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Aqui está a poderosa carta que uma vítima de estupro leu em voz alta a seu agressor

Publicado 10 Fev 2017 – 03:14 PM EST | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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Vítima de estupro em uma festa, uma americana de 23 anos, que não teve seu nome divulgado, escreveu um depoimento forte e emocionante sobre toda a situação que passou, desde o momento do abuso até o julgamento do culpado. Ele alegou ter cometido o ato por estar bêbado. Já ela afirma que o álcool não pode ser usado para justificar um crime. "É sobre respeitar as mulheres, não sobre beber menos", disse.

Entenda o caso

O caso aconteceu em janeiro de 2015 na Universidade de Stanford, quando dois estudantes veteranos viram um calouro forçando sexo com uma mulher inconsciente e nua atrás de uma lixeira.

O estudante era Brock Allen Turner, de 20 anos, que foi condenado a seis meses de prisão e liberdade condicional, pois, segundo o juiz, uma pena mais longa teria um impacto severo sobre a vida do jovem, que é um nadador que sonha disputar uma Olimpíada - ponto destacado várias vezes durante o julgamento.

No fim do julgamento, a vítima solicitou autorização para que pudesse falar diretamente com seu agressor. "Mesmo que a sentença seja leve, espero que isso desperte as pessoas. Esta é uma razão para todas nós falarmos ainda mais alto", disse ela em entrevista ao BuzzFeed. Em uma carta, lida em voz alta, ela detalhou o impacto severo que as ações tiveram sobre a vida dela, tanto na noite em que ela soube ter sido abusada enquanto estava inconsciente, tanto no julgamento. Leia a íntegra da carta:

Depoimento de uma vítima de estupro

"Você não me conhece, mas esteve dentro de mim, e é por isso que estamos aqui hoje. 

Em 17 de janeiro de 2015, a noite foi tranquila em casa. Meu pai fez o jantar e eu me sentei à mesa com minha irmã mais nova, que estava nos visitando no fim de semana. Eu estava trabalhando em tempo integral e, para mim, já era quase a hora de dormir. Queria ficar em casa sozinha, assistindo TV e lendo enquanto ela ia para uma festa com os amigos. Mas, como era minha única noite com ela e eu não tinha nada melhor para fazer, decidi ir à festa. Era a 10 minutos da minha casa, eu iria dançar como uma boba e envergonhar minha irmã mais nova. No caminho, ela brincou comigo por causa da minha roupa: um cardigan bege para ir a uma festa. Eu me chamava de "mãezona" porque sabia que seria a mais velha… Lá, baixei a guarda, tomei bebidas alcoólicas muito rápido, sem levar em conta que minha tolerância havia baixado muito desde a faculdade.

A próxima coisa que me lembro sou eu em uma maca, em um corredor, com sangue seco e curativos nas minhas mãos e cotovelo. Pensei que tivesse caído e estivesse em um escritório de administração no campus da faculdade. Eu estava muito calma e perguntando onde minha irmã estava. Alguém me explicou que eu tinha sido assaltada. Eu ainda permanecia calma, mas afirmava que ele estava falando com a pessoa errada, pois eu não conhecia ninguém nesta festa. Até que finalmente pude usar o banheiro, puxei para baixo as calças do hospital que tinham me dado e, ao tirar a calcinha, não senti nada. Lembro da sensação das minhas mãos tocando minha pele e eu não pegando nada. O tecido fino, a única coisa entre minha vagina e qualquer outra coisa, estava faltando. E tudo dentro de mim foi silenciado. Eu ainda não tenho palavras para esse sentimento. Para continuar respirando, pensei que talvez os policiais tivessem usado uma tesoura para cortá-la para obter provas. 

Então senti alguns espinhos coçando na parte de trás do meu pescoço e comecei a puxá-los para fora do meu cabelo. Pensei que talvez eles tivessem caído de uma árvore na minha cabeça. Meu cérebro estava falando para meu intestino não desmoronar. Porque meu estômago dizia: me ajude, me ajude.

Eu me arrastei de sala em sala com um cobertor enrolado em volta de mim, espinhos no meu corpo, deixei alguns em cada quarto em que me sentei. Me pediram para que eu assinasse papéis que diziam "vítima de violação" e eu pensei que algo realmente pudesse ter acontecido. Minhas roupas foram confiscadas e fiquei nua enquanto as enfermeiras seguravam uma régua em meu corpo e me fotografavam. Nós tiramos os espinhos do meu cabelo e enchemos um saco de papel. Eu tinha cotonetes na minha vagina e no ânus, agulhas, pílulas, uma câmera fotografando, minha vagina manchada para verificar se havia sinais de fricção.

