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Afinal, 13 Reasons Why conscientiza ou induz suicídio? 8 pontos da série merecem atenção

Publicado 20 Abr 2017 – 05:31 PM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:23 AM EDT
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Falar sobre suicídio é um grande tabu: ao invés de ser visto como resultado de um grave transtorno mental, costuma ser tratado como falha de caráter e, por isso, silenciado.

A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que o assunto seja tratado com certa distância a fim de evitar que outras pessoas se sintam influenciadas a cometê-lo e ainda que a mídia evite expor a forma e os porquês do ocorrido e destaque onde buscar ajuda e como identificar o comportamento suicida. 

No entanto, uma série de ficção tem causado polêmica por ir contra esses princípios. Criada pela Netflix, "13 Reasons Why" conta a história de Hannah Baker, uma adolescente que antes de se suicidar gravou 13 fitas cassetes contando os motivos que a levaram a cometer o ato. Entre os motivos, abusos físicos, psicológicos e sexuais são mostrados com riqueza de detalhes

Dividida entre críticas e aclamações, a trama se coloca ao lado de filmes como "Réquiem para um Sonho" e "Garota Interrompida" como uma das poucas obras modernas que tratam de transtornos metais de maneira impactante. Porém, também vieram à tona diversas dúvidas sobre a capacidade da série em influenciar o suicídio.

Uma coisa é fato:  precisamos debater o suicídio. Mas como?

Fato: é preciso falar sobre suicídio

A informação é a maior arma de prevenção de doenças e fatalidades, e porque seria diferente em relação ao suicídio? A tendência suicida tem origem em transtornos psíquicos, principalmente a depressão unipolar ou bipolar - em que há só o transtorno ou outros distúrbios concomitantes.

O depressivo se sente sem propósito, menosprezível e sem saída, o que não passa de uma ilusão. "Ninguém se mata por que quer morrer, mas sim porque quer parar de sofrer", ressalta o psiquiatra Luiz Henrique Junqueira Dieckmann, Membro Internacional da American Psychiatric Association e profissional da Doctoralia.

"Quem está sofrendo vê o suicídio como uma solução definitiva, mas ela é usada para um problema temporário. Os transtornos psiquiátricos são doenças que têm causas fisiológicas e que podem ser tratados e, muitas vezes, curados", completa.

"Colocar o suicídio debaixo do pano não ajuda em nada", psiquiatra Luiz Dieckmann.

Sessões com psicólogo, medicação e acompanhamento psiquiátrico são alternativas para diminuir a dor. Contudo, a principal questão é que a maioria dos depressivos não sabe que tem a doença. É nesse ponto que surge a necessidade de falar sobre o assunto sem estigmas e preconceitos, a fim de ajudar e identificar pessoas com tendências autodestrutivas, além de conscientizá-las de que há saída.

"Antigamente, havia um mito que se psiquiatras não falassem sobre suicídio, a pessoa não pensaria sobre isso. Contudo, estudos atuais mostram que temos de conversar sobre os pensamentos de morte com clareza e de forma sensível para ajudar a pessoa. Colocar o suicídio debaixo do pano não ajuda em nada", conta Luiz Henrique.

Mas como falar sobre?

Apesar de ser importante discutir o tema suicídio, nem toda fala é válida. Seja por séries, filmes, jornalistas ou mesmo por especialistas, o assunto deve ser abordado com o cuidado necessário para não "romantizar" o suicídio ou servir como gatilho, ou seja, um estopim que leva alguém já com histórico de depressão ou outro transtorno do mesmo gênero a cometer esse ato.

13 Reasons Why influencia suicídio?


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A relação entre suicídio e 13 Reasons Why é controversa: por um lado, a série promoveu o debate sobre o problema, que estava adormecido há anos, e aumentou expressivamente o número de contatos feitos ao Centro de Valorização da Vida (CVV) - associação brasileira que disponibiliza voluntários para conversar sobre depressão e outros problemas anonimamente pela web ou telefone, além de postos para encontros presenciais.

Efeito Werther

Por outro, há gatilhos que a série pode despertar. A teoria baseia-se, em parte, no Efeito Werther, termo cunhado em referência a uma onda de tentativas de suicídio ocorrida na Alemanha após a publicação do romance “Os sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, no século XVIII.

A história, cujo protagonista se mata após um amor não correspondido, influenciou vários jovens a seguirem o mesmo rumo.

Pontos delicados da série

Assim como qualquer trama cinematográfica, há pontos positivos e negativos. Ao mesmo tempo em que 13 Reasons Why trata temas de forma desconcertante, também coloca em cheque temas pouco debatidos e esquecidos.

