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Cena de estupro em filme foi violação real: "Queria que se sentisse humilhada"

Publicado 5 Dez 2016 – 10:00 AM EST | Atualizado 28 Mar 2019 – 12:38 PM EDT
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Algumas cenas do cinema ficam famosas pela intensidade, polêmica ou relevância no roteiro, e acabam se consagrando anos depois da estreia do filme. Porém, nunca se sabe o que acontece nos bastidores desses clássicos.

É o caso de “Último Tango em Paris”, filme do diretor italiano Bernardo Bertolucci e estrelado por Marlon Brando e Maria Schneider, em 1972. Na história, Jeanne (Maria Schneider) procura um apartamento em Paris e acaba se envolvendo intensamente com o americano Paul (Marlon Brando).

Estupro em "Último Tango em Paris"

Como em vários filmes de Bertolucci, as cenas de sexo são explícitas e intensas, e uma delas em especial ficou marcada neste filme. Paul estupra Jeanne, em um apartamento vazio, e usa manteiga como lubrificante.

A angústia e expressão de dor da personagem ficam bem claras, mas isso não foi só atuação. A atriz Maria Schneider realmente se sentiu estuprada por Marlon Brando, algo que Bertolucci confirmou em 2013.

Segundo ele, a atriz não foi informada do que aconteceria na cena, pois o objetivo era captar o real sentimento de pânico frente ao estupro. "Queria sua reação como menina, não como atriz. Queria que ela sentisse a humilhação, os gritos”, explica o diretor, numa entrevista realizada em 2013.

Bertolucci e Brando não contaram à Schneider sobre a manteiga e a cena de estupro - tudo para deixá-la mais próxima da realidade, justifica o diretor. Anos depois do filme, Maria chegou a denunciar o caso em entrevistas, mas teve suas acusações desacreditadas por Bertolucci.

Nas filmagens, Schneider tinha apenas 19 anos, era virgem e não tinha consciência de seus direitos profissionais – afinal, Bertolucci e Brando poderiam ser denunciados pelo que fizeram. Na época, ela não contou para ninguém e sofreu consequências como depressão, problemas com drogas e tentativas de suicídio ao longo da carreira. Mesmo tendo feito mais de 50 filmes após "Último Tango", a atriz não fez mais nenhuma cena de nudez e chegou a afirmar que se arrependeu do longa com Bertolucci e Brando.

Veja a entrevista com o Bertolucci na íntegra, com legendas em espanhol e inglês (tradução livre em português disponível no fim do texto):

A atriz faleceu em 2011, em decorrência de um câncer, e o diretor só confessou tudo o que ela já havia declarado dois anos depois. Vale lembrar que este não é um caso isolado, pois várias atrizes confessaram sofrer nas mãos de diretores como Alfred Hitchcock e Woody Allen nos bastidores do cinema.

Além disso, ao ser perguntado se ele se arrependia do que fez, Bertolucci disse se sentir culpado, mas nunca arrependido: “Para fazer filmes e obter algo, às vezes precisamos ser completamente frios”.

Schneider não teve mais contato com Bertolucci e Brando durante toda sua carreira. Mesmo tendo atuado em dezenas de filmes, sempre disse que seu maior arrependimento foi fazer “Último Tango em Paris”.

Nota da editora: Optamos por não colocar o vídeo da cena em questão na reportagem, apesar de ser um clássico do cinema, para não propagar esse tipo de comportamento abusivo.

*Confira a tradução livre das legendas do vídeo:

"Em 3 de fevereiro de 2011, Maria Schneider faleceu em Paris. Ela tinha 58 anos. Schneider tinha 19 anos quando gravou "Último Tango em Paris", de Bertolucci, com Marlon Brando. Dois anos mais tarde, Bertolucci falou sobre Maria.

BERTOLUCCI: Pobre Maria. Ela morreu, há uns dois anos, acho. Depois do filme, nós não voltamos a nos ver, porque ela me odiava. Na sequência conhecida como 'a manteiga', foi uma ideia que eu tive com Marlon na manhã antes da gravação, mas eu fui horrível com Maria, porque eu não disse a ela o que ia acontecer.

Porque eu queria a reação dela como menina, não como atriz. Queria que ela reagisse à humilhação, que sentisse os gritos de 'não, não', e acho que ela me odiou, e odiou Marlon, porque não contamos a ela do detalhe do uso da manteiga como lubrificante. Eu me sinto muito culpado por isso.

Porém, não me arrependo. Sabe, para fazer filmes, às vezes, para obter algo, acho que temos que ser completamente frios. Eu não queria que Maria atuasse sua humilhação, sua raiva. Eu queria que ela sentisse. Por isso, ela me odiou a vida inteira".

Maria teve problemas com drogas a vida inteira, tentativas de suicídio e internações em centros psiquiátricos. Quando ela gravou o filme, ainda era virgem. Maria ficou marcada pelo resto da vida.

Machismo no cinema e TV

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