Depois de algumas horas, me deixaram tomar banho. Fiquei lá examinando meu corpo sob o fluxo da água e decidi que não queria mais meu corpo. Eu estava apavorada com isso, eu não sabia o que tinha acontecido com ele, se tinha sido contaminado, se tinha sido tocado. Eu queria tirar meu corpo como se tira uma jaqueta e deixá-lo no hospital com todo o resto.

Naquela manhã, tudo o que me disseram foi que eu tinha sido encontrada atrás de uma lixeira, penetrada por um estranho, e que eu deveria fazer novamente o teste de HIV, porque os resultados nem sempre aparecem imediatamente. Mas, por ora, eu deveria ir para casa e voltar à minha vida normal. Imagine voltar para o mundo com apenas essa informação! Eles me abraçaram e eu saí do hospital para o estacionamento usando o suéter novo e as calças de moletom que eles me forneceram. Só me permitiram ficar com meu colar e meus sapatos.

Minha irmã me pegou, com o rosto molhado de lágrimas e contorcido em angústia. Instintivamente e imediatamente eu queria tirar a dor dela. Sorri, disse para ela olhar para mim, que eu estava bem, que tudo estava bem. Meu cabelo estava lavado e limpo, eles me deram shampoo, acalme-se e olhe para mim! Olhe estas roupas engraçadas! Vamos para casa, vamos comer alguma coisa. Ela não sabia que, debaixo do meu suéter, eu tinha arranhões e curativos, minha vagina estava dolorida e tinha uma cor estranha, escura, eu estava sem calcinha e eu me sentia vazia demais para continuar a falar. Ela não sabia que eu também estava com medo, que eu também estava devastada. Naquele dia nós dirigimos para casa e, por horas em silêncio, minha irmã mais nova me segurou.

Meu namorado não sabia o que tinha acontecido, mas me ligou e disse: "Eu estava realmente preocupado com você na noite passada, você me assustou, você chegou bem em casa?" Fiquei horrorizada. Foi quando eu entendi que eu tinha ligado para ele naquela noite, no meu apagão, e deixado uma mensagem de voz incompreensível. Também tínhamos falado no telefone, mas eu estava tão nervosa e ele com tanto medo de mim, que ele repetidamente me disse para eu ir encontrar minha irmã. Mais uma vez ele me perguntou: "O que aconteceu na noite passada? Você conseguiu chegar em casa?" Eu disse que sim e desliguei o telefone para chorar.

Eu não estava pronta para dizer ao meu namorado ou aos meus pais que, na verdade, eu poderia ter sido estuprada atrás de uma lixeira, mas não sabia por quem ou quando ou como. Se eu lhes dissesse, eu veria o medo em seus rostos e o meu se multiplicaria por 10 vezes, então fingi que nada era real. Tentei tirar tudo da minha mente, mas era tão pesado que não falei, não comi, não dormi, não interagi com ninguém. Depois do trabalho, eu dirigia para um lugar isolado para gritar. Eu não falava, não comia, não dormia, não interagia com ninguém e ficava isolada dos que mais amava. Por mais de uma semana após o incidente não recebi nenhuma chamada ou atualizações sobre o que aconteceu comigo naquela noite. O único sinal que mostrou que não tinha sido apenas um sonho ruim foi o suéter do hospital na minha gaveta.

Um dia, eu estava no trabalho e, olhando as notícias pelo meu telefone, me deparei com um artigo. Nele, li e soube pela primeira vez como fui descoberta inconsciente, com meu cabelo desgrenhado, um longo colar enrolado em volta do meu pescoço, o sutiã puxado para fora do meu vestido, o vestido puxado pelos meus ombros e levantado acima da minha cintura. Soube que eu estava completamente nua, só com meus sapatos, estava com as pernas separadas e havia sido penetrada por um objeto estranho por alguém que eu não reconheci. Foi assim que eu soube o que aconteceu comigo, sentada na mesa lendo notícias no trabalho. Soube o que aconteceu comigo na mesma época em que todo mundo soube o que aconteceu comigo. Foi quando os espinhos no meu cabelo fizeram sentido, eles não caíram de uma árvore. Ele tinha tirado minha roupa íntima e colocado seus dedos dentro de mim. E eu nem conheço essa pessoa. Quando eu li sobre mim, eu disse "essa não pode ser eu, essa não pode ser eu". Não consegui digerir nem aceitar nenhuma dessas informações. Eu não poderia imaginar minha família lendo sobre isso na internet. Eu continuei lendo e, no parágrafo seguinte, li algo que nunca vou perdoar. Eu li que, segundo ele, eu gostei. Eu gostei. Novamente, eu não tenho palavras para esses sentimentos.

