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Por que não se fala mais tanto em microcefalia? Acredite: há sérios riscos nesse silêncio

Publicado 16 Ago 2016 – 01:17 PM EDT | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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Em agosto de 2015, quando as primeiras notícias começaram a surgir, o estado geral, tanto da comunidade científica como da população brasileira, era de pânico. Eram bebês nascendo com uma má formação cerebral causada possivelmente por um vírus transmitido pelo Aedes aegypti, mosquito presente em todo o país. Até dezembro de 2015 eram investigados 2.165 casos de má formação causado pelo Zika Vírus.

A descoberta chamou atenção de toda a comunidade científica, nacional e internacional, e em pouco tempo muitas questões foram desvendadas. O Zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti (e, segundo novas evidências, pelo mosquito comum também), que em adultos gera uma infecção com sintomas leves e semelhantes ao de uma gripe, em gestantes pode chegar até o feto e afetar a formação do seu sistema neurológico, causando não só a microcefalia, como diversas outras lesões congênitas e permanentes. Na época das descobertas, toda a imprensa estava focada em noticiar os casos, mas aos poucos o assunto sumiu da mídia. Mas, afinal, por que isso aconteceu? Será que o problema não merece mais atenção? Pelo contrário: merece muita. A seguir, entenda os riscos que estão por trás desse silêncio.

Microcefalia e Zika Vírus colocaram Brasil em alerta

Foi no final de agosto de 2015 que hospitais da região nordeste do país notaram um aumento grande e repentino no atendimento de bebês nascidos com microcefalia. Em pouco tempo, mas depois de muita análise, especialistas responsáveis pela investigação desses casos associaram o surto de Zika vírus existente na região à má formação dos bebês. “Aqui o surto começou no final de agosto e se intensificou em setembro. O vírus estava circulando por outros estados. Mas, até então ninguém tinha feito relação com a microcefalia”, lembra Dra. Maria Ângela Rocha, neuropediatra chefe do Departamento de Infectologia do Hospital Oswaldo Cruz de Pernambuco, estado onde foi diagnosticado o maior número de casos. A suspeita só surgiu depois que todas as outras causas da microcefalia foram descartadas.

Como identificam que um bebê foi afetado pelo Zika?

Atualmente, embora o perímetro encefálico (que caracteriza a microcefalia) seja o principal sinal levado em consideração no momento da análise dos bebês nascidos em regiões de risco, outros sintomas como alterações neurológicas, oftalmológicas e muscoluesqueléticas são observados. “Hoje já se sabe que a criança pode nascer sem microcefalia e com problemas originados pela contaminação pelo vírus”, reforça Dr. Rubens Belfort, médico oftalmologista pesquisador da Universidade Federal de São Paulo e vice-presidente da Academia Nacional de Medicina. É por isso que, para incluir todas as sequelas da infecção além da microcefalia, todos os bebês com casos confirmados são diagnosticados com Síndrome Congênita de Zika.

Depois do atendimento inicial e após a suspeita, o caso é notificado aos órgãos de saúde e, então, passa por uma investigação que inclui exames físicos, de sangue e de imagem para comprovar os danos e a relação com a contaminação da mãe durante a gestação pelo Zika vírus.

Qual é o impacto da doença?

Embora não seja possível quantificar quantas pessoas estão ou já foram infectadas pelo Zika - porque a notificação pelos serviços de saúde não é obrigatória e muitas vezes a doença sequer apresenta sintomas-, é possível identificar, no entanto, que os maiores atingidos, tanto pela zika como pelas complicações dela na gestação, fazem parte de grupos populacionais de baixa renda.

“O que podemos perceber é que a doença é de grupos que se expõe a riscos”, comenta a médica de Pernambuco, que define por riscos a falta de infraestrutura de saneamento básico e o restrito acesso à saúde preventiva. “Pessoas que têm necessidade de estocar água ou que moram em regiões onde o lixo não é coletado de maneira eficiente têm mais contato com o mosquito porque, infelizmente, estão perto de criadouros e ainda não têm acesso a repelentes ou telas”, complementa.

Como a situação está agora?

