - ou três, aqui no Brasil - para se tornar uma discussão acalorada, como aconteceu nas últimas semanas. É provável que muita gente conviva em silêncio com esse grave sofrimento mental e emocional ou mesmo tenha por perto alguém assim.

13 Reasons Why

A história de uma adolescente que acaba com a própria vida mas deixa fitas cassetes contando os 13 porquês de sua atitude foi um dos principais levantadores do  debate sobre o tema. 

A série da Netflix "13 Reasons Why" causa polêmica por estabelecer dois pontos de vista: por um lado, a série acordou o debate sobre suicídio, o que gerou resultados positivos. Os contatos feitos ao Centro de Valorização da Vida (CVV) - associação brasileira voltada à prevenção do suicídio - aumentaram em 445% após o lançamento da trama. 

Já as críticas se referem à possibilidade de 13 Reasons Why induzir ao suicídio, principalmente pela cena que mostra a morte da personagem principal com detalhes. A teoria tem origem no Efeito Werther, fenômeno que faz referência a um surto de mortes ocorrido após a publicação do livro “Os sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, na Alemanha do século XVIII. Acredita-se que a obra, que termina com o suicídio do protagonista após um amor não correspondido, foi um gatilho para que outras pessoas também colocassem um fim em suas vidas.

Segundo o psiquiatra Luiz Henrique Dieckmann, membro da American Psychiatric Association e profissional da Doctoralia, obras que retratam o tema, violência ou abusos de forma tão explícita podem colaborar com o comportamento suicida apenas em pessoas que já possuam quadros de doenças psiquiátricas. "Quem tem algum distúrbio só pode ver os episódios quando melhorar. É como o pós-operatório de uma cirurgia, não dá para ser operado e sair fazendo musculação", explica.

Baleia azul

Outro motivo pelo qual a temática passou a ser muito falada é o “jogo” da Baleia Azul. Com aparente origem na Rússia, ele é composto por desafios agressivos que acontecem no decorrer de 50 dias e terminam com o suicídio. 

A forma como crianças entram no Blue Whale Game ocorre por convites de pessoas, grupos no Facebook, entre outros. Os cybercriminosos que induzem os indivíduos ao “desafio”, se é assim que algo tão brutal possa ser chamado, também fazem ameaças caso alguém deixe de cumprir as tarefas ou abandone a proposta. 

Segundo o especialista Luiz Henrique Dieckmann, o fato de a adolescência ser uma fase geralmente confusa pode colaborar. "A tentação de participar de algo e ser aceito, a curiosidade por assuntos que não são abordados, a impulsividade maior e a facilidade de acesso à internet tornam o jovem uma presa fácil para a Baleia Azul", ressalta.

De acordo com a Constituição Brasileira, o “curador” que alicia as pessoas ao Blue Whale comete os crimes de associação criminosa, lesão grave, ameaça e homicídio, podendo ser penalizado com mais de 40 anos de prisão.

Surto de suicídio na USP

Outra razão para o assunto emergir é a grande quantidade de casos de suicídio de alunos da Universidade de São Paulo (USP). Apenas neste ano, seis estudantes do quarto ano de Medicina tentaram acabar com suas próprias vidas. 

Acredita-se que o surto é resultado de cansaço mental, cargas horárias extensas, desumanização, estudo de doenças e grupos que excluem alguns alunos.

Para tentar prevenir a tragédia, os muros da universidade foram pintados com frases como “Estamos Juntos” e as redes sociais tiveram publicações especiais com o objetivo de conscientizar os jovens a respeito da rede de apoio à distúrbios emocionais e a necessidade de buscar ajuda. A USP também criou uma linha telefônica que atende estudantes 24 horas por dia para falar sobre depressão e sentimentos.

Mas afinal, devemos falar sobre suicídio?

Sim, devemos! No entanto, é preciso saber como. A informação é a maior arma de prevenção para doenças e fatalidades, e por que seria diferente em relação a se matar?

Segundo Luiz Henrique Junqueira Dieckmann, a discussão sobre o assunto ajuda: "Antes, havia o mito de que não tratar de suicídio com o paciente faria com que ele não pensasse nisso. Hoje, estudos mostram que temos de conversar sobre isso de forma delicada e sem preconceitos, mostrando que é uma solução drástica para um problema temporário, que pode ser superado. Afinal, as pessoas não querem morrer, mas sim parar de sofrer".