É como se você estivesse lendo uma notícia que diz que um carro foi atingido e encontrado em uma vala, mas talvez o carro tenha gostado de ser atingido. Talvez o outro carro não tivesse a intenção de bater nele, apenas encostar um pouco. Carros entram em acidentes o tempo todo, as pessoas não estão sempre prestando atenção e podemos realmente dizer quem é culpado. 

Então, no fim da matéria, depois que eu soube os detalhes da minha própria agressão sexual, o texto falava dos tempos de nadador. Ela foi encontrada respirando, sem calcinha, nua, enrolada na posição fetal. A propósito, ele nada muito bem. Eu sou boa em cozinhar, coloquem isso lá, acho que o final é onde você lista seus conhecimentos extracurriculares para anular todas as coisas repugnantes que aconteceram.

Na noite em que a notícia saiu, sentei com meus pais e disse a eles que eu tinha sido agredida. Disse para não olharem para as notícias, porque eram perturbadoras, mas que eu estava bem, estava aqui, bem. Mas, pouco antes de dizer, minha mãe teve de me segurar porque eu não podia mais ficar em pé.

Na noite seguinte ao que aconteceu, ele disse que não sabia meu nome, que não seria capaz de identificar meu rosto, não mencionou qualquer diálogo entre nós, disse que só estávamos dançando e beijando. Quando o detetive perguntou se ele tinha planejado me levar de volta ao seu dormitório, ele disse que não. Quando perguntou como fomos parar atrás da lixeira, ele disse que não sabia. Admitiu ter beijado outras garotas na festa, uma delas era a minha irmã, que o afastou. Admitiu querer alguém e, como eu estava sozinha e vulnerável, fisicamente incapaz de me defender, ele me escolheu. Às vezes eu penso que, se eu não tivesse ido, isso nunca teria acontecido. Mas então eu percebo que teria acontecido, mas com outra pessoa. Na noite seguinte ao que aconteceu, ele disse que eu gostava porque eu esfregava as costas dele. Uma massagem nas costas!

Nunca mencionou que eu consenti falando com minha própria voz. Mais uma vez, na nota publicada, eu descobri que minha bunda e minha vagina foram completamente expostas, meus seios tocados, que os dedos tinham sido colocados dentro de mim, minha pele nua e minha cabeça estavam contra o chão. Atrás de uma lixeira, com um calouro contra meu corpo despido e inconsciente. Mas eu não me lembro, então não tem como eu provar que não gostei.

Eu pensei que isso não iria a julgamento, pois houve testemunhas, havia sujeira no meu corpo, e, quando dois homens chegaram para me ajudar, ele correu, mas foi pego. Pensei que ele iria pedir desculpas formalmente e nós dois seguiríamos em frente. Em vez disso, soube que ele contratou um advogado poderoso, testemunhas peritas, investigadores privados, que iriam encontrar detalhes sobre a minha vida pessoal para serem usados contra mim, encontrar falhas na minha história para invalidar a mim e à minha irmã, para mostrar que esta agressão sexual era, de fato, um mal-entendido. 

E não só me foi dito que eu tinha sido agredida. Me foi dito que, como eu não conseguia me lembrar, eu tecnicamente não podia provar que não queria. E isso me machucou, quase me quebrou. É o tipo mais triste de coisa a ser dita… Fui quase estuprada descaradamente, mas não sabemos se contam isso como estupro. Eu tive que lutar por um ano inteiro para deixar claro que havia algo de errado com esta situação. 