Número de nascimentos de bebês com microcefalia diminui

Mesmo com a gravidade dos casos, nos últimos meses, no entanto, foi possível perceber uma queda no nascimento de bebês afetados pela infecção. “O número de notificações diminuiu consideravelmente. Observamos que o surto da dengue, da chikungunya e da zika geralmente acontece em março, abril, maio e junho. Então, afetou bebês que nasceram a partir de setembro”, relata Dra. Maria Ângela.

Por que diminuiu?

Epidemiologistas, sanitaristas e entomologistas listam alguns fatores que podem ter contribuindo para que o número de nascidos com síndrome congênita de zika tenha caído:

O primeiro deles é o apontado por Dra. Maria Ângela. De fato, o mosquito Aedes aegypti se reproduz com mais facilidade no verão, época de calor e chuva, e, por isso, a tendência é que as gestantes sejam mais atingidas na época de dezembro a maio, condição que faria com que os bebês afetados pela infecção começassem a nascer a partir de setembro, como aconteceu em 2015.

Outra suspeita dos pesquisadores é que com a alta do número de pessoas infectadas, os indivíduos das regiões mais afetadas já tenham sido contaminados e produzido anticorpos para o vírus, fator que contribui para a diminuição de outras transmissões.

O susto causado pela imprevisibilidade da doença também pode ter contribuído para diminuir esse número. “Como todo mundo já sabe a relação do Zika com a microcefalia, as pessoas estão tendo mais oportunidade de se prevenir, tanto usando repelente e roupas longas como evitando criadouros e a infestação do vetor”, acredita Dra. Ana Freitas Ribeiro, médica sanitarista do Instituto de Infectologia do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo.

Os casos podem aumentar de novo?

Nordeste

Mas, como não é possível adotar nenhuma das hipóteses como única e certa justificativa, não há, por enquanto, como afirmar que os números continuarão em queda ou voltarão a crescer a partir de setembro, quando as mulheres que ficaram grávidas nas épocas de chuva e calor terão seus filhos. “Não dá para saber porque não temos o controle de quantas pessoas já tiveram contato com a doença e desenvolveram imunidade. Estamos em alerta observando se as notificações vão aumentar quando bebês de gestações que aconteceram no verão começarem a nascer”, esclarece Dra. Maria Ângela.

Sul e Sudeste

Dra. Ana Freitas, no entanto, traz um alerta importante. Os primeiros casos foram detectados na região nordeste do país. Embora os estados do sudeste e sul também tenham sido atingidos, a transmissão começou posteriormente. É por isso que, embora os registros de casos sejam menores nessas regiões, existe a possibilidade de que em um curto prazo de tempo o número aumente. “Imagina-se que possa haver um aumento de casos suspeitos agora que as gestantes possivelmente contaminadas estão tendo seus bebês. Mas, eu não acredito que haja um impacto em relação a quantidade como no nordeste” esclarece.

Se o surto voltar, o que pode ser feito? 

Mas, para Dra. Maria Ângela, que trabalhou no maior foco até então, embora seja importante estar alerta, este não é um motivo para pânico. “O Estado (de Pernambuco) se organizou para ter um protocolo de atendimento, não só na capital, mas também no interior. Todos os profissionais estão atentos para bebês com perímetros encefálicos pequenos”.

Além disso, ela lembra que a população está mais atenta e as gestantes mais informadas, fatores que contribuem para a diminuição dos focos do mosquito e redução das chances de contágio. “As gestantes também estão mais informadas para se proteger e procurar centros de referência a qualquer sintoma da doença. É uma situação completamente diferente de antes, quando começamos do zero em termos de pesquisas, acompanhamentos e protocolos. Hoje em dia eles existem”, ressalta.

Qual é o futuro da zika? Ela vai ter fim?

Um estudo publicado por um grupo de pesquisadores da Medical Research Council, instituição de financiamento científico do Reino Unido, indica que em pouco tempo – três anos, aproximadamente - possa haver uma diminuição no número de infecções e, consequentemente, de bebês nascidos com complicações oriundas delas. Isto porque, na progressão divulgada, o Zika vírus, ao contaminar uma pessoa pela primeira vez, induziria a produção de anticorpos, agentes que impediriam uma nova infecção. Um novo ciclo de transmissão começaria apenas dez anos depois, quando indivíduos ainda não imunes da geração seguinte pudessem ser contaminados. “É provável que haja uma redução ao longo do tempo, especialmente se for comprovado que o vírus contamina o indivíduo apenas uma vez”, acrescenta a sanitarista do Hospital Emílio Ribas.

