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“SP tem de 10 a 15 ratos por habitante”, diz especialista. Onde estão as pragas urbanas?

Publicado 10 Mai 2017 – 06:01 AM EDT | Atualizado 16 Mar 2018 – 10:09 AM EDT
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Nossos antepassados caçavam seus alimentos e enfrentaram grandes feras selvagens para defender seus territórios e grupos. Hoje, a briga contra animais continua tão feroz quanto antes, mas em cenários e com participantes diferentes: nas cidades, temos que lutar contra ratos, pombas, urubus e até escorpiões. E diferente dos embates anteriores, estamos perdendo a disputa.

Pode soar exagerado, mas a quantidade e periculosidade das chamadas pragas urbanas é extremamente nociva contra as pessoas. E antes de jogar toda a culpa os bichos, não se enganem: a culpa é nossa.

Com o avanço do meio urbano, tomamos o território de várias espécies. Alguns animais não têm mais ambientes silvestres para viver, mas conseguiram se adaptar muito bem com a gente. 

Rato, barata, pombo, aranha: o risco das pragas urbanas

Todo bicho que, por conta de um número exagerado de espécimes, causa danos econômicos e sociais ao seres humanos entra na categoria dos animais sinantrópicos. Esse é o termo da biologia para se referir às pragas urbanas, que além de não trazerem benefícios, não são domesticados.

O sucesso evolutivos desses animais no meio urbano está totalmente relacionado ao nosso modo de vida. “A maior praga urbana é o ser humano. Esses bichos se aproveitam de uma situação que o homem deu pra eles. Se tivéssemos lixo bem acondicionado, a incidência de pragas seria bem menor”, explica o biólogo Randy Baldresca, especialista no assunto.

Problema nacional

Insetos, mamíferos e aves são inimigos da população que vive na cidade. E podemos nos surpreender com os exemplos. Desde os mais óbvios como baratas e ratos, passando por morcegos e urubus e chegando até em escorpiões e cupins. O que une esses animais são as condições favoráveis que encontram – clima propício para reprodução e alimentação abundante vinda dos nossos lixos.

De norte a sul do Brasil, todas as regiões sofrem com animais sinantrópicos. Os biólogos ouvidos explicam que isso se explica pelo fator climático do país. “A questão do Rio de Janeiro é a falta de sazonalidade, pois faz calor o ano inteiro”, explicou Sandra Thomé, Coordenadora de vigilância em zoonoses da subsecretaria de vigilância sanitária do Rio de Janeiro. “O mosquito é mais comum no verão, mas se chover [em outra estação] ele já pode voltar a ser um problema”, exemplifica.

A capital com menos problemas de animais sinantrópicos é Porto Alegre. Mas não pela limpeza ou eficácia administrativa do município no controle das pragas. O motivo é o clima frio. “No clima frio há menos incidência desses animais”, afirma Baldresca. “Mas no sul, barata é mato”, brinca, referindo-se à abundância do inseto na região.

Principais pragas urbanas brasileiras: onde elas se escondem?

Caramujos eram originalmente alimento

Existem ameaças que foram introduzidas no nosso ambiente com outros propósitos, mas ficaram descontroladas. O caso mais famoso é o do caramujo africano (Achatina fulica). “Esse animal que não era da região e acabou se tornando uma praga urbana controlada mais tarde”, recorda Alexandre Granjeiro, chefe do Setor de Remoção e Captura do Centro de Controle de Zoonoses de Manaus.

Thomé explica que ele foi trazido ao Brasil há muitos anos atrás para ser opção barata na alimentação, mas não houve sucesso. Sem nenhum predador natural para fazer controle biológico, o caramujo se alastrou por todo o litoral brasileiro, sendo um problema econômico em todas as praias.

Ratos: perigo onipresente

Quando perguntados sobre qual a maior ameaça sinantrópica, os biólogos e veterinários foram unânimes: ratos. Nossa relação com os roedores já é bem antiga. Alexander Caldcleugh foi um viajante que esteve no Brasil entre 1819 e 1821. Suas memórias estão registradas no livro “Travels in South America”. Um dos trechos deixa claro que o número de ratos é incontrolável há tempos. “Muitas das melhores casas estão de tal forma repleta deles que durante um jantar não é incomum vê-los passeando pela sala”.

Oficialmente, nenhum órgão sabe responder quantos ratos existem em qualquer cidade do mundo, tamanho o descontrole da praga. O documentário “Rats: Realidade Urbana”, disponível na Netflix e produzido pela Discovery, dá uma assustadora noção em relação a Nova York, maior cidade do mundo. Lá, há pelo menos um rato por habitante. Ou seja, no mínimo 8,2 milhões de ratos.

A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo não soube nem quis confirmar nenhum número. Informaram que nem o Centro de Controle de Zoonoses, nem o Programa de Vigilância e Controle de Leptospirose e Roedores muito menos o Laboratório de Identificação e Pesquisa em Fauna Sinantrópica é capaz de afirmar uma quantidade de roedores na cidade.

Porém, Randy Baldresca é categórico e assustador: segundo seus dados, é possível afirmar que existem entre 10 e 15 ratos para cada habitante de São Paulo. Nas contas mais otimistas do especialista em pragas urbanos, isso daria cerca de 120 milhões de ratos paulistanos.

As três maiores pragas roedoras no país são a ratazana de esgoto (Rattus norvegicus), o camundongo (Mus musculus) o rato de telhado (Rattus rattus). É possível dizer que o menos nocivo e assustador seja o camundongo, que se parece com o personagem Jerry e come grãos. Mais localizado no interior, ele também é responsável por transmitir todas as doenças.

