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Por trás do mártir: é verdade que Gandhi era preconceituoso e maltratava mulheres? 

Publicado 22 Mai 2017 – 10:15 AM EDT | Atualizado 26 Mar 2019 – 06:08 PM EDT
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Grandes personagens se fazem de suas glórias e também de polêmicas. E o líder Mahatma Gandhi, conhecido como “pai da Nação” na Índia e símbolo da pacificação e sabedoria no mundo inteiro, não foge a esta regra. 

Tanto que, vez ou outra, livros e matérias publicados sobre o indiano, assassinado em 1948, em Nova Deli, revivem episódios controversos e declarações que duelam entre sua luta pela paz e seu lado mais obscuro, relacionado principalmente à sua vida sexual.

Ou seja, ainda que a história da vida de Gandhi seja um dos maiores exemplos da representação pacífica – já que o líder lutou pela independência da Índia – quem se dedica a investigá-la garante que há mais elementos a entender sobre o jeito com que ele alinhava sua filosofia com questões como sexo, mulheres e a vida de brancos e negros em sociedade.

Biografia de Gandhi: conheça história

A postura de não-violência na luta pela independência da Índia foi o maior legado histórico e simbólico de Mohandas Karamchand Gandhi, Mahatma (Grande Alma) Gandhi. Nascido em Porbandar, em 1869, e pertencente à casta vaisya (comerciantes), Gandhi se formou em Direito na Inglaterra e foi à África do Sul exercer a profissão.

Em seu retorno à terra natal, em 1915, ele passou a mobilizar a comunidade local para a emancipação da Índia, então colônia britânica, o que só aconteceria em 1947. 

Seus movimentos de desobediência civil, como a Marcha do Sal (protesto contra a proibição da extração de sal na Índia colonial), e de resistência sem violência (com a execução de jejuns por causas, por exemplo) se tornaram reconhecidos mundialmente, enquanto ele pregava a unificação de seu país e a paz como meio de resolver conflitos.   

Gandhi: vida sexual e tratamento com mulheres

“Minha vida é minha mensagem” é uma das célebres frases de Mahatma Gandhi. Fato é que muitos autores se debruçam nos detalhes íntimos do líder pacifista para justamente tentar decifrar esta mensagem por completo.

Aos 13 anos, Gandhi se casou de forma arranjada com Kasturba, 14 anos. O casal tinha uma vida sexual comum, mas, um episódio teria modificado a percepção do jovem em relação ao sexo: ele e a esposa estavam transando no quarto ao lado, quando o pai de Gandhi morreu, dentro de casa.

Esta história e seus desdobramentos são contados pelo biógrafo Jad Adams, que escreveu o livro “Gandhi: Ambição nua” (2010). O autor pontua que, por conta deste momento, Gandhi declarou seu celibato unilateral e passou a enxergar o sexo como uma atividade a se proibir e superar na vida.

É a partir desta experiência, então, que Gandhi usou um recurso para testar sua resistência ao desejo sexual: dormir com jovens nuas, inclusive com sua sobrinha. 

O hábito, visto como “bizarro” em algumas análises sobre a vida do líder, também enraizava outro conceito preconceituoso: o da submissão das mulheres em relação aos homens.

Gandhi e as mulheres

A opinião de Gandhi sobre as mulheres é retratada de maneira preconceituosa, segundo o escritor Michael Connellan, de Nova Deli, em um artigo do jornal The Guardian.

Em “As mulheres sofrem com o legado de Gandhi”, Connellan defende que a visão do líder era sexista e misógina. Isto significa que ele atribuía valores diferentes aos homens e às mulheres, que já vivem em uma cultura de repressão na Índia, e, em certos acontecimentos, “castigava” as mulheres.

O autor relembra um caso do período em que Gandhi estava na África do Sul e percebeu que um jovem perseguia duas de suas seguidoras.

O líder indiano, então, decidiu cortar pessoalmente os cabelos das jovens, “para garantir que o ‘olho do pecador’ fosse ‘esterilizado’”.  

Connellan pondera que este tipo de atitude reforça o pensamento de que ataques sexuais a mulheres são responsabilidade delas mesmas – colocando a culpa, assim, na vítima. 