Quando me disseram para estar preparada caso não ganhássemos, eu disse que não tinha como me preparar para isso. Ele era culpado. Não há como me convencer de que ele não me causou mal. E o pior de tudo: eu fui avisada que ele, por saber que eu não me lembrava, começaria a escrever o roteiro. Ele poderia dizer o que quisesse e ninguém poderia contestar. Eu não tinha poder, não tinha voz, estava indefesa. Minha perda de memória seria usada contra mim. Meu testemunho era fraco, estava incompleto, e eu fui levada a acreditar que talvez não fosse suficiente para ganhar esta causa. O advogado dele constantemente lembrava ao júri que só era possível acreditar na versão dele, pois eu não me lembrava. Essa impotência era traumatizante.

Em vez de gastar meu tempo para me curar, eu estava usando o tempo para lembrar a noite em detalhes, a fim de me preparar para as perguntas do advogado, que seria invasivo, agressivo, pronto para me contradizer e manipular minhas respostas. Era um jogo de estratégia. A agressão sexual tinha sido tão clara, mas, em vez disso, eu estava no julgamento respondendo perguntas como:

'Quantos anos você tem? Quanto você pesa? O que você comeu naquele dia? O que você fez para o jantar? Quem fez o jantar? Você bebeu no jantar? Não, nem água? Quando você bebeu? Quanto você bebeu? De que recipiente você bebeu? Quem te deu a bebida? Quanto você costuma beber? Quem te deixou na festa? A que horas? Mas onde exatamente? O que você estava vestindo? Por que você foi a esta festa? O que você fez quando chegou lá? Tem certeza que fez isso? Mas a que horas você fez isso? O que significa esta mensagem? Para quem era? Quando você fez xixi? Onde você fez xixi? Com quem você fez xixi lá fora? Seu telefone estava no silencioso quando sua irmã ligou? Lembra de silenciá-lo? Você bebeu na faculdade? Você disse que sempre ia em festas? Quantas vezes você esqueceu? Tem um relacionamento sério com seu namorado? Você é sexualmente ativa com ele? Quando você começou a namorar? Você nunca iria trair? Você se lembra a que horas você acordou? Você estava vestindo seu cardigan? De que cor era o seu cardigan? Você se lembra mais daquela noite? Não? Ok, então vamos deixar Brock contar.'

Eu fui golpeada com perguntas que dissecavam minha vida pessoal, vida amorosa, vida passada, vida familiar, perguntas inatas, acumulando detalhes triviais para tentar encontrar uma desculpa para esse cara que tinha tirado minha roupa antes mesmo de se preocupar em perguntar meu nome. Depois da agressão física, fui agredida com perguntas destinadas a me atacar, a dizer ela está fora de si, ela é praticamente uma alcoólatra, ela provavelmente queria, e ele como um atleta é correto e está tendo um momento muito difícil agora.

E então veio o momento de ele testemunhar e aprendi o que significa se vitimizar. Ele disse que nunca planejou me levar para o seu quarto, que não sabia por que estávamos atrás da lixeira, que se levantou para sair porque não estava se sentindo bem quando foi perseguido e atacado. E disse, mais uma vez, que eu não conseguia me lembrar.

Assim, um ano depois, como previsto, surgiu um novo diálogo. Ele tinha uma nova história estranha, que soou como um romance de adultos mal escrito, com beijos, danças e mãos se tocando, caindo amorosamente no chão e, o mais importante, nessa história, houve consentimento. Ele disse que tinha perguntado se eu queria dançar e que eu disse sim. Ele tinha perguntado se eu queria ir para o quarto dele e que eu disse sim. Então, ele perguntou se ele poderia colocar os dedos em mim e eu disse sim. A maioria dos caras não perguntam se podem tocar? Geralmente há uma progressão natural das coisas, consensualmente ou não. E, aparentemente, eu dei permissão plena. Ele diz claramente. Na história dele, eu disse um total de três palavras: sim, sim, sim, antes que ele me levasse ao chão sem roupa. Se você está confuso sobre se uma menina está consentindo, veja se ela pode falar uma sentença inteira. Ele não poderia ter feito isso? Apenas uma sequência coerente de palavras. 

Mas, segundo ele, a única razão pela qual estávamos no chão era porque eu caí. Se uma menina cai, caia por cima. Se ela está muito bêbada, não consegue nem mesmo andar, tire a roupa íntima dela e penetre sua vagina. Se ela está vestindo um cardigan sobre o vestido, tire para que possa tocar seus seios. 

Em seguida, dois homens se aproximaram, viram o que estava acontecendo, foram atrás de você e você correu. Quando eles te abordaram, por que você não falou: "Pare! Está tudo bem, vá perguntar a ela, ela está bem, ela vai dizer". Quero dizer: você tinha acabado de pedir o meu consentimento, certo? Eu estava acordada, certo?