O suicídio tem origem em distúrbios psiquiátricos, principalmente na depressão. Neles, o indivíduo se vê sozinho, encarcerado e em saída, como se nada pudesse tirá-lo de tal tristeza profunda e falta de propósito. Mas, há saída. “É perfeitamente possível tratar transtornos mentais por meio de sessões com psicólogo e tratamento com psiquiatra. Contudo, o primeiro passo para melhorar é o diagnóstico”, conta o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, superintendente técnico da Associação Brasileira de Psiquiatria.

O grande problema é que a maioria dos depressivos não sabe que tem a doença e é justamente aí que entra a necessidade de falar sobre transtornos psiquiátricos, automutilação e acabar com a própria vida sem tabus ou estigmas.

Como falar sobre suicídio?

Anualmente, a campanha Setembro Amarelo trata da prevenção à tragédia, o que é ótimo. Contudo, o profissional Luiz Henrique Dieckmann ressalta que estimular a discussão por meio do entretenimento, como em séries, novelas e filmes, também é uma forma válida e até mais atrativa. Mas há limites quanto ao que pode ser veiculado.

"O ideal é não explorar a dor alheia e mostrar que há alternativas para sair daquilo e que devemos estar atentos aos sinais. Colocar debaixo do pano não ajuda em nada, isso vai continuar acontecendo", conta o profissional.

Além disso, o suicídio não deve ser romantizado pela mídia. Representá-lo como um ato de coragem, heroísmo ou desafio é irreal e pode influenciar pacientes com histórico de depressão ou outro transtorno a cometer o ato.

Tratar do assunto com os filhos também é importante, assim como acompanhar ao que eles assistem ou não. Entretanto, o ideal é não proibir e sim ficar junto, debater e evidenciar que aquilo é uma série, pois crianças jovens podem ter dificuldade em separar a ficção da vida real.

Sinais de comportamento suicida

Amigos e parentes têm papel essencial na prevenção, já que estão próximos o suficiente para notar  sintomas de depressão e sinais de comportamento suicida como:

  • Mudanças de comportamento
  • Automutilação
  • Falta de propósito na vida
  • Consumo de álcool ou drogas
  • Abusos, perdas ou traumas anteriores ou recentes
  • Tentativa de suicídio anterior
  • Perda de vínculo com amigos
  • Distanciamento de outras pessoas
  • Agressividade e impulsividade anormal
  • Queda de rendimento escolar ou no trabalho
  • Uso de substâncias ou abuso de álcool mesmo por menores de idade
  • Doação de objetos de valor
  • Tristeza e desânimo muito intensos

Além disso, a presença de frases como “queria dormir para sempre”, “quero desaparecer” ou “você não me merece, estaria melhor sem mim“, além de quaisquer outras que indiquem um quadro depressivo ou suicida devem ser consideradas e nunca ignoradas.

O que fazer?

Onde buscar ajuda?

Por mais difícil que pareça, é perfeitamente possível voltar a ver sentido na vida e ser feliz novamente. O primeiro passo é buscar ajuda de parentes e amigos, expor seus sentimentos e pedir apoio e compreensão. Caso a receba ou não, procure um psiquiatra que poderá diagnosticá-lo e receitar o tratamento mais adequado.

Em momentos de desespero e solidão, há o CVV, uma associação que disponibiliza voluntários para conversar via internet, telefone ou pessoalmente. Para entrar em contato, ligue 141 ou acesse o site do CVV

Como ajudar alguém?

Se perceber sinais de comportamento suicida, depressão ou outro quadro psiquiátrico em alguém, mostre que está disponível para ajudar, demonstrando compreensão e deixando preconceitos de lado.

Explique que a ajuda de um profissional da saúde poderá acabar com a dor e acompanhe o indivíduo até a consulta. Contudo, caso sinta que não há abertura e o risco de suicídio é alto, busque um psiquiatra para analisar a possibilidade tratamento não voluntário.

Outro ponto importante é observar a rotina e atitudes do depressivo, a fim de evitar tentativas de dar fim à vida.

Depressão, suicídio e mais

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