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Por que vítima de assédio não foi à polícia contra Zé Mayer? Não, resposta não é óbvia

Publicado 5 Mai 2017 – 03:44 PM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:11 AM EDT
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Susllem Meneguzzi Tonani, a figurinista da TV Globo que denunciou o ator José Mayer por assédio sexual, depois de um mês de silêncio, voltou a se pronunciar. Desta vez, além de negar boatos, aproveitou para esclarecer o porquê de não ter denunciado legalmente o caso e pediu respeito à sua decisão.

A acusação inicial foi feita através de um texto publicado no blog #AgoraÉQueSãoElas, do jornal Folha de S.Paulo, na madrugada do dia 31 de março. Nele, ela narrou os episódios de assédio com detalhes, contou as medidas que já tinha tomado e fez questionamentos e reflexões importantes.

Depois disso, embora a profissional não tenha mais se pronunciado publicamente, a TV Globo divulgou em nota à imprensa que tinha apurado o caso e que estava tomando as medidas necessárias. A empresa ainda apoiou e endossou o movimento criado por funcionárias e atrizes que pediam o fim do assédio sexual.

O ator José Mayer, depois da repercussão do caso, também se manifestou. Em uma segunda nota pública, ele assumiu que tinha cometido o que chamou de “brincadeiras machistas”, que tinha ultrapassado o limite do respeito, pediu desculpas a Su e a todas as mulheres. Ele aproveitou para fazer um convite às pessoas de sua geração: que questionassem sobre o que é assédio.

Tanto o pronunciamento da emissora, como o do ator, foram lidos para todo o Brasil durante a exibição do "Jornal Nacional", telejornal de maior alcance do País.

Agressões após o esclarecimento do caso

Apesar do agressor assumir sua culpa no caso, da TV Globo pedir desculpas públicas à figurinista, atrizes do grande escalão da emissora criarem uma campanha nacional contra o assédio, mesmo depois de todos esses episódios, a conduta e a moralidade da vítima continuou sendo colocada em xeque.

Os comentários feitos nas redes sociais e por veículos de comunicação insinuavam que sua tentativa era chamar a atenção, sendo que foi noticiado que tudo tinha sido feito após um breve relacionamento extra-conjugal entre a figurinista e o ator.

Su Tonani, como narrou no primeiro texto com a denúncia, se esquivou das investidas, foi clara na sua negativa e chegou a buscar ajuda nos departamentos da empresa para dar fim a situação. Sem respostas e resultados efetivos, ela optou pela exposição pública do caso.

Não bastasse as violências sexual e moral sofridas, mesmo depois de a TV Globo ter apurado os fatos e apoiado Su Tonani e de José Mayer ter reconhecido o erro, ela continuou vítima de julgamentos e descrédito.

Na madrugada do dia 5 de maio, ela resolveu se manifestar novamente. No novo texto, publicado novamente no blog #AgoraÉQueSãoElas, ela negou todas as especulações sobre o caso. “Não, eu não fui amante de José Mayer. Declaro que não fiz acordo com nenhuma parte envolvida e muito menos recebi algum dinheiro. Não fui demitida da Rede Globo. […] Não retirei queixa contra José Mayer pelo simples fato de que nunca a fiz”, escreveu.

Por que Su Tonani não denunciou o assédio na polícia? 

A figurinista ainda aproveitou para explicar o motivo de não ter denunciado o caso à polícia. Durante o último mês, o delegado Rodolfo Waldeck, titular da 32ª Delegacia Policial do Rio de Janeiro, disse que havia intimado a vítima para depor, mas que ela não compareceu. “Dentre as intimações que recebi do delegado havia a informação de que eu estaria cometendo crime de desobediência por não depor. Como, se neste tipo de crime a decisão de abrir um inquérito é exclusiva da vítima? Me sinto interrogada inescrupulosamente. Mesmo sem prestar queixa nenhuma. Quantas vezes terei de pedir para respeitarem o meu não? ”, questionou.

