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Como projeto para mudar a aposentadoria prejudica a mulher: entenda em detalhes

Publicado 19 Mai 2017 – 03:55 PM EDT | Atualizado 2 Abr 2018 – 09:32 AM EDT
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O texto do projeto de reforma da Previdência foi aprovado na comissão especial da Câmara dos Deputados. A votação no plenário deve acontecer até o fim de maio. Entre as mudanças em relação a proposta apresentada anteriormente estão a que estabelece a idade mínima diferente para homens e mulheres e a que diminui o tempo total de contribuição para ter direito ao benefício integral.

Antes, o projeto previa que homens e mulheres pudessem requerer o direito somente ao completar 65 anos. Agora, mulheres precisam de 62 e homens de 65. A regra de transição também prevê diferentes cálculos de acordo com o gênero. Já o tempo de contribuição para solicitar o benefício integral, que deveria ser de 49 anos, passa a ser, caso o novo texto seja aprovado, de 40 para qualquer pessoa.

Embora divulgadas recentemente e sem ter seus impactos medidos, as alterações tornam as mudanças um pouco menos agressivas do que as da proposta anterior, porque levam em consideração as exigências que especialistas, representantes públicos e a população traziam ao criticar, entre outros pontos polêmicos, a igualdade na idade mínima e no tempo de contribuição para homens e mulheres.

No entanto, a nova proposta ainda segue com falhas e os prejudicados serão justamente a população menos favorecida - as mulheres ainda mais afetadas. De que forma isso acontece? O tempo mínimo de contribuição segue alto (25 anos) e sem diferenciar homens de mulheres. Para ter como viver, muitos brasileiros dependem de subempregos, que estão fora do mercado formal, e não arrecadam a contribuição para a aposentadoria. Mulheres pobres que estão trabalhando no mercado informal ainda vivem a realidade de duplas e triplas jornadas, ganhando menos do que eles, mas tendo que contribuir o mesmo tempo. Grande parte da população brasileira sequer vai conseguir se aposentar.

Como ficou a proposta de reforma da aposentadoria?

Como é hoje

Hoje, existem duas maneiras de um contribuinte em regime comum requerer sua aposentadoria: por idade e por tempo de contribuição.

Idade

  • Mulheres podem solicitar a aposentadoria a partir dos 60 anos desde que tenham contribuído por no mínimo 15 anos.
  • Homens podem solicitar a aposentadoria a partir dos 65 anos desde que tenham contribuído por no mínimo 15 anos.
  • O valor do benefício é determinado pela soma do tempo de contribuição com o número “70” (20 anos de contribuição + 70 = 90% do valor integral).

Tempo de contribuição

  • Mulheres só podem se aposentar ao atingir 30 anos de contribuição (não tem idade mínima).
  • Homens só podem se aposentar ao atingir 35 anos de contribuição (não tem idade mínima).
  • Mulheres só recebem o benefício integral se a soma da idade mais o tempo de contribuição for igual ou superior a 85.
  • Homens só recebem o benefício integral se a soma da idade mais o tempo de contribuição for igual ou superior a 95.

Como ERA a proposta de reforma da Previdência

O antigo texto previa muitas mudanças e tornava o processo assim:

  • Homens e mulheres só poderiam se aposentar ao atingir os 65 anos.
  • O tempo mínimo de contribuição para conseguir a aposentadoria era de 25 anos.
  • O tempo de contribuição para adquirir o direito ao benefício integral era de 49 anos.

Como está o texto que VAI para votação? 

Com as mudanças, o que pode passar a valer são essas regras:

  • Mulheres só podem se aposentar a partir dos 62 anos.
  • Homens só podem se aposentar a partir dos 65 anos.
  • O tempo mínimo de contribuição para conseguir a aposentadoria continua sendo 25 anos.
  • O tempo de contribuição para adquirir o direito ao benefício integral agora é de 40 anos.

Por que homens e mulheres NÃO PODEM ser tratados de maneira igual?

As alterações só reforçam a ideia de que mulheres e homens precisam ter tratamentos diferentes quando o assunto é aposentadoria porque eles NÃO trabalham o mesmo tanto que nós.

Mulheres, no mercado formal, trabalham 138 horas a mais do que os homens POR ANO - com menores salários, piores condições de trabalho, menos oportunidades de emprego e menores chances de crescimento.

Ao chegar em casa, elas ainda são responsáveis por todas as tarefas domésticas e trabalham duas vezes mais que eles. Na prática, isto significa que mulheres, durante toda a vida, mesmo tendo o mesmo tempo de registro em carteira do que os homens, trabalham mais tempo. Exatamente por isso não podem ser tratadas da mesma maneira, ao menos não enquanto o cenário social for este.

Por que homens e mulheres se aposentam com idades diferentes? 

A Previdência Social existe para promover a igualdade entre as pessoas. Quem explica é Amanda Pretzel Claro, advogada trabalhista e sócia do escritório Crivelli Advogados Associados, de São Paulo, e Beatriz Ricci, advogada especialista em direito previdenciário, ambas da Rede Feminista de Juristas. “É um instrumento para não deixar desamparadas as figuras socialmente mais frágeis: os idosos, as pessoas doentes, as pessoas desempregadas”, explicam. Atualmente, são mais de 90 milhões de pessoas beneficiadas.

