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Motoristas da Uber processam empresa: quais direitos eles têm?

Publicado 21 Set 2016 – 10:11 PM EDT | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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Atrás de um volante da Uber, existe um parceiro. Pelo menos, é assim que a empresa que oferece serviço de transporte particular exclusivamente por meio do aplicativo no celular chama aqueles que se cadastraram para virar motorista de uma frota que caiu no gosto dos usuários -principalmente pelo preço bem abaixo do praticado nos táxis.

Em São Paulo, entretanto, parece que a prática não segue a teoria. Oito motoristas que já não atendem mais pelo aplicativo e outros dois que ainda estão na ativa, não veem a “parceria” do mesmo jeito que a Uber vê (e vende). Eles entraram com uma  ação judicial contra a Uber, justamente questionando qual é o tipo de relação de trabalho que se estabelece a partir do momento que eles baixam o aplicativo e rodam pelas ruas da cidade atrás dos passageiros. 

De um lado, o que eles querem é provar que existe vínculo empregatício com a empresa e que, portanto, teriam direito a todas as garantias trabalhistas que um patrão deve dar a seu funcionário. Entenda o caso. 

Motorista da Uber e seus direitos

Ser motorista Uber tem atraído tanto quem foi demitido por conta da crise quanto quem sai de um trabalho com carteira assinada e, “já que pegariam trânsito mesmo”, emendam em uma segunda jornada e vão atendendo passageiros pelo caminho, entre outros interessados.

Neste caso, a confusão sobre os direitos dos motoristas já começa na gramática: eles dirigem “pela”, “para” ou “com” a Uber? São funcionários da empresa?

O advogado que representa os motoristas que estão processando a Uber, Maurício Nanartonis, defende que há fatores que caracterizam a situação de que eles dirigem “para a Uber”.

“Independentemente do que está no contrato que os motoristas firmam com a empresa na internet, existe a subordinação às regras da Uber, pagamento da remuneração por meio de depósitos semanais. Também é a empresa que fixa o preço das corridas. E ainda existe a habitualidade, isto é, o motorista vive da Uber, apesar de a empresa divulgar que não”, avalia. “Tenho clientes que têm se dedicado a isso o tempo todo”.  

Nanartonis explica que os processos ainda estão em primeira instância e, portanto, não foram julgadas ainda. Ele destaca que houve rescisão de contrato por parte da empresa com esses “parceiros” – cita que, de uma hora para outra, o aplicativo parou de funcionar para o motorista, que ficou impossibilitado de trabalhar com o carro.

“Se você sai com o carro na rua, ninguém vai fazer sinal para você parar [se não estiver participando do aplicativo]. O motorista faz parte da cadeia produtiva e depende da empresa; existe uma relação forte”, defende.

O advogado argumenta que a Uber se apresenta como uma empresa de tecnologia (por ser um aplicativo), mas é, na verdade, de transportes. Também pondera que o modelo de negócio da empresa onera o motorista – já que ele faz de tudo para manter o carro nos trinques e, assim, conseguir boas avaliações dos passageiros e fazer muitas viagens.

“A Uber lucra sem ter custos. Quando um usuário pega um carro limpo, cheiroso e com balinhas, foi um gasto do motorista, e não da Uber, já que eles vivem da opinião do público”, comenta, referindo-se a avaliação com estrelinhas que os passageiros fazem a cada motorista depois da corrida (veja abaixo tela que aparece para o usuário).

O que a Uber diz

A empresa explicou que "não é a Uber que contrata motoristas, mas sim os motoristas que contratam a Uber" para utilizar o aplicativo e, assim, prestar serviço de transporte individual privado de passageiros. 

A explicação da Uber é de que os motoristas não têm qualquer subordinação à empresa: "é possível recusar viagens, não existem metas a cumprir, não se exige número mínimo de viagens, não é necessário justificar faltas, não existe chefe para supervisionar o serviço, e não existe controle ou determinação de cumprimento de jornada de trabalho", disse, em nota.

A empresa ainda falou que o motorista pode manter o aplicativo desligado quando quiser - sem pedir autorização ou sofrer qualquer punição quando fizer isso. Outro ponto destacado pela Uber é que a relação dos motoristas com a plataforma é "não-exclusiva", ou seja, eles também podem atender por outros aplicativos.

