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Drauzio Varella não é a favor do aborto, mas defende sua legalização: por quê?

Publicado 24 Mai 2017 – 10:00 AM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:05 AM EDT
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“Proibir o aborto é punir quem não tem dinheiro”, disse Drauzio Varella, um dos profissionais da saúde com mais destaque no Brasil, em seu site oficial.

Drauzio não é a favor do aborto, mas defende sua legalização.

“Não sou defensor do aborto e ninguém é. Qual é a mulher que quer fazer o aborto? É uma experiência absurdamente traumatizante, uma tragédia. A questão não é essa”, revelou Drauzio Varella, em entrevista ao site do notícias da BBC.

Para ele, o principal ponto da discussão está em "quem realiza o aborto hoje". Segundo o médico, o maior número de mulheres que praticam o ato é desprovido de recursos financeiros.

Elas não conseguem procurar uma clínica de qualidade que realize o ato e também não podem fazer o procedimento no sistema público de saúde. Então, se submetem ao aborto clandestino, que é muito perigoso e pode resultar em morte. Por isso, para Drauzio, proibir o aborto é atingir diretamente essas pessoas.

 “A grande questão é a desigualdade social. Isso porque mulheres ricas conseguem facilmente contornar a lei. Para essas mulheres, o aborto é ‘livre’”.

Drauzio Varella: opinião sobre o aborto

Criminalização

Segundo o médico, proibir o aborto e tornar a prática uma forma de “crime” é uma hipocrisia e só iria gerar outros problemas para o estado. “Será que teria lugar nas prisões suficiente para as milhares de mulheres que abortam no Brasil?”, se questiona.

Isso porque, de acordo Drauzio, proibir completamente o aborto não faria com que a taxa de mulheres que abortam diminuíssem, porque não é a permissão ou falta dela que faz as mulheres abortarem. São as condições em que elas vivem que as faz engravidar e outros inúmeros fatores.

Aborto e questões religiosas

Drauzio acredita que a questão vai além das crenças religiosas ou filosóficas que alegam que abortar é tirar a vida de alguém. Para ele, nada pode justificar “o sofrimento e morte de tantas meninas e mães de famílias de baixa renda no Brasil”, que acontecem em abortos clandestinos, já que o procedimento ainda é proibido.

Ele não é a favor de impor o pensamento das igrejas ou religiões para decidir um tema que envolve todo o país, que é laico (não é vinculado à religião). “Não está certo a maioria impor sua vontade. Respeitar opiniões das minorias é parte da democracia. Tem que respeitar os outros, o modo dos outros de ver a vida. Ninguém pode se considerar dono da palavra de Deus, intermediário entre deuses e seres humanos, para dizer o que todos devem fazer”, aponta.

Drauzio ainda fala sobre outro ponto: se fosse para seguir a linha dos que pensam que a vida começa logo na fecundação, ele iria além: “Por esse raciocínio, a vida, então, começa antes, porque o espermatozoide é vivo e o óvulo também”. Então, como proibir todos aqueles espermatozoides que morreram porque não foram fecundados?

“É fácil proibir o abortamento, enquanto esperamos o consenso de todos os brasileiros a respeito do instante em que a alma se instala num agrupamento de células embrionárias, quando quem está morrendo são as filhas dos outros. Os legisladores precisam abandonar a imobilidade e encarar o aborto como um problema grave de saúde pública, que exige solução urgente”, ressalta o médico.

“É lógico que o ideal seria instruí-las para jamais engravidarem sem desejá-lo, mas a natureza humana é mais complexa: até médicas ginecologistas ficam grávidas sem querer”, destaca o médico, em vídeo publicado na sua página oficial do YouTube.

Machismo

Para o médico, a discussão vai ainda mais longe e envolve o machismo generalizado e a posição da mulher dentro da sociedade. “Se os homens parissem, o aborto seria legalizado há muito tempo, e no mundo todo!”, disse ele sua conta do Twitter.

Aborto: o que diz a Lei brasileira?