O advogado tem apontado repetidamente que não sabe quando eu fiquei inconsciente. E ele está certo, talvez eu ainda estivesse vibrando os olhos e ainda não completamente fraca. Isso nunca foi o ponto. Eu estava bêbada demais para consentir antes que eu estivesse no chão. O acusado declarou: "Em nenhum momento eu pensei que ela não estivesse respondendo. Se a qualquer momento eu pensasse isso, eu teria parado imediatamente". Mas ele não parou quando eu estava inconsciente! Alguém o parou. Dois sujeitos em bicicletas notaram que eu não estava me movendo no escuro. Como ele, que estava em cima de mim, não percebeu?

Ele disse que teria parado e pedido ajuda. Diz isso, mas não explica como ele poderia me ajudar. Quero saber se, caso os dois homens não me encontrassem, como a noite teria se desenrolado. Eu estou perguntando: Você teria tirado minha calcinha? Desembaraçado o colar do meu pescoço? Fechado as minhas pernas, me coberto? Tirado os espinhos do meu cabelo? Eu não consigo dormir quando penso como seria se os dois caras não tivessem me visto. O que teria acontecido comigo? Ele nunca vai ter uma resposta para isso, isso é o que ele não pode me explicar mesmo depois de um ano.

E depois de tudo isso ele ainda afirmou que eu cheguei ao orgasmo após um minuto de penetração. Para sentar sob juramento e informar a todos que eu queria, que eu permiti, e que ele é a verdadeira vítima atacada por dois homens por razões desconhecidas, isso mostra que ele é terrível, é demente, é egoísta. 

Minha família tinha que ver fotos minhas naquela situação? E mesmo depois disso ter de ouvir o advogado dizer que isso é o que acontece quando você transa com alguém? Ouvir ele dizer que eu não estava bêbada no telefone, que eu falo assim porque é um jeito bobo de falar? 

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Ele causou danos irreversíveis a mim e à minha família durante o julgamento. Ficamos sentados, em silêncio, ouvindo-o criar a história daquela noite. Mas, no fim, as declarações sem suporte e a lógica distorcida do advogado não enganaram ninguém. A verdade venceu, a verdade falou por si mesma. Você é culpado. Doze jurados te condenaram como culpado de três acusações criminosas, ou seja, trinta e seis votos confirmando a culpa, unanimidade. E eu pensei que realmente tinha acabo, que você ia ser responsabilizado pelo que fez, e me pedir desculpas, e seguiríamos em frente e eu ficaria melhor. Então eu li sua declaração.

Se você está achando que um dos meus órgãos vai explodir de raiva e vou morrer, estou quase lá. Essa não é uma história sobre uma bêbada na faculdade, não é um acidente, mas você não entendeu. Vou ler agora trechos da declaração do réu e responder a elas. 

Você disse que eu, estando bêbada, não poderia tomar as melhores decisões e nem você poderia.

O álcool não é uma desculpa. É um fator? Sim. Mas o álcool não foi o que me despiu, me tocou, me jogou contra o chão, comigo quase completamente nua. Beber muito é um erro amador que eu admito, mas não é um crime. Todos nesta sala já tiveram uma noite em que se arrependeram de beber demais, ou conhecem alguém próximo que teve uma noite em que se arrependeram de beber demais. Lamentar ter bebido muito não é o mesmo que lamentar agressão sexual. Nós dois estávamos bêbados, a diferença é que eu não tirei suas calças e cuecas, não toquei você de forma inadequada, e fugi. Essa é a diferença.

Você disse: "Se eu quisesse conhecê-la, eu deveria ter pedido seu telefone, ao invés de convidá-la a ir para o meu quarto."

Mesmo se você me conhecesse, eu não gostaria de estar nesta situação. Meu próprio namorado me conhece, mas se ele pedisse para me tocar atrás de uma lixeira, eu iria dar um tapa! Nenhuma menina quer estar nesta situação. Ninguém. Eu não me importo se você sabe o meu número de telefone ou não.

Você disse: "Eu pensei que era bom para mim fazer o que todo mundo ao meu redor estava fazendo, que estava bebendo. Eu estava errado."