Em contra partida, as outras duas espécies se alimentam dos lixos da cidade e conseguiram se adaptar a qualquer ambiente desfavorável. As fêmeas conseguem segurar o parto até que se sintam seguras. Na falta de alimentação, a colônia realiza canibalismo e se alimentam dos mais fracos – começando pelos próprios filhotes.

Leptospirose no Brasil

Transmissores de doenças terríveis como leptospirose, hantavirose, disenteria e tifo murinho, esses animais são um dos maiores exemplos de valência ecológica, a capacidade de se adaptar a qualquer situação. Desde 2010, mais de 2300 pessoas morreram de leptospirose e houve 815 casos confirmados somente nos primeiros meses de 2017, segundo o Ministério da Saúde.

Em Manaus, ratos estão presentes em áreas rurais e urbanas da cidade; no Rio de Janeiro, a umidade e presença de rios e córregos favorece a presença das ratazanas.  Dados divulgados pelo Programa de Vigilância e Controle de Leptospirose e Roedores do município de São Paulo informam que a cada 100 mil habitantes da cidade, dois já sofreram a doença.

Cupim: São Paulo é a cidade mais infestada do mundo

Segundo dados do biólogo Randy Baldresca, São Paulo é a cidade que mais sofre com infestação de cupins no mundo inteiro. Sim, os minúsculos e incômodos comedores de madeira são pragas urbanas e se alojam em antigas construções habitacionais do centro da cidade.

Barata: nojenta, mas útil nos esgostos

Baratas de esgoto são grandes inimigas urbanas. Nesse caso, a valência ecológica, segundo Sandra Thomé, explica a proliferação e presença desses bichos. São os maiores exemplos de animais sinantrópicos porque perderam seu espaço na natureza, mas não deixaram de existir: habitam esgotos.

Entretanto, todos esse animais ainda têm importância ecológica. “Todos tem utilidade no ambiente. As baratas, por exemplo, comem fezes humanas nos esgotos e ajudam a não acumular esses dejetos nos encanamentos”, explica Baldresca.

Escorpião: habita em pequenas frestas

Se você acha nojenta a presença das baratas, saiba que escorpiões adoram. Por conta do grande número desses insetos, ocorre nas grandes cidades do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, uma grande incidência de escorpiões. Eles se beneficiam do contato com as pessoas habitando pequenas frestas em paredes de construções ou até mesmo se escondendo dentro de sapatos.

No Brasil há a presença do Tityus serrulatus, o escorpião amarelo, uma das três espécies mais venenosas do mundo inteiro. Um dos maiores desafios em controlar ou exterminar esses animais é uma capacidade evolutiva muito engenhosa que criaram.

Quando está em condição de estresse, como morte de boa parte da colônia ou condições desfavoráveis, a fêmea entra em processo de partenogênese. Ou seja, na falta do macho da espécie, ela consegue mudar seu sistema e começa a realizar autofecundação num processo assexuado. Isso garante a perpetuação da espécie, que já é um grande problema e tende a aumentar 60% nos próximos dois anos, segundo cálculos do biólogo Baldresca.

Pombas causam alergia e doenças nas ruas

Essas aves podem parecer inofensivas no sentido de agredir humanos. Mas causam alergias e distribuem doenças, sendo muito nocivas principalmente a crianças e idosos. Sandra Thomé, da Zoonose do Rio de Janeiro, afirma que um dos problemas em conter os pombos são as pessoas que não os veem como um problema.

Outro fator que auxilia no número desenfreado de pombas nas cidades é o forte poder de adaptação dessas aves. “O que acontece é que elas têm uma plasticidade ecológica muito grande, e podem se adaptar facilmente às diversas características das cidades”, explica o professor especialista em aves urbanas Augusto Piratelli, da Universidade de São Carlos.

Em um experimento que ele desenvolveu com seus alunos na cidade de Sorocaba, interior de São Paulo, Piratelli concluiu que pombas da cidade tem mais tolerância à aproximação humana do que seus primos de áreas rurais.

Quando se comparam aves que vivem em áreas menos urbanizadas com aquelas que habitam as cidades, viu-se uma menor distância de fuga. Isso vem acontecendo rapidamente no decorrer dos anos, basta se recordar que as pombas na sua infância saiam voando assim que você se aproximava, enquanto hoje elas disputam seu lugar até mesmo na calçada, talvez.

Thomé ajuda a explicar o que pode estar acontecendo para que esses animais mudem de hábito tão rapidamente. Pombas costumam procriar muito em curtos espaços de tempo entre uma gestação e outra, aumentando a mudança genética da espécie. “Quanto menor o tempo de geração de uma espécie, mais rápido ela sofre mutações”.

Urubus são fundamentais para limpeza

Essas aves, na verdade, podem ser nossas aliadas no controle do lixo. Acontece que o número de descarte produzido pelos humanos não condiz com as condições urbanas de coleta. Menos da metade das cidades brasileiras tem saneamento básico e dessa forma seria impossível manter as cidades mais limpas sem a ajuda dos urubus.

Elas habitam a cidade e, se sentirem-se ameaçadas, podem atacar humanos e dificilmente são domesticadas. Porém, tem função no ecossistema urbano. “São como provedoras de serviços ecossistêmicos. Ao remover carcaças, elas regulam o ambiente e reduzem os riscos de transmissão de doenças e contaminação do solo pelas carcaças em decomposição. Então eu acho que eles devem ser vistos como nossos amigos, não como pragas”, explica o biólogo Piratelli.

Outros animais - nocivos ou não

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