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Acusação de assédio contra José Mayer: Globo diz que apurou e tomará medidas

Publicado 31 Mar 2017 – 03:00 PM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:38 AM EDT
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A figurinista da TV Globo, Susllem Meneguzzi Tonani, de 28 anos, acusa o ator José Mayer de assédio. A profissional, que atualmente trabalha na novela “A Lei do Amor”, divulgou um relato narrando com detalhes os episódios. O conteúdo, escrito em primeira pessoa, foi publicado no blog #AgoraÉQueSãoElas, do jornal Folha de S.Paulo, na madrugada desta sexta-feira (31). No começo do mês de março, colunistas de celebridades já tinham abordado o caso, mas sem identificar os envolvidos.

Su Tonani, como é conhecida, começou o texto dizendo que é “mulher branca, bonita, alta” e seguiu o relato contando quando os assédios começaram, na sua primeira experiência profissional como figurinista assistente, no começo das gravações da novela das nove.

As primeiras abordagens teriam começado com elogios. Com o passar dos dias, ele se intensificaram e passaram a ser desrespeitosos. “Trabalhando de segunda a sábado, lidar com José Mayer era rotineiro. E com ele vinham seus 'elogios'. Do 'como você se veste bem', logo eu estava ouvindo: 'como a sua cintura é fina', 'fico olhando a sua bundinha e imaginando seu peitinho', 'você nunca vai dar para mim?'”, afirma.

Segundo a profissional, essas atitudes permaneceram por meses, mesmo depois de ela ter deixando claro que não queria nenhum tipo de envolvimento e que ele não poderia tocar em seu corpo.

“Disse a ele, com palavras exatas e claras, que não queria, que ele não podia me tocar, que se ele me encostasse a mão eu iria ao RH. Foram meses saindo de perto. Uma vez lhe disse: 'Você é mais velho que o meu pai. Você tem uma filha da minha idade. Você gostaria que alguém tratasse assim a sua filha?'”, relata.

Mas, como relata, seu posicionamento não foi o suficiente. Em fevereiro, dentro do camarim, na frente de outras profissionais, José Mayer colocou a mão na genitália dela. “Sim, ele colocou a mão na minha b*** e ainda disse que esse era seu desejo antigo. […] Eu me vi só, desprotegida, encurralada, ridicularizada, inferiorizada, invisível. Senti desespero, nojo, arrependimento de estar ali”, afirma.

Susllem continuou trabalhando, mas evitando se encontrar com o ator. “Eu imaginava que, depois da mão na b***, nada de pior poderia acontecer”, comenta.

Mas o contato não pôde ser evitado para sempre. “Nos vimos, ele e eu, num set de filmagem com 30 pessoas. Ele no centro, sob os refletores, no cenário, câmeras apontadas para si, prestes a dizer seu texto de protagonista”. Neste momento, como relata, José Mayer ameaçou tocar de novo em seu corpo caso ela seguisse sem falar com ele. Ela não ficou quieta, respondeu e, em seguida, foi chamada de “vaca”.

Nesse momento, ela decidiu tomar providências. “Fui ao RH. Liguei para a ouvidoria. Fui ao departamento que cuida dos atores. Acessei todas as pessoas, todas as instâncias, contei sobre o assédio moral e sexual que há meses eu vinha sofrendo. Contei que tudo escalou e eu não conseguia encontrar mais motivos, forças para estar ali. A empresa reconheceu a gravidade do acontecimento e prometeu tomar as medidas necessárias.”, conta.

Na manhã do dia 31/03 o conteúdo do blog #AgoraÉQueSãoElas saiu do ar. No site, o jornal Folha de S.Paulo emitiu uma nota:

Comunicado publicado no site do jornal Folha de S.Paulo:

"A Folha retirou do ar texto publicado nesta sexta (31), no blog #AgoraÉQueSãoElas, que continha acusações contra o ator José Mayer. A publicação foi retirada do ar porque desrespeitou o princípio editorial da Folha de só publicar acusação após ouvir e registrar os argumentos da parte acusada. Tão logo esse defeito seja sanado, o texto voltará ao ar, com o devido espaço para o contraditório. O conteúdo permanecerá fora do ar até que o ator ou sua defesa se manifeste sobre a acusação".