Gandhi e o sexo

A relação de Mahatma Gandhi com o sexo é um dos aspectos controversos que merecem capítulo a parte.

Em matéria do jornal britânico Independent, Jad Adams, autor de “Gandhi: Ambição nua”, explica que Gandhi aumentava o nível de desafio sexual que se propunha ao longo da vida. 

Na velhice de Gandhi, era comum ver a cama do líder cercada de mulheres nuas. Ele também teria escrito, em documentos que foram destruídos, a respeito de técnicas de strip tease, leitura de cartas sobre sexo e atividades sexuais sem contato. 

“Gandhi certamente maximizou as suas oportunidades sexuais em seus termos e ele o fez a fim de que sua renúncia pudesse ser ainda mais pronunciada (...). Aos sessenta e setenta anos, com suas massagens diárias aplicadas por mulheres nuas, seus banhos acompanhados e sua cama compartilhada por lindas mulheres, Gandhi conseguia muito mais contato íntimo feminino do que qualquer indústria do sexo e qualquer rico sibarita”, escreve Adams.

Nenhum destes episódios, entretanto, ofusca a importância política e imagética de Gandhi. 

“A luta com o governo sobre os direitos indianos foi o que ele fez, a luta com sua própria sexualidade foi o que ele era”, destaca, na introdução da obra.

Gandhi: racismo na África do Sul

Durante 1893 e 1914, Gandhi trabalhou como advogado na África do Sul, lugar em que declarou seus votos de pobreza e celibato e arquitetou o estilo de vida não-violento, que o caracteriza até hoje.

Esta passagem pelo país africano, entretanto, esconde outra verdade do líder: Gandhi era racista. Esta é a tese defendida pelo professor de Sociologia da Universidade de Joanesburgo Ashwin Desai e pelo professor associado de História da Universidade de KwaZulu Natal Goolam Vahed.

No livro “O sul-africano Gandhi”, os pesquisadores ponderam sobre as experiências iniciais de Gandhi no país, destacando que ele não só acreditava na supremacia branca, como apoiava o Império Britânico.

Abaixo, veja um vídeo de divulgação do livro com fotos da vida de Gandhi na África do Sul (o texto é em inglês):

Segundo matéria do The Washington Post, Gandhi entendia que brancos e indianos eram superiores aos negros, a quem considerava “selvagens”, “crus”.

Várias declarações de Gandhi, por conta da defesa da comunidade indiana na África do Sul, consideram que os indianos não devem ser tratados como os negros pelo fato dos primeiros serem superiores aos nativos.

Em um discurso de 1896, Gandhi declarou que os europeus queriam “degradar [os indianos] ao nível dos negros, cuja ocupação é a caça e cuja única ambição é coletar um número de gados para comprar uma esposa para passar a vida na indolência e na nudez”. 

Em 1908, Gandhi escreveu sobre a experiência de ter sido preso – com a “dificuldade” de ter sido classificado na área dos negros. “Podíamos entender não sermos classificados com os brancos, mas para ser colocado no mesmo nível com os nativos parecia muito para suportar”.

A África do Sul, vale lembrar, só viveria o Apartheid, segregação de negros e brancos em várias esferas sociais, em 1948.

O Apartheid foi fortemente combatido pelo defensor da liberdade Nelson Mandela que, em artigo publicado na revista Time e reproduzido pela Fundação Gandhi, chama o líder indiano de “professor” e afirma que ele foi inspiração para os movimentos de resistência negros. 

Como, então, um líder racista como teria sido Gandhi conseguiu inspirar a luta negra pelos direitos civis

Uma das justificativas diz respeito à ordem cronológica dos fatos: o início deste doloroso período de exclusão de direitos dos negros coincide com a morte de Gandhi; momento em que ele se eterniza como um símbolo de amor, tolerância e não-violência. 

Os professores Desai e Vahed sugerem ainda que o próprio Gandhi conseguiu “limpar sua imagem” por meio de autobiografias e escritos pessoais que não correspondiam ao que, de fato, aconteceu na época. “Ele reescreveu sua história”. 

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