Na publicação, Su deixou claro que, no caso dela, o reconhecimento e a manifestação do ator e o apoio da Rede Globo, que deu visibilidade nacional ao caso e impulsionou mudanças, é muito mais válido do que qualquer inquérito policial. Para ela, a Justiça foi feita, ainda que de outra forma. E para quem a Justiça deve ser feita, afinal, se não para a vítima da violência em questão?

“Sinto que a minha história teve começo, meio e fim. Terminou na terça à noite, 04 de abril de 2017, com um pedido de desculpa da Rede Globo e uma carta de confissão do José Mayer, ambos lidos no Jornal Nacional. Senti que tive a justiça que desejava. Pouco creio que a punição criminal para o meu caso tenha alcance maior que já tivemos. Mais potência. Seja mais transformadora”, colocou.

A profissional, no entanto, reconheceu que sua história é parte de um contexto muito específico. Trabalhando na TV Globo, seu relato teve repercussão nacional e muitas pessoas influentes pressionaram tanto a empresa quanto o assediador a se pronunciarem e a reverem atitudes. Esta, no entanto, não é a realidade da imensa maioria dos casos. É por isso que, embora não tenha feito a denúncia, a figurinista reconhece a importância dos aparatos legais para o combate à naturalização do assédio sexual.

“Em circunstâncias diferentes da minha, é claro que o mais apropriado é um processo criminal e cível. Estimulo, sim, todas as mulheres a levarem seus casos às autoridades, demandarem a devida atenção e buscarem a aplicação da lei. Mas acredito que obtive a justiça que queria e me sinto contemplada”, diz a figurinista.

No contexto geral, é essencial que uma mulher vítima de abuso ou qualquer outro tipo de violência contra a mulher busque os aparatos jurídicos, através das delegacias da mulher, delegacias comuns ou até mesmo do 180, da Secretaria de Políticas Para Mulheres. Isto porque esses são os caminhos existentes até agora para que as autoridades possam enxergar a dimensão do problema (em números e relatos) e combatê-lo, seja punindo o agressor e acolhendo a vítima, seja criando políticas públicas de conscientização e prevenção.

Depois dos esclarecimentos, Su pediu para que, agora, tenha seu silêncio respeitado, porque quer deixar de ser vítima e retomar sua vida sem constrangimento e especulações. “Tive meu desejo desrespeitado uma vez. Isso me fez vítima. Quero deixar de sê-lo e seguir. Será que dessa vez minha vontade será respeitada? O silêncio. É o que eu quero. Não o silenciamento coercitivo. O silêncio que eu escolho. A minha vida de volta. Qualquer versão diferente da que eu emiti neste mesmo blog e da que emito agora é mentirosa. E essas mentiras ferem, não só a mim, mas a todas as mulheres que batalham por sua voz. Queremos falar e calar quando bem entendermos. Nos concedam esse direito” escreveu.

Leia trechos da carta aberta de Su Tonani:

"Não, eu não fui amante de José Mayer.

Declaro que não fiz acordo com nenhuma parte envolvida e muito menos recebi algum dinheiro.

Não fui demitida da Rede Globo. O meu contrato, como o previsto, se encerrou com o final da novela.

Declaro que não retirei queixa contra José Mayer pelo simples fato de que nunca a fiz.

Eu fui vítima de assédio sexual. E agora estou sendo vítima novamente. Das especulações que colocam dúvidas sobre a minha dor. E me fazem revivê-la.

Em 31 março de 2017, depois de oito meses sendo assediada pelo ator José Mayer [...] optei por tornar pública minha denúncia no blog feminista #AgoraÉQueSãoElas. Um espaço que me acolheria.

Mas não pensem que foi uma decisão trivial. Ela foi recheada de medo. Sabe por que dá tanto medo de delatar um abuso?

Porque nossa cultura machista culpa a mulher, a vítima, pela violência vivenciada. [...] essa prática nos desempodera. Nos revitimiza. E neste momento é como me sinto. Me sinto vítima novamente.

