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Quem foi Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, e qual a influência que teve no Brasil?

Publicado 9 Jun 2017 – 03:00 PM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 08:20 AM EDT
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Se quando você pensa na Marquesa de Santos as únicas ideias que vêm a sua mente é a de uma mulher promíscua e amante de Dom Pedro I, pode começar a mudar essa visão. Domitila de Castro foi uma das pessoas mais poderosas e influentes de seu tempo, com uma vida de atuação política que se estendeu muito mais do que os anos em que viveu na corte como amante do imperador do Brasil.

Muito antes de se tornar a “aventura romanesca de maior repercussão” na vida de Pedro I, como afirmou o historiador Octávio Tarquínio de Sousa, Domitila de Castro Canto e Melo já havia se casado e vivia uma disputa judicial que ia contra todos os costumes da época, algo que demonstrou não apenas a força dela, como também a de sua família.

Para o historiador ouvido pelo VIX Paulo Rezzutti, autor da biografia da Marquesa de Santos, “é importante frisar que não foram os sete anos do caso dela com Dom Pedro que resumem sua vida”.

Quem foi a Marquesa de Santos na vida real

Nascida em São Paulo no ano de 1797, Domitila era símbolo de um fenômeno bem regional desses tempos. Rezzutti, que é autor de mais quatro livros de história do Brasil além de “Domitila, a verdadeira história da Marquesa de Santos”, afirma que ela era “símbolo da força da mulher paulista”. Mas antes que você o acuse de bairrista, existe uma explicação histórica para essa força.

Acontecia que a maioria dos homens de São Paulo eram bandeirantes. “Eles iam para o sertão caçar índio e pedras preciosas e quem ficava na cidade eram as mulheres. Então, desde o começo da cidade, as mulheres paulistas eram mais dominantes e chefes de família”, explicou. Esse fenômeno não acontecia em outros lugares do Brasil nesses tempos e, por isso, as mulheres de São Paulo ganharam fama de bravas pelo país afora.

Mulher forte que não aceitou maus tratos

Foi assumindo essa “braveza” que Domitila fugiu da casa de seu primeiro marido. Ela havia se casado com o alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça em 1813, apenas com 15 anos de idade. Já mãe de três filhos, seu marido na época a acusou de adultério e tentou matá-la a facadas. “Em um país profundamente católico e conservador, a vigilância sobre a moralidade das famílias era severa e às vezes cruel”, escreveu Laurentino Gomes no livro “1822”, que conta a história da independência do Brasil e das pessoas reais que fizeram parte disso, incluindo a Marquesa de Santos.

Domitila não aceitou os maus tratos e fugiu da casa do marido, em Minas Gerais, para retornar a sua própria, em São Paulo. Para Rezzutti, isso é prova da personalidade forte dela porque, na época, a atitude era chamada de “abandono de lar” e se tratava de uma prática condenada moralmente pela sociedade mesmo quando a mulher sofria abusos do homem. “Isso [sair da casa do marido com os filhos] era impensável para a época. A mãe aceitá-la de volta também era impensável e mostra que se tratava de uma casa de mulheres fortes”.

Ajuda de D. Pedro no processo

Além da tentativa de assassinato, esse primeiro marido de Domitila moveu uma ação legal contra ela na qual pedia a guarda dos filhos e a acusava de adultério. Esse processo se estendeu por alguns anos até que ninguém menos que o Imperador do Brasil intercedeu a favor de Domitila. Quem fez o primeiro encontro acontecer foi o irmão dela, e sua intenção era de que Dom Pedro ajudasse a família na questão legal.

Francisco de Castro Canto e Melo, irmão de Domitila, era ajudante de ordens e amigo de D. Pedro, além de ter feito parte da comitiva que esteve com ele nas vésperas da independência do Brasil. Depois que o imperador tomou conhecimento do processo, a causa rapidamente teve um fim em favor de Domitila, que teve garantida a guarda dos filhos. Nascia, assim, o romance entre os dois.

Marquesa de Santos na corte do Rio de Janeiro

No ano de 1822, Dom Pedro levou sua amante para o Rio de Janeiro, onde morava com a esposa, a imperatriz Leopoldina. Austríaca, a princesa era herdeira de um império e havia sido criada desde sempre com a educação mais formal que uma família real europeia era capaz de fornecer. Para se ter uma ideia, Paulo Rezzutti conta que Leopoldina tinha aulas de teatro desde a infância para saber como demonstrar as expressões corretas em público.

Por outro lado, Domitila vinha de uma família influente e bem posicionada, “que tinha mais prestígio e linhagem do que dinheiro”, segundo o historiador. Ela passou longe de ter uma educação tão formal quanto a imperatriz, pois como Laurentino Gomes disse em seu livro, Domitila, “apesar de poderosa, era semianalfabeta, como de resto quase a totalidade dos brasileiros daquele tempo”.

Existe um registro do Imperador Francisco I da Áustria, pai de Leopoldina e, por isso, sogro de Dom Pedro, no qual ele fica sabendo sobre o namoro do genro com Domitila e não o poupa de comentários negativos como: “Que homem miserável é o meu genro”.

Desprestígio internacional

O fato de levar Domitila para viver na corte do Rio de Janeiro foi motivo de muito desprestígio para Dom Pedro tanto no Brasil quanto no exterior. A ela, sobraram os comentários maldosos da sociedade da época, a inimizade com a Imperatriz Leopoldina e passar a posteridade de “forma pejorativa, como a amante interesseira que teria seduzido o príncipe e futuro imperador em busca de cargos, dinheiro, promoções e privilégios de toda a natureza”, como disse Gomes em seu livro.

