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Números provam: Brasil está vivendo uma guerra e quase ninguém se deu conta

Publicado 9 Mar 2017 – 06:00 AM EST | Atualizado 13 Mar 2018 – 04:42 PM EDT
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Há dez anos, o capitão Nascimento do filme "Tropa de Elite", interpretado pelo ator Wagner Moura, subia os morros do Rio de Janeiro pelo Bope “pela primeira vez” para combater a criminalidade e o tráfico de drogas, em cenas de violência extrema, com tortura e mortes. Em 2010, a sequência do filme decretou que “o inimigo era outro”, e arrebatou ainda mais espectadores para dentro das salas do cinema.

Enquanto assistíamos à Tropa de Elite 2 nas telonas, entretanto, o Brasil estava prestes a iniciar uma guerra na vida real. 

Isto porque, em um mesmo período, a violência urbana brasileira matou mais pessoas que a Guerra da Síria. Em 5 anos, registramos 279.567 mortes violentas intencionais (homicídios) frente a 256.124 vítimas do conflito no Oriente Médio, no mesmo período.

Em 2015, foram 58.467 mortes violentas intencionais (vítimas de homicídios com intenção de matar, roubo seguido de morte, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais). A estatística representa um homicídio no País a cada nove minutos. As informações são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016

Os números provam, de fato, que o Brasil vive uma guerra. Mas, no nosso caso, o "inimigo" é interno. 

Violência no Brasil

O significado de guerra no dicionário Caldas Aulete é “conflito armado entre nações, etnias, etc., campanha militar, luta, combate”. 

O fato de o Brasil ter registrado mais mortes – 23.443 vítimas a mais – do que a Guerra na Síria, entretanto, subverte esta definição. Afinal, como não se sentir em meio a uma guerra urbana, quando se vive uma crise de insegurança nas ruas e quando o homicídio se torna um crime banal?

O jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) Bruno Paes Manso explica que é justamente esse pensamento que produz o clima de guerra.

“Os números são de guerra, mas o que temos é um problema urbano ligado a indivíduos, cidadãos que precisam ser punidos com um sistema de justiça e de polícia voltado para esse controle”, define. 

“Na História do Brasil, são raros nossos episódios de guerra, exceto a Guerra do Paraguai e alguns conflitos internos, como Canudos e as revoluções. Não estamos acostumados a ter um inimigo, nem conflitos por motivos políticos, étnicos ou religiosos, como acontece em outros países. No entanto, temos um 'inimigo interno', e ele é o bandido”. 

As ações ostensivas das forças policiais, principalmente da Polícia Militar, reforçam esse modelo de combate ao crime. Resultado: temos uma das polícias que mais matam e mais morrem no mundo (358 policiais foram assassinados em 2015, sendo 267 fora do serviço e 3.320 pessoas foram mortas em “intervenções policiais”).

“Vivemos um ciclo sem fim no qual os policiais são caçados todos os dias pelos criminosos e, em contraposição, fazem uso excessivo e letal da violência sem grandes questionamentos políticos e institucionais”, analisa o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Renato Sérgio de Lima.

O modelo de guerra ao crime também aposta muito em prisões, quase sempre, superlotadas e dominadas por facções criminosas. “Até que ponto ele tem aumentado a disposição para o crime, com presídios se tornando escritórios do crime, gerando raiva nos encarcerados?”, questiona Bruno.

O que pensam os brasileiros

De acordo com o Anuário de Segurança Pública, 57% dos brasileiros entrevistados concordam com a máxima “ bandido bom é bandido morto” e 76% afirmam ter medo de morrer assassinados.  

“É um inimigo meio invisível e que permeia a sociedade. Por isso, quando se preocupa com quem que você vai atingir, a resposta é os suspeitos e os pobres”. 

As vítimas da guerra armada no Brasil têm um perfil bem claro: homens, negros e jovens. Segundo o Mapa da Violência de 2014, 94% das vítimas fatais por arma de fogo são homens e morrem 2,6 vezes mais negros do que brancos (o que representa 158,9% mais negros do que brancos). No mesmo período, 59,7% das vítimas fatais de um disparo de revólver foram jovens de 15 a 29 anos.

Mas, questionar esta realidade polariza opiniões. Bruno explica que, para algumas pessoas, encarar que o sistema contra o crime falhou e apontar alternativas parece ser um meio de defender a violência ou a ação de bandidos e homicidas. 

“Parece que se está defendendo inimigos. Mas, é importante dizer que nosso modelo já tem tempo suficiente para mostrar que deu errado e que produziu uma coisa mais forte e complexa. O desafio cresceu mais”, avalia. 

“Por isso, é natural que tenha gente que tenha medo e raiva de alguém que coloque um revólver na cabeça de uma senhora de 70 anos. Mas, é preciso explicar que não se fala sobre segurança pública porque você tem pena desse cara; se fala para entender que talvez essas políticas estejam produzindo esse cara, covarde e raivoso. A saída é mostrar alternativa para ele, abrir uma janela e educar”. 

Violência no Brasil

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