Novamente, você não estava errado por beber. Todos ao seu redor não estavam me agredindo sexualmente. Você estava errado por fazer o que mais ninguém estava fazendo, empurrando seu pau ereto contra meu corpo nu e indefeso escondido em uma área escura, onde as pessoas da festa não podiam mais ver ou me proteger, e minha própria irmã não pôde me encontrar. Por que eu ainda estou explicando isso?

Você disse: "Durante o julgamento eu não queria vitimá-la. Era apenas meu advogado e sua maneira de abordar o caso."

Seu advogado não é seu bode expiatório, ele representa você. 

Você disse que você está criando um programa para estudantes do ensino médio e universitários em que você vai usar sua experiência para falar contra a cultura de beber no campus universitário e a promiscuidade sexual que surge junto com isso.

Cultura de beber no campus universitário. É sobre isso que estamos falando? Você acha que foi por isso que eu passei um ano lutando? Não pensa sobre agressão sexual no campus, ou estupro, ou sobre aprender a reconhecer o consentimento? Se você quiser falar com as pessoas sobre beber, vá a uma reunião de AA. Você não percebe que ter um problema com bebida é diferente de beber e, em seguida, tentar ter relações sexuais com alguém? Mostre aos homens como respeitar as mulheres, não como beber menos. Dizer que a promiscuidade sexual vai junto com isso, como um efeito colateral. Onde a promiscuidade entra em jogo? Vou te seguir em todas as escolas que você for e dar uma apresentação de acompanhamento.

Por fim, você disse quer mostrar às pessoas que uma noite de bebedeira pode arruinar uma vida.

Uma vida, uma vida, a sua, você se esqueceu da minha. Deixe-me reformular para você: eu quero mostrar às pessoas que uma noite de bebedeira pode arruinar duas vidas. Você e eu. Você é a causa, eu sou o efeito. Você me arrastou através deste inferno com você. Você derrubou nossas duas torres, eu desmoronei ao mesmo tempo que você. Se você acha que eu fui poupada, saí ilesa, enquanto você sofreu o maior golpe, você está enganado. Ninguém ganhou. Todos nós fomos devastados, todos nós estamos tentando encontrar algum significado em todo esse sofrimento. Seu dano foi concreto, perdeu títulos. Meu dano foi interno, invisível, eu o carrego comigo. Você tirou meu valor, minha privacidade, minha energia, meu tempo, minha segurança, minha intimidade, minha confiança, minha própria voz, até hoje.

Uma coisa que temos em comum é que nós dois não conseguimos levantar de manhã. Não sou estranha ao seu sofrimento. Você me fez uma vítima. Nos jornais meu nome era "mulher inconsciente". Por um tempo, eu acreditava que era tudo o que eu era. Eu tive que me forçar a reaprender meu nome real, minha identidade. Reaprender que isso não é tudo o que eu sou. Que eu não sou apenas uma vítima bêbada em uma festa encontrada atrás de uma lixeira, enquanto você é o nadador em uma universidade, inocente até que provem o contrário. Eu sou um ser humano que foi irreversivelmente ferido.

Minha independência, alegria natural, gentileza e estilo de vida constante acabaram. Eu fiquei fechada, irritada, autodepreciativa, cansada, vazia. O isolamento às vezes era insuportável. Você não pode me devolver a vida que eu tinha antes dessa noite. Enquanto você se preocupa com a sua reputação, eu chorava todas as noites. Cheguei uma hora atrasada para trabalhar todas as manhãs, inventei desculpas para chorar nas escadarias, posso te dizer todos os melhores lugares naquele edifício para chorar sem ninguém poder te ouvir. A dor tornou-se tão ruim que eu tive que explicar os detalhes privados para meu chefe para ele saber por que eu estava saindo. Eu precisava de tempo porque o dia a dia não era possível. Eu não voltei a trabalhar em tempo integral, pois sabia que teria que tirar semanas de folga no futuro para a audiência e o julgamento, que estavam constantemente sendo reprogramados. Minha estrutura tinha desmoronado.

Eu não consigo dormir sozinha à noite sem ter uma luz acesa, como uma criança de cinco anos, porque eu tenho pesadelos de ser tocada e não consigo acordar. Durante três meses, fui dormir às seis da manhã. Eu costumava ter orgulho da minha independência, agora tenho medo de passear à noite, de ir a eventos sociais, de beber entre amigos. Sempre preciso estar ao lado de alguém, ter meu namorado de pé ao meu lado, dormindo ao meu lado, me protegendo. Me sinto fraca, pronta para me defender, pronta para ficar com raiva.