A reportagem do Vix entrou em contato com a Comunicação da Globo, que emitiu nota oficial sobre o posicionamento da emissora. O artista ainda não se pronunciou até o fechamento da matéria.

Leia nota oficial emitida pela Globo nesta sexta-feira (31):

"A Globo repudia toda e qualquer forma de desrespeito, violência ou preconceito. E zela para que as relações entre funcionários e colaboradores da emissora se deem em um ambiente de harmonia e colaboração, de acordo com o Código de Ética e Conduta do Grupo Globo. Todas as questões são apuradas com rigor, ouvidos todos os envolvidos, em busca da verdade. Desta forma e tendo o respeito como um valor inegociável da empresa, esse assunto foi apurado e as medidas necessárias estão sendo tomadas. A Globo não comenta assuntos internos".

José Mayer se pronuncia sobre denúncia

Procurado pela Folha, José Mayer respondeu às acusações no final da tarde de hoje.

“Respeito muito as mulheres, meus companheiros e o meu ambiente de trabalho e peço a todos que não misturem ficção com realidade. As palavras e atitudes que me atribuíram são próprias do machismo e da misoginia de Tião Bezerra [personagem que ele interpreta na novela “A Lei do Amor”], não são minhas. Nesses 49 anos trabalhando como ator sempre busquei e encontrei respeito e confiança em todos que trabalham comigo”, declarou.

Vix divulga aqui o relato completo, que foi retirado do ar pela Folha na manhã desta sexta.

Veja a íntegra:

31/03/2017

00:45

Eu, Susllem Meneguzzi Tonani, fui assediada por José Mayer Drumond. Tenho 28 anos, sou uma mulher branca, bonita, alta. Há cinco anos vim morar no Rio de Janeiro, em busca do meu sonho: ser figurinista.

Qual mulher nunca levou uma cantada? Qual mulher nunca foi oprimida a rotular a violência do assédio como 'brincadeira'? A primeira 'brincadeira' de José Mayer Drumond comigo foi há 8 meses. Ele era protagonista da primeira novela em que eu trabalhava como figurinista assistente. E essa história de violência se iniciou com o simples: “como você é bonita”. Trabalhando de segunda à sábado, lidar com José Mayer era rotineiro. E com ele vinham seus “elogios”. Do “como você se veste bem”, logo eu estava ouvindo: “como a sua cintura é fina”, “fico olhando a sua bundinha e imaginando seu peitinho”, “você nunca vai dar para mim?”.

Quantas vezes tivemos e teremos que nos sentir despidas pelo olhar de um homem, e ainda assim – ou por isso mesmo – sentir medo de gritar e parecer loucas? Quantas vezes teremos que ouvir, inclusive de outras mulheres: “ai que exagero! Foi só uma piada”. Quantas vezes vamos deixar passar, constrangidas e enojadas, essas ações machistas, elitistas, sexistas e maldosas?

Foram meses envergonhada, sem graça, de sorrisos encabulados. Disse a ele, com palavras exatas e claras, que não queria, que ele não podia me tocar, que se ele me encostasse a mão eu iria ao RH. Foram meses saindo de perto. Uma vez lhe disse: “você é mais velho que o meu pai. Você tem uma filha da minha idade. Você gostaria que alguém tratasse assim a sua filha?”

A opressão é aquela que nos engana e naturaliza o absurdo. Transforma tudo em aceitável, em tolerável, em normal. A vaidade é aquela que faz o outro crer na falta de limite, no estrelato, no poder e na impunidade. Quantas vezes teremos que pedir para não sermos sexualizadas em nosso local de trabalho? Até quando teremos que ir às ruas, ao departamento de RH ou à ouvidoria pedir respeito?

