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Por que nós mentimos? Cérebro humano fabrica inverdades com objetivos específicos

Publicado 15 Mai 2017 – 06:00 AM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 08:44 AM EDT
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Contar uma mentira é algo inofensivo, às vezes necessário ou um comportamento maléfico? As opiniões dividem-se, mas fato é que é praticamente impossível que você passe por toda sua vida sem dizer nenhuma inverdade. Há algumas teorias que respondem por que tendemos a não ser totalmente sinceros e todas elas encontram suas respostas lá no fundo do ser humano  

Por que as pessoas mentem?

A mentira é um dos métodos mais compartilhados entre todos os seres vivos para sobreviver. O camaleão é, talvez, o exemplo mais famoso: falseia sua coloração o tempo todo para se livrar dos predadores. Mentir, portanto, é um meio para se manter vivo, saudável e disseminar a espécie, inclusive para os humanos. Mas, claro, tudo tem limite.

No artigo “Mentirosos Naturais" [tradução livre], o psicólogo e filósofo David Livingstone Smith, da Universidade de Londres, responde à esta pergunta. “Mentimos porque funciona. Os homo sapiens foram os melhores para mentir e ganharam uma vantagem sobre os outros na implacável luta para o sucesso reprodutivo”, afirmou, baseado na adaptação da Teoria da Evolução para o comportamento humano.

A área de estudo que crê na hipótese de que todo nosso comportamento é baseado na evolução das espécies e nos registros genéticos de nosso DNA é a psicologia evolutiva. Para ela, mentira é um comportamento mais amplo do que simplesmente inventar aquela dor de barriga para perder a prova.

No artigo, David Smith dá exemplos em diversos estágios da evolução. Cita a orquídea espelho, que exibe flores azuis que imitam o abdômen de uma vespa e libera também uma química que simula feromônios para atrair os insetos, e também a cobra-focinho-de-porco, que embora não tenha veneno, se comporta como uma cobra agressiva para enganar um predador. Além dos macacos catarrhini, famosos por serem capazes de enganar até animais da mesma espécie.

Assim, a hipótese é que quanto mais complexas as relações a que o animal é exposto, mais ele tende a se tornar mais inteligente, adaptável e flexível. Ou seja, mais engenhoso em suas mentiras. “Esta coreografia social complexa nos traz para nossas vidas hoje. A mentira facilita a interação social, que ajuda a manipular os outros e fazer amigos”, escreveu o britânico.

A primeira mentira: para nós mesmos

“Quando uma pessoa não pode mentir para si mesma, diminuem suas chances de mentir para os outros”. A frase atribuída ao escritor norte-americano Mark Twain é uma das chaves para entender o mecanismo da fabricação da mentira.

O importante sociólogo e antropólogo canadense Erving Goffman teria afirmado que passamos 95% de nosso tempo desviando a realidade e interpretando papéis. Em média, falaríamos de dez a 100 mentiras todos os dias, e só podemos fazê-lo porque vivemos pelo menos parte delas em nossa realidade interna.

É verdade que as mentiras trouxeram vantagem evolutivas, mas também comprometeram as relações de convivência entre os próprios humanos. Portanto, para coibir as mentiras que sabemos que são mentiras, o próprio organismo gera reações não verbais involuntárias: rosto corado, coração acelerado, mais suor, entre outros.

Para Sigmund Freud, não há mentira que não seja exposta ao mundo. "Nenhum mortal pode guardar um segredo. Se seus lábios estão em silêncio, ele fala com os dedos; a traição é exalada por todos os poros”, escreveu.

Como uma mentira é fabricada no cérebro?

Para explicar o processo de fabricação da mentira, Smith faz uma comparação entre o cérebro humano e um computador. Nesta analogia, afirma o psicólogo, o sistema cognitivo é o equivalente ao processador da máquina e as experiências conscientes seriam a tela.

O que aparece na tela, ou na consciência, ocorre antes nos processadores, ou no sistema cognitivo. A ação no cérebro ocorre um terço de segundo antes de decidirmos conscientemente, ou seja, a decisão de mentir é inconsciente, a consciência determina se deve expressá-la ou não.

Este filtro que determina expressar ou não a mentira é o que permite que não saiamos por aí falando apenas o que desejamos inconscientemente. “Temos um filtro cognitivo entre consciente e inconsciente que age na informação antes que ele atinja a parte consciente e impede que certos pensamentos sigam em caminhos neurais para a parte consciente”, explica.

Tipos de mentira

Um dos primeiros filósofos a pensar a Ética, Aristóteles rejeitava veementemente a mentira deliberada. Aceitava, contudo, duas variações daquilo que hoje entendemos como mentira: a diminuição ou o aumento da verdade - ou, no limite, um ideal de verdade que pudesse ser comprovada.

Séculos depois, o também filósofo e teólogo Santo Agostinho consagrou a definição de seis tipos de mentira:

  • A que prejudica alguém, mas é útil a ele ou a outros;
  • A que prejudica a outro e não beneficia ninguém;
  • A que se comete exclusivamente pelo prazer de mentir;
  • Aquela que é apenas uma boa história ou piada;
  • Aquela que confunde e leva ao erro em suas crenças;
  • A mentira, enfim, que salva a vida de uma pessoa.

Talvane de Moraes, professor de psiquatria forense, explica que se pode pensar em mentiras sem colocar uma carga necessariamente negativa sobre elas. Aponta que há mentiras benéficas (contadas visando o bem do indivíduo) e mentiras sociais (usadas sem gravidade em compromissos do dia a dia). No outro extremo, cita o médico, está a mitomania, que é o termo clínico para o indivíduo portador da patologia da mentira. O mitômano tem o hábito de mentir recorrentemente e pode saber ou não se está mentindo.

Mentira patológica

Psicopatia

No caso desta patologia, definida hoje em termos clínicos como transtorno de personalidade anormal, o sujeito que mente tem total compreensão de sua mentira. Talvane de Moraes explica que o psicopata sempre entende o ato que está praticando, embora não sinta como aquilo pode impactar o alvo de sua ação. “O sentimento de solidariedade é estranho para ele, que entende o fato, mas não sente nada. Falta a experiência do outro”, explica Dr. Talvane.

Psicose e esquizofrenia

Em indivíduos que apresentam tais patologias, é bastante comum que suas mentiras sejam reflexo de uma compreensão confusa do mundo. Em delírios, que são típicos destes quadros, eles aceitam como verdade as ilusões, visões e vozes que ouvem.

“O psicopata tem juízo de realidade, os psicóticos e esquizofrênicos acreditam em suas ilusões”, resume o psiquiatra.

As mentiras que nos contamos

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