Você não tem ideia do quanto eu tenho trabalhado para reconstruir partes de mim que ainda são fracas. Demorei oito meses para falar sobre o que aconteceu. Mas, no final da audiência, o julgamento, eu estava cansado demais para falar. Eu deixaria quieto. Queria de ir para casa, desligar o meu telefone e por dias não falar. Toda vez que uma nova notícia saía, eu vivia com a paranoia de que minha cidade natal inteira iria descobrir e me conhecer como a garota que foi abusada. Eu não queria a pena de ninguém e ainda estou aprendendo a aceitar a vítima como parte de minha identidade. Você fez da minha cidade natal um lugar desconfortável. Você não pode me devolver as noites sem dormir. Eu perdi peso com o estresse, mas, quando as pessoas comentam, eu digo que tenho corrido muito ultimamente. Eu tenho que reaprender que eu não sou frágil, sou capaz, sou saudável.

Quando eu vejo a minha irmã mais nova triste, arrependida por me deixar sozinha naquela noite, quando ela se sente mais culpada do que você, então eu não te perdoo. Naquela noite eu a chamei para tentar encontrá-la, mas você me encontrou primeiro. A declaração do advogado disse: "[Sua irmã] disse que ela estava bem e quem a conhece melhor do que a irmã dela?" Você tentou usar minha própria irmã contra mim! Seus pontos de ataque eram tão fracos, tão baixos...

Você nunca devia ter feito isso comigo. Mas aqui estamos nós. O dano está feito, ninguém pode desfazê-lo. E agora nós dois temos uma escolha. Podemos deixar isso nos destruir, eu posso ficar com raiva e você pode estar em negação, ou podemos enfrentar de frente, eu aceito a dor, você aceita a punição, e nós seguimos em frente.

Sua vida não acabou, você tem décadas de anos adiante para reescrever sua história. O mundo é enorme e você vai encontrar um lugar para si mesmo onde você pode ser útil e feliz. Mas agora, você não consegue encolher os ombros e ficar confuso. Você foi condenado por me violar, intencionalmente, com força, sexualmente, com intenção maliciosa, e tudo o que você consegue admitir é que tinha bebido. Não fale que o álcool fez você fazer coisas ruins. Descubra como assumir a responsabilidade por sua própria conduta.

Quando li o relatório do oficial de liberdade condicional, fiquei incrédula, consumida pela raiva, que acabou por se acalmar com profunda tristeza. Minhas declarações foram reduzidas a distorções e tiradas de contexto. Eu lutei muito durante este julgamento e não vou ter o resultado minimizado por um oficial que tentou avaliar o meu estado atual e meus desejos em uma conversa de quinze minutos. 

Um ano de raiva, angústia e incerteza, até que um júri emitiu um julgamento que validou as injustiças que eu tinha suportado. Se Brock tivesse admitido a culpa e remorso e se oferecido para resolver tudo no início, eu teria considerado uma sentença mais leve, respeitando sua honestidade, grata por ser capaz de mover nossas vidas para a frente. Em vez disso, ele assumiu o risco de ir a julgamento, acrescentou insulto à lesão e me forçou a reviver a dor com detalhes sobre minha vida pessoal e a agressão sexual sendo brutalmente dissecadas perante o público. Ele empurrou a mim e à minha família durante um ano de sofrimento inexplicável e desnecessário, e deveria enfrentar as consequências de pagar pelo seu crime, de colocar em dúvida a minha dor, de nos fazer esperar tanto tempo pela justiça.

Eu disse ao oficial que não quero que Brock apodreça na prisão. Eu não disse que ele não merece estar atrás das grades. A recomendação de liberdade condicional e um ano ou menos na prisão é uma piada diante da gravidade de seus atos, um insulto para mim e para todas as mulheres. Ele passa uma mensagem de que um estranho pode estar dentro de você sem o devido consentimento e ele pagará menos do que o que foi definido como a sentença mínima. A liberdade condicional deve ser negada. Eu também disse ao oficial que o que eu realmente queria era que Brock entendesse e admitisse o erro dele.

