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O que há de perigoso na ideia de criar a sua filha para ser uma princesa? Entenda debate

Publicado 28 Nov 2016 – 02:53 PM EST | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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“O sonho de toda menina é tornar-se uma princesa”. Este é o slogan da rede chamada “ Escolas de princesas”, que diz ensinar crianças e adolescentes regras sobre etiqueta, estética, relacionamento e identidade.

A primeira unidade do empreendimento foi inaugurada em 2013, na cidade de Uberlândia, em Minas Gerais. Desde então, outras três escolas foram abertas no país, a última delas em São Paulo.

Escola de princesas

A ideia central do espaço que pretende formar princesas, de acordo com informações disponíveis no site oficial, é resgatar a essência feminina do coração das meninas. “Arrumar a casa, organizar o guarda-roupa, fazer a mala, aprender a se pentear, se maquiar, ter bons costumes à mesa”, resumiu a proprietária da escola em reportagem à TV Estadão.

Uma das clientes, mãe de uma aluna com nove anos, que frequenta os cursos desde os cinco, diz na mesma reportagem que a escola possibilita que a “filha entenda que existem papéis que cabem a ela. […] Ela sabe o que comer, sabe o que colocar em uma mesa”.

Oficinas de desprincesamento

Depois da divulgação do último lançamento, o assunto veio à tona e, junto às críticas levantadas, uma descoberta. No Chile, o Escritório de Proteção de Direitos da Infância de Iquique criou uma escola de desprincesamento. Foi inspirada na ideia chilena que brasileiras se uniram para fundar aqui também as oficinas de "desprincesamento". 

A escola que nasceu do contraponto, de acordo com Mariana Desimone, uma das idealizadoras das oficinas, tem o objetivo de oferecer mais modelos para as meninas para que elas possam conhecer múltiplas possibilidades e, então, escolher quem querem ser. “Não é uma oficina anti-princesas. Não é isso. Mas elas precisam conhecer outras histórias, outros tipos de mulheres. Precisamos fazer uma reflexão: como as meninas são retratadas hoje em dia pela mídia e pela propaganda? Elas podem ser felizes sem casarem, sem saberem cuidar de uma casa, sem um marido. Menina não é panela sem tampa, não é metade de laranja. Ela tem que ser uma pessoa completa, um ser humano perfeito, que merece todo o respeito e atenção e tem suas opiniões ouvidas e validadas”, explica.

Os primeiros encontros do grupo acontecerão nos primeiros finais de semana de dezembro (dias 4, 10 e 11), em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. As inscrições estão encerradas, mas na página do Facebook é possível acompanhar as próximas atividades programadas.

Menina princesa?

Um olhar desatento pode até levar a crer que a escola toda rosa, os acessórios florais e delicados, seja uma iniciativa engraçadinha. Uma análise mais cuidadosa, no entanto, evidencia um grave problema. Iniciativas como essa perpetuam a ideia milenar de que mulheres devem servir aos homens e que, por isso, são inferiores a eles.

A infância é o período em que o ser humano mais aprende. É nela que a maior parte das suas condutas e caráter serão definidos e é exatamente por isso que todas as vivências serão carregadas para o resto da vida.

Reforçar o que a sociedade ocidental espera de uma mulher – que ela seja doce, passiva, preocupada necessariamente com a beleza, responsável pela casa, marido e filhos – portanto, é criar indivíduos submissos que colocam a vontade do outro acima da sua, de acordo com estereótipos que tanto prejudicam as mulheres.

Por que uma menina não pode ser criada apenas para ser princesa? 

Comportamento

Para ser um indivíduo seguro, autoconfiante e que não se sujeita a situações desrespeitosas, uma criança não pode ter seu comportamento moldado de acordo com seu gênero. É por isso que das meninas não deve ser exigida submissão, passividade ou delicadeza.

Assim como não deve haver o estímulo da necessidade de aprovação dos outros. Elas devem saber que podem se comportar como acharem adequado sem se importarem com o que as pessoas vão pensar delas.

O problema ainda interfere no potencial da infância. Criança precisa brincar. Ao colocar as meninas para pensar o que vão vestir, como será a maquiagem, como organizar a realização das tarefas domésticas ou qualquer outra tarefa de adultos, estamos limitando o potencial criativo dessa fase.

Relacionamento

É importante ainda que o foco das lições sobre relacionamento seja sobre satisfação, sentimento, respeito mútuo e amor-próprio, e não sobre a imprescindível necessidade de ter um marido. O matrimônio não é o único e mais importante interesse na vida de uma mulher. É esta falsa ideia que coloca mulheres sistematicamente em relacionamentos infelizes (por vezes violentos).

Sexualidade

A sexualidade começa a aflorar ainda na infância. Saber lidar com ela e educar sem preconceitos é essencial para que essas meninas exerçam sua sexualidade. Julgar os comportamentos ou dividi-los em “aceitáveis ou não para uma mulher” ainda reforça a ideia de que às mulheres é negado o prazer e a liberdade sexual.

Família

Outro ponto difícil de desconstruir, mas que deve reunir esforços desde a infância é a divisão de tarefas domésticas. As meninas não devem ser a únicas a serem ensinadas, assim como não devem achar que são as responsáveis por elas.

Padrão de Beleza

A mídia bombardeia cotidianamente modelos de beleza inatingíveis. Reforçá-los, priorizando a beleza e enaltecendo a vaidade, reforça a necessidade de atingir esses padrões. E, sendo eles inalcançáveis, há inevitavelmente a diminuição da autoestima e surgimento da insegurança.

A consequência é maior do que parece

Todos esses comportamentos e valores alimentam o machismo, que traz consequências reais e gravíssimas para as mulheres. A violência doméstica é uma delas: 53% dos homens assumem já ter praticado algum tipo de violência contra a mulher. São 13 homicídios femininos diários. A maioria deles cometido por conhecidos das vítimas.

O impacto também é notado nos altos números de violência sexual - estimativas mostram que quase uma mulher é estuprada por minuto no país - e nas desigualdades de oportunidade: mulheres ganham menos, não são chefes e trabalham muito mais.

Tão triste quanto a realidade escancarada, é saber que as meninas já crescem sabendo da infinidade de preconceitos e desafios que terão que superar somente por ser mulher. De acordo com uma pesquisa global da Universidade de Melbourne, apenas 1% das meninas entrevistadas disseram acreditar que são tratadas igual aos meninos. E 5 em cada 6 afirmaram que só a aparência tem valor.

Esforço coletivo

É importante, no entanto, reforçar que o problema não está em gostar de princesas. O universo dos contos de fada por si só não tem nada de problemático e pode até contribuir para criatividade e fantasia das crianças, mostrando que elas podem enfrentar obstáculos, ser corajosas e ter amor ao próximo.

O problema está em como o papel da princesa é interpretado na maioria dessas histórias, especialmente naquelas mais antigas e tradicionais, cujo objetivo da personagem principal é encontrar o príncipe encantado. A pergunta que fica é: elas serão felizes, valorizadas e independentes nesse lugar social que são colocadas?

Não vale criar uma mulher autossuficiente que pode ou não querer ser uma princesa, ter ou não um marido, mas ser, acima de tudo, forte e feliz? Escolas e famílias não deveriam criar seres humanos responsáveis, gentis, autênticos sem rótulos para que as meninas possam também crescer livres de preconceitos, empoderadas e com a certeza de que podem mudar o mundo sem um homem ao seu lado?

Violência contra as mulheres

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