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Reforma psiquiátrica brasileira: o fim dos hospícios e os direitos do paciente hoje

Publicado 1 Fev 2017 – 02:31 PM EST | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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Enclausurados, os pacientes psiquiátricos no Brasil eram internados em hospícios e isolados da sociedade. Foi no final da década de 70, entretanto, que a reforma psiquiátrica passou a tomar corpo com os primeiros movimentos da luta pelo fim dos manicômios. 

O que trabalhadores da área de saúde mental, entidades civis, familiares de pacientes e autoridades queriam era a desinstitucionalização do paciente de saúde mental; isto é, o fim da internação em hospitais psiquiátricos e, em decorrência, novos valores na assistência a essas pessoas. 

O objetivo era consolidar o conceito de "tratar sem excluir", o que tem direcionado o tratamento psiquiátrico brasileiro.

Entre a completa institucionalização, ou seja, a internação do “louco” em uma instituição isolada na tentativa de curar sua "loucura", até o reconhecimento dos direitos dos portadores de transtornos mentais, garantido por lei em 2001, foram anos de luta, estudos no campo da psiquiatria e da psicanálise, erros e acertos no cuidado psiquiátrico. 

Atualmente, o acompanhamento se dá nas redes substitutivas, representadas, hoje, por Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial, residências terapêuticas, hospital-dia, entre outros serviços de atendimento, com integração destes formatos a hospitais gerais.

Histórico

Fato é que dois momentos históricos foram fundamentais para consolidar a reforma psiquiátrica, ambos em 1989.

O primeiro diz respeito à Casa de Saúde Anchieta, em Santos, no litoral de São Paulo. A casa era um hospital psiquiátrico particular que, depois da denúncia da morte de três internos, sofreu intervenção pelas autoridades municipais.

Assim como os pacientes do Hospital Colônia de Barbacena, episódio conhecido como Holocausto brasileiro, os de Santos também sofriam maus-tratos, sessões de eletrochoques e ficavam isolados em celas em condições desumanas. O local era conhecido como a "Casa dos horrores".

No mesmo ano, o deputado Paulo Delgado lançou uma proposta de revisão legislativa para regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios. Vale lembrar que o projeto só foi aprovado em 2001, 12 anos depois de sua criação. 

Garantias por lei

A lei deu força à luta antimanicomial no Brasil, que já defendia que a internação e o isolamento do paciente psiquiátrico deveriam deixar de ser a primeira opção para o tratamento.

No texto, aprovado em 2001, se diz que “a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”. 

Também são direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

  • ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, de acordo com suas necessidades;
  • ser tratada com humanidade e respeito, para melhorar sua saúde e se recuperar pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
  • ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
  • ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
  • presença médica sempre que precisar para identificar se a hospitalização involuntária é necessária ou não
  • ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis e, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental

Quais as responsabilidades do Estado?

 “O Estado deve zelar pela cidadania e os sujeitos que têm sofrimento psíquico são cidadãos. Portanto, o Estado deve oferecer tratamentos que fomentem a inclusão e a cidadania”, comenta a psicanalista Vera Warchavchik, membro do Departamento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e colaboradora do Observatório de Saúde Mental, Drogas e Direitos Humanos (OIA). 

“Esta é a proposta dos CAPS, por exemplo. Lá, o Estado promove formas de tratamento público, reafirmando a condição cidadã daqueles que sofrem transtornos psíquicos; ou seja, promovendo seu direito a um cuidado integral. Estes tratamentos jamais devem afrontar a dignidade humana”.

Indivíduos que tiveram, em sua experiência de vida, privações, violências, traumas ou outros transtornos e que, por vezes, podem causar danos a si e ou a outros, devem receber cuidados específicos. Para a psicanalista, por vezes a internação pode ser necessária; porém, “sempre pontual, para superar momentos de crise aguda”. 

“A internação e a medicação representam uma medida extrema que só se justifica em casos que o indivíduo representa perigo para ele mesmo ou para os outros”, considera.

“O movimento deve ser sempre o de inclusão, o de fomentar os laços sociais, de abrir possibilidades de realização e de manutenção da dignidade e da autonomia do sujeito, de acordo com as possibilidades de seu quadro”.

Marginalização

Neste sentido, a psicanalista aponta que a sociedade se incomoda com os "loucos" e os diferentes - "sejam esses psicóticos, andarilhos, transexuais, artistas" - pois eles mostram que é possível recusar ou ainda não formar os chamados laços sociais. O "errado", portanto, relativiza a "eficiência do certo".

"Não estou falando dos motivos altamente complexos que levam certos sujeitos à patologia, que podem ser condições inatas, contexto familiar, social, traumas e outros acidentes de percurso", comenta. "De qualquer modo, o anormal evidencia a norma e o custo de se ser 'normal'", pondo em xeque, portanto alguns conceitos que não queremos questionar como sociedade.

"É preciso lembrar ainda que o Brasil tem uma história de exclusão, de distribuição desigual da cidadania. Os internos de Barbacena, por exemplo, foram sujeitos a um processo de exclusão 'herdeiro' do tratamento que se davam aos indígenas e aos escravos".

Cuidados com a mente

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