Opinião de especialista 

Para o professor titular da Faculdade de Direito da USP e advogado sócio de MSV Advogados Associados, Nelson Mannrich, o vínculo entre Uber e motoristas representa uma relação de trabalho para a qual o Direito do trabalho ainda não se adaptou.

“Cada caso é um caso. Em tese, o motorista é empregado quando fica à disposição da empresa e tem salário”, explica. “O motorista Uber trabalha dentro de uma organização e tem sua própria autonomia e estrutura empresarial. Outro ponto: eles é que são procurados e não vivem daquele salário”.

Para comprovar vínculo empregatício, segundo o professor, são necessárias quatro características, além do trabalho ser realizado por pessoa física: pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação.

Esta última, de acordo com Mannrich, pode ser o ponto-chave na decisão das ações trabalhistas em questão. “O empregado precisa provar que ele estava sob as ordens do empregador e que, caso não as cumprisse, teria punição. Na Uber, o motorista pode inclusive fazer apenas uma corrida por mês, ele vai ganhar R$ 10, por exemplo, porque ele quis”, exemplifica. “Se ele não quiser trabalhar um dia, ele vai simplesmente desligar o aplicativo”.

“Se um jurista, entretanto, não tiver a possibilidade de enquadrá-lo fora da CLT, ele avaliará que o motorista está dentro da empresa e, por presunção, dirá que ele é subordinado”, completa.

Exemplificando...

Para entendermos este ponto, o professor e advogado dá o exemplo do caso de um engenheiro que comandava vários projetos para uma empreiteira. Nesta situação, ele era um prestador de serviço e comandava projetos para a empresa. “Ele tinha autonomia para desenvolver projetos, porque era a área que ele conhecia”, conta.  

Diante destes fatos, a Justiça entendeu que ele não podia ser caracterizado como empregado da empreiteira. “De fato, ele não é. Ele teve sua autonomia, não havia subordinação, havia uma coordenação do trabalho”, defende. 

Cabe, agora, aguardarmos a decisão das ações trabalhistas da Uber, já que não há um consenso entre juízes e desembargadores sobre o tema.

Experiência como motorista

O motorista Thiago Pires, que circula por São Paulo, entrou na frota Uber em setembro de 2015 e comenta que, de lá para cá, a Uber tem adaptado alguns detalhes. Por exemplo, nos critérios de contratação.

“Quando eu entrei, eles eram exigentes: além da documentação minha e do carro, pediram atestado criminal e eu fiz provas online. Aprovado, passamos por entrevista com psicóloga, que avaliava como nos comportaríamos se tivesse reclamação de usuário, se alguém esquecesse algo no carro e fez perguntas até sobre assédio sexual”.

No atual sistema de cadastro para ser um Uber, é necessário informar sua CNH (que deve ter para exercício de atividade remunerada) e o documento do veículo. O motorista passa por checagem de antecedentes criminais. Não há informações sobre entrevista com psicólogos ou provas online.

Outros critérios também precisam ser seguidos por uma pessoa que quer se tornar motorista Uber, segundo site da Central de Atendimento da Uber em São Paulo:

  • É preciso ter um smartphone
  • É preciso ter, alugar ou se propor a dirigir um carro de outro parceiro Uber
  • No serviço de UberX, é necessário que o carro seja modelo 2008 ou mais novo, 4 portas, ar-condicionado e de 5 lugares

Thiago conta que tem feito menos viagens, mas porque prefere se dedicar à profissão de microempresário. “Agora só faço em alguns dias da semana e em horários vagos”.  Apesar de a Uber dizer que o motorista pode desligar o aplicativo por meses sem ser afetado, ele comenta que faz pelo menos uma viagem por mês para estar ativo e dá sua opinião sobre a fórmula de negócio da empresa. 

“Desde que vieram ao Brasil, deu-se a entender que não tem vínculo. A única obrigação que temos é fazer pelo menos uma viagem ao mês. E é aquilo, quanto mais a pessoa fica online, mas ganha”.

Uber no Brasil

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