Embora a diferenciação de idade não tenha surgido levando em consideração o tempo a mais que a mulher trabalha e nem as condições inferiores às quais são submetidas, hoje, ela serve como uma medida reparativa. “Já que trabalham mais, as mulheres devem se aposentar antes”, defendem.

Desigualdades no mercado de trabalho

Polarização das carreiras

Desde a infância, meninas são estimuladas a seguir determinadas carreiras e meninos, outras. Isso é bem evidente nas brincadeiras e se reflete na vida adulta. Psicologia e magistério são “profissões de mulher”. Engenharia e direito são “carreiras para homens”. O resultado dessa construção é que, na maioria das vezes, profissões escolhidas por mulheres são menos valorizadas e mal remuneradas.

Menores salários para as mesmas funções

Atualmente, mulheres ganham 30% a menos que os homens com a mesma idade, mesmo nível de instrução e mesmo cargo. Em algumas áreas a diferença ultrapassa os 60%. Tanto é que o Brasil é um dos países mais atrasados quando o assunto é a superação da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. De uma lista de 142 países, ocupamos o 124º lugar. A situação é ainda pior para a mulher negra, que chega a ganhar 40% menos.

Baixa presença nos cargos de chefia

Além de terem menor acesso à educação, serem estimuladas a escolherem profissões que pagam pouco e ganharem menos em relação aos seus colegas, as mulheres ainda têm muito dificuldade para conquistar cargos de chefia.

No mundo, apenas 5% das empresas tem líderes mulheres, mesmo estudos mostrando que o desempenho de uma empresa melhora com lideranças femininas.

Menores oportunidades de emprego

Ao buscar uma vaga de emprego, mulheres ainda são preteridas em relação aos candidatos homens. Isto porque, como recrutadores afirmam, as empresas associam a elas o tempo da licença-maternidade e o cuidado com os filhos e com a casa, fatores que supostamente impediriam sua dedicação total à corporação.

Dificuldades para se manter empregada

O mesmo pensamento ainda afeta o grupo no momento em que as empresas decidem cortar funcionários. Na hora de escolher, pelos mesmos motivos que dificultam a contratação, elas são demitidas antes que os homens.

Esses dois últimos fatores - menores oportunidades de emprego e maiores chances de ser demitida - afetam diretamente o tempo de contribuição à Previdência Social.

Mulheres trabalham em casa: dupla e tripla jornada

Tarefas domésticas

A responsabilidade sobre as tarefas domésticas ainda recaem sobre as mulheres. Durante uma semana, elas se dedicam 24 horas à casa. Os homens? Menos da metade: 10 horas.

Cuidados com os filhos

Socialmente, é ela quem é cobrada pelo cuidado dos filhos. A maior prova disso é o tempo destinado à licença-paternidade: míseros cinco dias, tempo insuficiente para a criação de vínculo do bebê e divisão das novas tarefas. É a mãe que ainda vai sempre ao médico, leva à escola, lava a roupa, prepara a comida.

É ela também que, para ficar com as crianças, corre o risco de ter que se afastar do mercado de trabalho formal – e assim, consequentemente, parar de contribuir para a própria aposentadoria.

Cuidados com os idosos

Os idosos, outro grupo dependente, também recai sob os cuidados das mulheres. É comum ver noras cuidando de seus sogros e sogras. São as filhas, em sua maioria, que assumem os cuidados dos pais em idade avançada.

“Se eu preciso buscar meus filhos na escola, se eu tenho janta pra fazer sozinha quando chego em casa, não posso participar de reuniões depois do horário de trabalho, não posso sequer cogitar assumir cargos de gestão e subir na minha carreira. A licença-maternidade sem uma licença-paternidade de mesmo prazo para o meu companheiro, considerando relações heterossexuais, é mais uma pecha sobre as mulheres nas empresas onde trabalham. Para superar as desigualdades de trabalho e salário entre mulheres e homens, precisamos falar de superação da divisão sexual do trabalho”, exemplificam as advogadas.

“O dia que tivermos a tranquilidade de dizer que elas disputam os mesmos cargos de chefia, nas mesmas condições, ganham os mesmos salários, não são assediadas, aí tudo bem igualar as idades. Antes disso não. Não podemos aceitar o mito de que a Previdência tem déficit e que as mulheres é que devem pagar por ele. Os dados apontam o contrário”, complementa Davi De Martini Júnior, advogado especialista em direito previdenciário de São José do Rio Preto.

Por que a reforma está sendo proposta?

Além de todos os pontos de alerta para que a reforma não se torne prejudicial para as mulheres, críticos ainda afirmam que, embora mudanças devam existir, elas não devem prejudicar outros grupos socialmente menos favorecidos e nem ser justificadas pelo suposto déficit na Previdência.