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Infelizmente, depois de ler o relatório do réu, estou desapontada e sinto que ele não apresentou remorso sincero ou responsabilidade por sua conduta. Eu respeitei plenamente seu direito a um julgamento, mas, mesmo depois de 12 jurados unanimemente condenando-o como culpado de três crimes, tudo o que ele admitiu foi ter ingerido álcool. Alguém que não pode assumir total responsabilidade por suas ações não merece uma sentença atenuante. É profundamente ofensivo que ele tente diluir o estupro com uma sugestão de "promiscuidade". Por definição, o estupro é a ausência de promiscuidade, o estupro é a ausência de consentimento, e me perturba profundamente que ele não consiga sequer ver essa distinção.

O oficial considerou que o réu é jovem e não tem condenações anteriores. Na minha opinião, ele é velho o suficiente para saber que o que ele fez estava errado. Quando você tem mais de 18 anos neste país, pode ir para a guerra. Quando você tem 19 anos, você tem idade suficiente para pagar as consequências por tentar violentar alguém. Ele é jovem, mas tem idade suficiente para saber. E, como uma sociedade, não podemos perdoar a primeira agressão sexual ou estupro de todos. Isso não faz sentido. Não devemos criar uma cultura que sugira que aprendemos que a violência sexual é errada por tentativa e erro. 

O oficial também considerou o fato de que ele conseguiu ganhar uma bolsa de natação que é difícil de se conseguir. O quão rápido ele nada não diminui a gravidade do que me aconteceu, e não deve diminuir a seu castigo. Se um criminoso foi acusado de três crimes e não mostrou nenhuma responsabilidade por suas ações além de beber, qual seria a sua sentença? O fato de Brock ser um atleta em uma universidade não deve ser visto como um direito à clemência, mas como uma oportunidade para enviar uma mensagem de que a agressão sexual é contra a lei, independentemente da classe social. Ele foi considerado culpado de três crimes graves e é hora de ele aceitar as consequências de suas ações. 

O agente declarou que este caso, quando comparado com outros crimes de natureza similar, pode ser considerado menos grave devido ao nível de intoxicação do réu. E estava falando sério. Isso é tudo o que vou dizer.

O que ele fez para mim não expira, não é algo que simplesmente vai embora depois de um tempo. Permanece comigo, é parte de minha identidade, mudou para sempre a maneira que eu me vejo, a maneira que eu vivo.

Para concluir, quero agradecer. A todos que me ajudaram quando acordei no hospital naquela manhã, às enfermeiras que me acalmaram, ao detetive que me ouviu e nunca me julgou, aos meus advogados que estiveram sempre do meu lado, ao meu terapeuta que me ensinou a encontrar coragem na vulnerabilidade, ao meu patrão por ser gentil e compreensivo, aos meus incríveis pais que me ensinam a transformar a dor em força, à minha avó que colocou chocolate na sala de audiências, aos meus amigos que me lembram como ser feliz, meu namorado que é paciente e amoroso, à minha irmã que é a outra metade do meu coração, a Alaleh, meu ídolo, que lutou incansavelmente e nunca duvidou mim. Obrigada a todos os envolvidos no julgamento por seu tempo e atenção. Obrigada às meninas em todo o país que escreveram cartões para mim, tantos estranhos que cuidaram de mim.

Mais importante ainda, obrigada aos dois homens que me salvaram, que eu ainda tenho que conhecer. Eu durmo com duas bicicletas que eu desenhei gravadas acima de minha cama para me lembrar que há heróis nesta história. Que estamos cuidando uns dos outros. Ter conhecido todas essas pessoas, ter sentido sua proteção e amor, é algo que eu nunca vou esquecer.

E, finalmente, para as meninas em todos os lugares, eu estou com vocês. Nas noites em que vocês se sentem sozinhas, eu estou com vocês. Quando as pessoas duvidam de vocês, eu estou com vocês. Eu lutei todos os dias por vocês. Então nunca pare de lutar, eu acredito em vocês. Como a autora Anne Lamott escreveu certa vez: "Os faróis não vão correndo por toda a ilha procurando barcos para salvar, eles simplesmente ficam lá brilhando." Embora eu não possa salvar todos os barcos, espero que, falando isso hoje, vocês absorvam um pouco de luz, que saibam que vocês não podem ser silenciadas, que uma pequena justiça foi feita, uma pequena garantia de que estamos chegando a algum lugar, e, principalmente, sabendo que vocês são importantes, você são intocáveis, vocês são bonitas, vocês devem ser valorizadas, respeitadas, a cada minuto de cada dia. Vocês são poderosas e ninguém pode tirar isso de vocês. Para as meninas em todos os lugares, eu estou com vocês. Obrigada."

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