Cena de suicídio 

Aprendemos a amar Hannah Baker. Esse afeto cresce ao longo dos episódios e termina com um baque: a cena em que tira a própria vida é detalhada e faz perder o fôlego. Mas, afinal, era preciso explorá-la dessa forma? Segundo o criador e produtor da série, Brian Yorkey, as imagens tinham de ser dolorosas de assistir para mostrar que “não há nada que valha a pena no suicídio".

Já Jay Asher, autor do best-seller que deu origem à trama, defendeu que a cena mostra essa morte como realmente é: horrível. “Não dá para assistir de forma glamourizada. É terrível e o momento em que ela é encontrada por seus pais é destruidor”, contou o escritor à Entertainment Weekly. 

A cena vai contra as recomendações da OMS e há quem diga que romantiza a morte. O psiquiatra Luiz Dieckmann conta que essa romantização ocorre quando o suicídio é exposto como um ato de coragem, heroísmo ou desafio, o que é visto no jogo suicida da Baleia azul, em que jovens têm de cumprir uma lista de tarefas macabras que termina com tirar sua própria vida. Se pararmos para analisar, a jovem Hannah não é uma heroína e sim Clay, que tenta fazer justiça e ajudar pessoas ao receber as fitas.

Morte por vingança

Hannah deixa fitas cassetes relatando os porquês do fim de sua vida que são destinadas a cada uma das pessoas responsáveis pelos “fatos”. Contudo, qual foi sua intenção ao fazer isso?

Despejar a culpa de sua morte em outras pessoas é uma forma de vingança. Transferir a responsabilidade pelo sofrimento é muito comum, principalmente em casos de depressão, já que a pessoa passa a se desvalorizar e acreditar que o mundo está contra ela.

Contudo, as fitas também podem ser vistas como uma possibilidade da personagem expor seus sentimentos, o que ela poderia ter feito em vida com profissionais especializados e até mesmo com pessoas próximas. Além disso, as gravações fazem com que cada pessoa, e inclusive o próprio espectador, reflita sobre suas atitudes e como elas podem machucar alguém, mesmo que sem intenção. 

Transtorno psiquiátrico ocultado

Uma das falhas da série é não retratar o transtorno da figura principal, que acredita-se ser depressão. Infelizmente, a doença ainda é muito negligenciada por quem a vive e pelas pessoas ao redor.  

Os sintomas de depressão incluem tristeza, desesperança, cansaço, dores que não respondem a tratamentos, alterações no sono e apetite, ansiedade, falta de concentração e memória, delírio e distanciamento de amigos e familiares.

É difícil ser adolescente

Além do próprio sofrimento de Hannah, a série mostra que alguns adolescentes considerados os "porquês" de Hannah não sabiam como lidar com sua própria dor, a exemplo da personagem de Michele Selene Ang, Courtney, que não aceitava sua homossexualidade, e da conturbada família de Justin, interpretado por Brandon Flynn.

A adolescência é confusa para todos. Ela envolve o estabelecimento da própria personalidade, bullying, escolhas profissionais e críticas exteriores e interiores muito frequentes. Como a maioria dos filmes juvenis retrata essa fase como um besteirol, 13 Reasons Why se destaca por expor o outro lado e mostrar que ser adolescente não é fácil, principalmente quando não há apoio dos pais, escola, amigos ou familiares.

Depressão cega

A depressão também faz com que achemos que não somos amados, o que não é verdade. Zach, Clay, os pais de Hannah e até os membros do clube de poesia que ela frequentava nutriam sentimentos por ela. Mas a jovem estava tão abalada que os enxergava como uma ameaça ou acreditava não ser digna de tal afeto.

Essa cegueira causada pela depressão é comum e cabe aos familiares, amigos e profissionais de saúde tentar conquistar a confiança do indivíduo, conversar e encaminhá-lo a um profissional.

Falta de ajuda

Hannah pediu ajuda mais de uma vez. Ainda por cima, mesmo que subjetivamente, em cartas ou em frases soltas, a jovem deu sinais de que não estava bem. Um ponto muito curioso é que toda vez que ela conversava com os pais, seja sobre escola ou outros assuntos, o diálogo acabava rápido e, geralmente, era substituído por um debate sobre as finanças da família, o que só agrava o sentimento de incompreensão e solidão.

Apesar de ser uma obra da ficção, isso acontece frequentemente em casa, no trabalho, na academia, na escola, em todos os lugares. A falta de interesse pela vida do outro ultrapassa a ficção e é sentida amplamente. O que devemos entender é que se ausentar da vida do outro causa impacto, principalmente se o outro estiver fragilizado.

Além disso, o afastamento de outras pessoas sem razões aparentes deve ser observado, pois pode ser um sinal de que as coisas não estão bem. Nesses casos, ofereça ajuda.

Sofrimento após suicídio

Quem conhece alguém que tirou a própria vida passa por um processo que engloba, mas ultrapassa, o luto. Culpa, impotência e as perguntas “Como eu não percebi? Como eu poderia ter impedido?” são frequentes. Essa dor é mostrada pelos pais da protagonista de 13 Reasons Why e exprime a dor que fica após perder alguém que se ama. 