O aborto é permitido por médico registrado, segundo o artigo 128 do decreto lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940, quando:

  • Não tiver outro meio de salvar a vida da gestante;
  • A gravidez for resultante de estupro, com consentimento da mulher ou de seu representante legal, se ela estiver “incapaz”;
  • O feto for anencefálico (sem cérebro ou com má formação e falhas irreversíveis no sistema nervoso).

O procedimento só pode ser feito até a 20ª semana de gestação e com o feto de peso no máximo 500g. Em outras situações, o aborto é crime e pode levar a mulher a pena de até três anos de prisão. Os profissionais que realizarem o procedimento podem ficar até quatro anos na cadeia. O tema ainda segue em análise na Câmara dos Deputados, que avalia a possibilidade de descriminalizar o aborto pelo menos nos 3 primeiros meses de gestação ou de explicitar o crime em qualquer tempo da gravidez. Ainda não há data para a decisão.

O que é aborto?

Do ponto de vista médico, aborto “é a interrupção da gravidez precoce - até 20ª ou 22ª semana, ou quando o feto pesa até 500 gramas ou ainda, alguns consideram quando ele medir até 16,5 cm”, explica o Conselho Regional de Medicina de São Paulo.

Ele pode acontecer de forma espontânea ou provocada, com a remoção ou expulsão do embrião (até 9 semanas de gestação) ou feto (depois das 9 semanas).

Quando não é “natural”, “há diversas formas de ser realizado, como com uso de medicações abortivas ou curetagem uterina", relata a ginecologista e obstetra Heloisa Brudniewski, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Quais os riscos?

“O risco do aborto espontâneo é muito baixo, quase inexistente”, aponta ela. Muitas vezes a mulher elimina o conteúdo do útero sem fazer força. Existem alguns casos em que é necessário curetagem uterina (raspagem), ou aspiração uterina, para fazer a limpeza.

“Porém esses procedimentos são relativamente simples”, diz Heloisa. “O aborto é perigoso quando é clandestino porque é difícil saber as condições em que é realizado, com risco grande de infecção, podendo levar até a perda do útero”, alerta.

Quantas mulheres abortam e quantas morrem?

Segundo estimativas do Ministério da Saúde, ocorrem entre 728 mil e 1 milhão de abortos por ano no país.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) completa o dado e revela que 1 brasileira morre a cada dois dias por conta de procedimentos mal feitos.

Segundo o estudo “Aborto e saúde pública: 20 anos de pesquisas no Brasil”, da Universidade de Brasília (UNB) e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), referência no tema, que reúne mais de dois mil estudos, artigos e publicações, o aborto é 5ª causa de mortalidade materna no país.

Já no mundo, o dado não é muito mais animador: de acordo com o Instituto Guttmacher, 70 mil morrem no ano todo no mundo, uma a cada 7 minutos por aborto clandestino.

Segundo o levantamento da OMS, nos países que proíbem o aborto ou que o permitem apenas em casos de risco de vida, anencefalia fetal ou estupro (caso do Brasil, por exemplo), 37 em cada 1.000 mulheres fazem o procedimento. Já nos países que legalizaram o aborto, 34 em cada 1.000 mulheres o realizam.

Qual o perfil da mulher que aborta?

Diversos estudos tentam traçar qual são as características das mulheres que abortam no Brasil. Confira abaixo dados de pesquisas da UNB, da OMS e do Institute Guttmacher.

  • 20 % são acima dos 40 anos (cerca de 7 a 8 milhões de brasileiras), mas a maior parte (entre 70,8% e 90,5%) são jovens entre 20 e 29 anos, que já possuíam pelo menos um filho;
  • 73% são mulheres casadas;
  • Entre 51% e 82% são católicas, de 4,5% a 19,2% são espíritas, e de 2,6% a 12,2%, estão as evangélicas;
  • Grande parte usava método anticoncepcional (principalmente pílulas): mais de 50% nas regiões Sul e Sudeste, e entre 34% e 38,9%, na região Nordeste.

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