Em fevereiro de 2017, dentro do camarim da empresa, na presença de outras duas mulheres, esse ator, branco, rico, de 67 anos, que fez fama como garanhão, colocou a mão esquerda na minha genitália. Sim, ele colocou a mão na minha b*** e ainda disse que esse era seu desejo antigo. Elas? Elas, que poderiam estar eu meu lugar, não ficaram constrangidas. Chegaram até a rir de sua “piada”. Eu? Eu me vi só, desprotegida, encurralada, ridicularizada, inferiorizada, invisível. Senti desespero, nojo, arrependimento de estar ali. Não havia cumplicidade, sororidade.

Mas segui na engrenagem, no mecanismo subserviente.

Nos próximos dias, fui trabalhar rezando para não encontra-lo. Tentando driblar sua presença para poder seguir. O trabalho dos meus sonhos tinha virado um pesadelo. E para me segurar eu imaginava que, depois da mão na b***, nada de pior poderia acontecer. Aquilo já era de longe a coisa mais distante da sanidade que eu tinha vivido.

Até que nos vimos, ele e eu, num set de filmagem com 30 pessoas. Ele no centro, sob os refletores, no cenário, câmeras apontadas para si, prestes a dizer seu texto de protagonista. Neste momento, sem medo, ameaçou me tocar novamente se eu continuasse a não falar com ele. E eu não silenciei.

“VACA”, ele gritou. Para quem quisesse ouvir. Não teve medo. E por que teria, mesmo?

Chega. Acusei o santo, o milagre e a igreja. Procurei quem me colocou ali. Fui ao RH. Liguei para a ouvidoria. Fui ao departamento que cuida dos atores. Acessei todas as pessoas, todas as instâncias, contei sobre o assédio moral e sexual que há meses eu vinha sofrendo. Contei que tudo escalou e eu não conseguia encontrar mais motivos, forças para estar ali. A empresa reconheceu a gravidade do acontecimento e prometeu tomar as medidas necessárias. Me pergunto: quais serão as medidas? Que lei fará justiça e irá reger a punição? Que me protegerá e como?

Sinto no peito uma culpa imensa por não ter tomado medidas sérias e árduas antes, sinto um arrependimento violento por ter me calado, me odeio por todas às vezes em que, constrangida, lidei com o assédio com um sorriso amarelo. E, principalmente, me sinto oprimida por não ter gritado só porque estava em meu local de trabalho. Dá medo, sabia? Porque a gente acha que o ator renomado, 30 e tantos papéis, garanhão da ficção com contrato assinado, vai seguir impassível, porque assim lhe permitem, produto de ouro, prata da casa. E eu, engrenagem, mulher, paga por obra, sou quem leva a fama de oportunista. E se acharem que eu dei mole? Será que vão me contratar outra vez?

Tenho de repetir o mantra: a culpa não foi minha. A culpa nunca é da vítiva. E me sentiria eternamente culpada se não falasse. Precisamos falar. Precisamos mudar a engrenagem.

Não quero mais ser encurralada, não quero mais me sentir inferior, não quero me sentir mais bicho e muito menos uma “vaca”. Não quero ser invisível se não estiver atendendo aos desejos de um homem.

Falo em meu nome e acuso o nome dele para que fique claro, que não haja dúvidas. Para que não seja mais fofoca. Que entendam que é abusivo, é antigo, não é brincadeira, é coronelismo, é machismo, é errado. É crime. Entendam que não irei me calar e me afastar por medo. Digo isso a ele e a todos e todas que, como ele, homem ou mulher, pensem diferente. Que entendam que não passarão. E o que o meu assédio não vai ser embrulho de peixe. Vai é embrulhar o estômago de todos vocês por muito, muito tempo.

* Su Tonani é figurinista

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