Vítima de quem, agora?

Vítima de profissionais exibicionistas. Vítima da narrativa produzida por tabloides irresponsáveis, das versões misóginas da violência que vivi que tornam suspeito meu gesto de denúncia, bem como a sororidade das que me apoiaram. E tenham certeza: estou sendo revitimizada pelo machismo que tenta me enfraquecer, me roubar a coragem de lutar. 

[...]

Dentre as intimações que recebi do delegado havia a informação de que eu estaria cometendo crime de desobediência por não depor. Como se neste tipo de crime a decisão de abrir um inquérito é exclusiva da vitima? Se eu assim quisesse, o ideal não seria uma delegadA? Temos as delegacia de atendimento às mulheres para isso, não?!

Me sinto interrogada inescrupulosamente. Mesmo sem prestar queixa nenhuma. Quantas vezes terei de pedir para respeitarem o meu não? E quantas não se identificarão tristemente e optarão pelo silêncio ao ver o escrutínio sob o qual me vejo agora?

Sinto que a minha história teve começo, meio e fim. Terminou na terça à noite, 04 de abril de 2017, com um pedido de desculpa da Rede Globo e uma carta de confissão do José Mayer, ambos lidos no Jornal Nacional. Senti que tive a justiça que desejava. Pouco creio que a punição criminal para o meu caso tenha alcance maior que já tivemos. Mais potência. Seja mais transformadora.

A clara sensação que tive após a publicação do meu relato, genuinamente acolhido pelas feministas foi: a minha coragem trouxe vida às memórias de abusos enterrados pelas mulheres no fundo do que são. Como já vimos acontecer com o #PrimeiroAssédio. Foi como se meu grito tivesse acordado a dor de outras. Foi como se o meu grito tivesse se tornado o de todas nós. Isso empodera. Mas assusta.

O meu objetivo ao expor a minha historia foi sair da invisibilidade, romper o silenciamento imposto, transcender este lugar de vítima que me era insuportável. Sou apenas uma profissional, que cansada de ser desrespeitada, lutou pelo que acredita.

[...]

Em circunstâncias diferentes da minha, é claro que o mais apropriado é um processo criminal e cível. Estimulo sim, todas as mulheres a levarem seus casos às autoridades, demandarem a devida atenção e buscarem a aplicação da lei. Mas acredito que obtive a justiça que queria e me sinto contemplada. Tive meu desejo desrespeitado uma vez. Isso me fez vítima. Quero deixar de sê-lo e seguir. Será que dessa vez minha vontade será respeitada?

O silêncio. É o que eu quero. Não o silenciamento coercitivo. O silêncio que eu escolho. A minha vida de volta. 

[...]

A minha história é a história de uma mulher jovem que não aceitou o assédio de um homem com mais poder que ela. Neste caso, o ator rico e famoso. 

[...]

Movemos um pouco a estrutura. Agora é segurar o rebite. O revés machista que deseja nos manter nos velhos lugares submissos de sempre. Me sinto vitoriosa. Fizemos grande porque fizemos juntas. Fui ouvida. Fomos. Somos muitas. Demonstramos força. E torço com tudo de mim que saiamos deste ciclo mais confiantes que sim, é possível mudar. Empresas começaram a repensar os protocolos nos casos de assédio. Homens descobriram que o mundo mudou. Falamos de assédio em espaços de poder antes impermeáveis a este debate.

Me orgulho de ter contribuído como pude para isso. E agora quero seguir.

Reservo a mim o direito de encerrar esse assunto. Chego ao final da minha jornada. Estou no limite da minha capacidade emocional de seguir na linha de frente dessa luta. Peço que respeitem os meus limites, violados anteriormente, quando tudo isso começou. Outras podem assumir a frente dessa luta. E eu me comprometo a sempre apoiá-las, assim como fui apoiada por tantas."

Violência contra a mulher

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