O fim do último episódio também conta que outro personagem, que foi apontado como um dos motivos do suicídio de Hannah, tentou se suicidar. De acordo com os criadores da série, o objetivo foi mostrar que pessoas que tiveram contato com um suicida têm mais chance de se matar.

Inclusive, a  cartilha de prevenção ao suicídio do Conselho Federal de Medicina (CFM) ressalta que o histórico pessoal ou familiar de tentativa é um dos fatores de risco.

Papel da escola

A omissão da escola em que se passa a trama na morte da personagem é gritante, já que ela deixa de oferecer ajuda e se isenta da responsabilidade.

Apesar de ser uma série ficcional, isso também ocorre na vida real. "A escola tem um papel cada vez maior na vida do jovem, principalmente por que muitos pais não acompanham seus filhos, seja por falta de tempo ou ingenuidade. É um grande problema ela se omitir nesse tipo de discussão, um desserviço ao aluno", ressalta o especialista.

Se você é mãe, pai ou responsável por um estudante, questione e cobre discussões conscientizadoras da escola em relação a assuntos como sexo, sexualidade, transtornos mentais e suicídio.

Quem não deve assistir 13 Reasons Why

Segundo o psiquiatra Luiz Henrique Dieckmann, essas obras podem ter alguma influência ruim apenas em pessoas que já apresentam distúrbios psíquicos ou tendência suicida. "Elas podem se identificar com personagens que estão em situação parecida com as delas e se sentirem entendidas. Com isso, a série pode colaborar com uma predisposição já existente", explica o profissional.

Contudo, ele ressalta que pessoas que não apresentam comportamento suicida ou possuem transtornos de ordem mental e emocional dificilmente se sentirão motivadas a isso, já que o ato envolve diversos fatores e não apenas a influência da mídia. 

O especialista recomenda que a série não seja vista por quem está fragilizado, principalmente por transtornos psiquiátricos. "É como o pós-operatório de uma cirurgia: não dá pra sair pegando peso e fazendo musculação. Na psiquiatria é igual, há temas e obras em que é recomendável ter contato apenas quando a saúde mental não estiver tão prejudicada, como violência, terrorismo, terror, morte, etc", conta.

O especialista também aconselha que, principalmente no caso de crianças, adolescentes e jovens adultos, os pais estejam atentos ao o que o filho assiste e com quem fala. "Não adianta proibir e censurar, o ideal é acompanhar, discutir e ressaltar para o filho que aquilo é uma série, pois às vezes os mais jovens não têm maturidade para assimilar a separação entre vida real e arte", ressalta. 

Como identificar o comportamento suicida?

Em 13 Reasons Why a morte da personagem foi inevitável, mas na vida real há como buscar ajuda para que o desfecho da história seja outro.

Os familiares e amigos possuem papel fundamental na prevenção e o primeiro passo é observar indícios como: 

  • Mudança de comportamento
  • Automutilação
  • Falta de sentido na vida
  • Consumo de álcool ou drogas
  • Abusos e traumas anteriores
  • Tentativa de suicídio anterior
  • Perda de vínculo com amigos
  • Distanciamento afetivo de outras pessoas
  • Agressividade aumentada
  • Queda no rendimento escolar
  • Uso de substâncias ou abuso de álcool mesmo por menores de idade
  • Doação de objetos de valor
  • Tristeza e desânimo intensos
  • Frases “queria dormir e não acordar”, “quero sumir”, “você não me merece, estaria melhor sem mim“

Como buscar ajuda?

Há como acabar com a dor e voltar a ver sentido na vida, por mais que você ainda não enxergue isso. Comece buscando ajuda de amigos, familiares, psicólogos e psiquiatras.

O CVV também pode ajudar! Ele é uma associação de voluntários dispostos a conversar sobre o que quiser a qualquer momento via skype, telefone e presencialmente. No caso do atendimento virtual ou telefônico, não é preciso se identificar. Entre em contato pelo  site do CVV, telefone 141 ou nos postos da organização.

Como ajudar alguém?

Ao identificar a tendência, estabeleça um diálogo franco e sem preconceitos com a pessoa, tentando entender e apoiá-la. Se houver abertura, ofereça ajuda e leve-a a um profissional da saúde. "Quem tem depressão e outros distúrbios quer deixar de sofrer e muitas vezes não sabe como", conta o especialista. Caso perceba que não há abertura, converse com um psiquiatra sobre a possibilidade um tratamento não voluntário.

Além disso, fique atento a atitudes que indiquem que o indivíduo tentará se suicidar em breve, mostrando apoio e observando sua rotina. Os dias que mais merecem atenção são domingo à noite e manhã de segunda-feira, pois o "recomeço" da semana aumenta o sofrimento.

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