Na avaliação de Rezzutti, biógrafo das três pontas do triângulo amoroso Domitila-Pedro-Leopoldina, a imperatriz já estava acostumada com os casos extraconjugais do marido e não deu muita importância para Domitila por achar que seria apenas mais uma. “O grande problema da Leopoldina é que ela não se impôs e permitiu que Domitila ganhasse espaço”, disse na entrevista.

Dom Pedro I escancarou seu caso com Domitila

E, de fato, foi muito espaço. No começo do romance, Dom Pedro tomou cuidado de deixar tudo o mais sigiloso possível. Mas quando seu pai, Dom João VI, morreu, ele reconheceu uma filha bastarda que teve com Domitila e aí tudo ficou bem escancarado. Ele inventou uma desculpa formal para ter a amante sempre por perto: oficialmente, Domitila era a Dama Camarista da imperatriz.

“Esse era um título em que você servia a família real, mas não como uma empregada. Você era uma dama da sociedade que tinha acesso ao palácio. No caso, ela tinha acesso ao quarto da Imperatriz. E de Dom Pedro também”, explicou Rezzutti. Além de ter que lidar com os comentários do Brasil inteiro, que a essa altura já sabia do caso, Leopoldina foi obrigada pelo marido a ter que conviver com Domitila.

Poder e influência da Marquesa de Santos

Gomes conta que ela “passou a receber todas as atenções, presentes e honrarias do imperador, enquanto Leopoldina ia sendo ofuscada e humilhada em público”. Parentes e amigos de Domitila ganharam altos cargos na corte do Rio de Janeiro e muita gente a procurava para pedir favores ou ajuda na hora de influenciar o imperador. Sempre que Domitila era barrada em alguma ocasião formal da sociedade carioca, como uma missa ou uma peça de teatro, Dom Pedro castigava severamente aqueles que a tinham tratado mal.

Até que, em 1826, o imperador concede a Titília - como a chamava carinhosamente - um título que permitiria que frequentasse toda e qualquer cúpula da alta sociedade da época e pelo qual seria reconhecida na história: Marquesa de Santos. O documento oficial que concedeu a honra, assinado por Dom Pedro I, justificava que Domitila merecia se tornar marquesa “pelos serviços que prestara à imperatriz” como sua dama de honra.

Nascida e criada em São Paulo, Domitila nunca teve qualquer relação ou vínculo, por menor que fosse, com a cidade litorânea de Santos. O motivo para ela ter recebido esse título pela cidade demonstra um lado vingativo e afrontoso de Dom Pedro. “Quem era de Santos era o José Bonifácio [de Andrada e Silva, patriarca da independência] e os irmãos, e Dom Pedro estava brigado com eles. O imperador sabia que os irmãos Andrada odiavam Domitila e fez isso para provocá-los. Dom Pedro era um sacana”, brinca, rindo, o historiador Paulo Rezzutti.

Fim do relacionamento com a morte da imperatriz

Do ponto de vista de Domitila e Dom Pedro, tudo ia bem para os dois. Mas a imperatriz estava cada vez mais adoecida e endividada, até que faleceu em 1826 e isso teve consequências diretas e negativas no relacionamento do marido com a marquesa. O imperador precisou se casar novamente e sua fama entre as cortes da Europa não era muito boa por conta da presença de Domitila.

Quando encontrou uma nova esposa que aceitou se casar, depois de algumas negativas recebidas de princesas e herdeiras europeias, a condição para o matrimônio era que a amante do imperador não morasse mais perto da corte, de preferência bem longe. Foi assim que Dom Pedro terminou com Domitila e a expulsou do Rio de Janeiro depois de sete anos juntos, para poder se casar com a italiana Amélia de Leuchtenberg.

Marquesa de Santos em São Paulo

Antes de deixar a então capital de vez, em 1829, Domitila brigou com Dom Pedro para fazer valer o que ela queria. “Enquanto Dom Pedro não indeniza Domitila, ela não aceita sair do Rio de Janeiro. Isso não era pouca coisa, não era apenas mulher enfrentando um homem. É uma mulher enfrentando o imperador do Brasil”, observa Rezzutti. “Costumo dizer que a vida deu um monte de limão para Domitila e ela abriu uma fábrica de limonada”.

“Ao retornar a São Paulo, Domitila deixou para trás a vida de escândalos. No dia 14 de junho de 1842, oito anos após a morte de D. Pedro em Portugal, casou-se em Sorocaba com o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, um dos grandes chefes liberais da província”, conta Laurentino Gomes. Ele foi eleito duas vezes o governador da província de São Paulo e, dessa forma, Domitila se tornou primeira dama do estado em duas ocasiões.

Foi querida pela cidade

Socialmente, sua postura passou a ser de uma grande dama da sociedade da cidade. “Ninguém fala do amor que ela teve pelo segundo marido, que se envolveu na revolução liberal de 1842, nem de seu envolvimento político dentro do partido liberal de São Paulo”. A influência de Domitila era muito grande na cidade.

Longe de casos que chocavam a moralidade da época, ela passou a ser bem vista pelas pessoas. Morreu com 70 anos de idade promovendo saraus literários em sua casa, o Solar da Marquesa de Santos, onde hoje funciona o Museu da Cidade de São Paulo, além de reuniões beneficentes e promoção de atividades de caridade.

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