No entanto, a especialista prefere dizer que embora essa seja uma possibilidade, não é possível adotá-la como factível a curto prazo. Isto porque, para se provar verdade, como explica, a epidemia teria que atingir uma taxa de infestação muito alta. “Além de os estudos não terem sido concluídos, ainda não é possível saber o número de pessoas infectadas. Precisamos de uma melhor investigação para comprovar que essa imunidade existe e se é duradoura”, comenta Dra. Ana Freitas.

Para a médica, as pesquisas ainda precisam descobrir quantas pessoas já foram infectadas e, para isso, é preciso a realização de exames específicos que ainda não foram desenvolvidos. “Ainda não dispomos do exame que mostra que algum dia tantos por cento da população entrou em contato com o vírus e por isso está imune. As pesquisas estão sendo feitas, mas a grande dificuldade é conseguir um teste que mostre exatamente se a pessoa algum dia entrou em contato precisamente com o Zika. Leva tempo”, explica.

Então, quais são as saídas?

Como não é possível contar com o fim da epidemia apenas através da existência de imunidade natural, existem alternativas para serem adotadas momentaneamente para, além de identificar os bebês afetados pela microcefalia e fornecer tratamento digno para eles, controlar a reprodução do vetor, combater as doenças transmitidas por ele e prevenir o contágio.

Controle do vetor 

“A prioridade é o controle vetorial, porque assim você pode reduzir as infecções de, pelo menos, três doenças [zika, chikungunya e dengue]. Essa é a grande prioridade”, coloca Dra. Ana Freitas.

Prevenção do contágio em mulheres

Como a doença em adultos quase não causa impactos, a maior preocupação são as gestantes. Entre as mais importantes formas de prevenção, os epidemiologistas listam:

Rastreio de bebês nascidos durante a epidemia

Mas, a doença muitas vezes pode ser silenciosa e acometer gestantes sem apresentar sintomas. É por isso que os profissionais que atuam em áreas de riscos devem estar atentos durante o pré-natal e no atendimento de crianças que eventualmente podem aparentar deficiência no desenvolvimento - seja no tamanho do crânio ou de outras áreas neurológicas. “Pediatras precisam ficar supervigilantes. Muitas vezes a mãe não tem histórico de zika, não faz queixas clínicas dos sintomas (manchas e coceira), mas mesmo assim pode ter sido infectada. Quem for avaliar essas crianças precisa ter cuidado e ser criterioso porque qualquer alteração deve ser melhor investigada com outros exames que verificam a atividade cerebral”, orienta Dra. Maria Ângela.

Acolhimento de bebês que nasceram com microcefalia ou síndrome congênita de zika

Mas, é fato que pessoas já sofrem com as consequências da doença. Nesses casos, é importante focar nos tratamentos para possibilitar que o desenvolvimento seja estimulado.

Como o surgimento das consequências da contaminação por Zika foi inusitado, Dra. Ana Freitas relembra que, na época, especialmente a região nordeste teve que se preparar repentinamente. “Psicólogos, psicoterapeutas, médicos e enfermeiros tiveram que se preparar rapidamente. É uma questão nova. Desde 2015 estão construindo centro de atendimento a essas crianças, especialmente na região, em várias cidades, para que as famílias não precisem de deslocar até a capital dos estados”, comenta. Agora, a médica diz que é preciso que a rede de acolhimento e tratamento dessas crianças se amplie e reestruture para atender novos casos.

A doença, quando afeta o feto, deixa sequelas irreparáveis. É exatamente por isso que o poder público, através dos centros de saúde, deve estar preparado para tratar as vítimas por toda a sua vida. “Os estudos estão avançando, nós já sabemos a relação do vírus com a doença. Quem já sofre com ela vai precisar de cuidados e acompanhamento a vida inteira e não apenas por um período. Então, é essencial que tenha tratamento garantido de vários profissionais para que dentro dos limites da lesão, eles tenham a reparação de tudo o que puder. Mesmo que os novos casos diminuam ou deixem de existir, essas crianças continuam requerendo suporte para as dificuldades que terão para o resto da vida. E nós temos a responsabilidade de fornecê-lo”, reforça Dra. Maria Ângela.

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