De acordo com os criadores e defensores da reforma, a Previdência, ano a ano, fecha com saldo negativo. Ou seja, dá prejuízo aos cofres públicos e, daqui a alguns anos, se tornará insustentável. A mudança, então, serviria supostamente para dar sustentabilidade ao programa.

Os críticos, no entanto, afirmam categoricamente que não há déficit e que o regime de aposentadoria e pensões, sendo ele composto por três tipos de contribuição, chega a ter superávit (ou seja, parte do dinheiro sobra). Como explicam, a resposta está na maneira como os números são avaliados.

Como os três advogados entrevistados pelo Vix explicam, a Previdência Social faz parte de um conjunto de ações chamado de “Seguridade Social”, que tem como objetivo amparar o cidadão e promover o bem de toda a sociedade. Para custear esse conjunto de ações existem três tipos de renda. Além do encargo pago pelo trabalhador (contribuição ao INSS), ele ainda recebe dinheiro vindo de empresas e da própria União (Governo Federal).

“Os partidários da ideia da 'Previdência deficitária' consideram apenas a contribuição de empregados e empregadores nos seus números e ignoram a contribuição da União. Criam um fantasma que precisa ser combatido às custas dos beneficiários, e a sociedade infelizmente compra essa ideia. Considerando todas as fontes de renda da Previdência, ela é superavitária”, explicam Amanda e Beatriz.

“A conta não é feita calculando apenas o que o trabalhador que está na ativa paga para aquele que está aposentado. Se considerarmos apenas esses dois fatores, a conta não fecha em nenhum lugar do mundo. Isso não significa déficit exatamente, porque existem outras fontes”, comenta o advogado.

O debate é tão complexo que até a Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), entidade que reúne as autoridades responsáveis pela administração dos tributos (dinheiro) da União, se pronunciou. Segundo Floriano Martins de Sá Neto, vice-presidente, as áreas de Previdência, Saúde e Assistência Social integram a Seguridade Social e estão cobertas por orçamentos superavitários. “Não há déficit na Previdência, porque ela integra o sistema de Seguridade Social. A proposta de reforma precisa ser mais inclusiva, em prol da justiça social. Não se pode apenas retirar direitos adquiridos”, defende.

Por que ela pode ser prejudicial?

Para Davi, qualquer reforma proposta deve priorizar os grupos mais afetados – e eles são compostos pela população de baixa renda que possui trabalhos com condições precárias. “A maioria da população ganha um salário-mínimo ou algo próximo disso. Mesmo com anos de carreira, ela não tem perspectiva de melhoria. Se tiver que contribuir mais, serão apenas mais anos trabalhando em condições precárias, sem aumentos reais, para, depois, receber o mesmo tanto. Esses são os mais prejudicados. Terão que trabalhar por muito mais tempo sem nenhuma expectativa de melhoria”, explica.

O especialista ainda lembra que as pessoas que ganham salários menores, geralmente são aquelas que estão em subempregos e têm maiores chances de ficarem desempregadas ou fora do mercado de trabalho formal, fatores que, somados, implicam diretamente no tempo de contribuição total.

Para explicitar e deixar bem claro como alguns pontos podem afetar a vida de uma pessoa, o advogado dá um exemplo. “Imagina que uma mulher iniciou sua atividade no meio rural. Ela pode ter começado aos 15 anos. Aos 45, ela já completou 30 anos de serviço. Aos 55 são 40. Ela ainda vai ter que esperar mais 5 ou 10 anos com o mesmo salário, mesmo já tendo trabalhado tantos anos em um emprego que exige tanto do seu corpo”, mostra.

É importante mudar as regras para a aposentadoria?

Embora muitos especialistas e representantes públicos discordem de algumas propostas, é unanimidade que uma reforma que leve em consideração o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, o número de contribuintes e beneficiários e a manutenção da saúde financeira da Previdência, desde que estruturada de maneira a não prejudicar aqueles que já são mais vulneráveis, é mais do que bem-vinda.

“As mudanças devem ocorrer. O que não pode é prejudicar aqueles que já estão contribuindo. Tem segurados que estão perto de se aposentar e por conta da alteração vão ter que trabalhar mais ou vão ter redução no benefício. As mudanças são bem-vindas, mas desde que não retire direitos adquiridos”, defende Davi.

“A reforma da Previdência deve, sim, ser pensada. Não podemos ignorar a transição demográfica, o aumento dos beneficiários em comparação com os contribuintes. Ajustes precisam ser feitos, mas a proposta do governo Temer não é para aperfeiçoar o sistema previdenciário, mas para desmontá-lo. Superaremos problemas orçamentários e da Previdência fazendo a economia crescer – mais gente trabalha, mais gente contribui. O crescimento da economia passa pela redução das taxas de juros, pela revisão da política de isenções fiscais para setores econômicos e famílias de alta renda, isenções que tiram cerca R$ 280 bilhões dos cofres públicos, combate à sonegação de impostos e por uma reforma tributária progressiva. Mas isso mexe nos lucros e nas isenções das elites sociais e econômicas, que são justamente os grandes aliados do governo”, defendem as advogadas.

Reformas do Governo Temer

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