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Marcado para nascer

Publicado 30 Jun 2016 – 08:14 PM EDT | Atualizado 20 Mar 2018 – 12:57 PM EDT
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Imagine viver na Antiguidade, quando os partos eram única e exclusivamente vaginais. As mulheres nem sonhavam com hospitais, anestesia, nem com os cuidados médicos que hoje cercam o momento do parto. Dar a luz a um bebê sem ser pelos métodos naturais, então, nem pensar. Na Roma antiga, as cesarianas eram realizadas por causa de uma regra religiosa que proibia funerais de mulheres grávidas. Assim, quando a mãe morria - no parto ou antes dele - sua barriga era cortada e o feto retirado, para então dar início aos rituais fúnebres.

Além disso, na época dos grandes impérios, quando a gravidez representava algum tipo de risco, a escolha era pela vida da criança, a fim de garantir a perpetuação da sociedade. Nesses casos, o bebê também era retirado da barriga da mãe através de uma incisão, mas a genitora dificilmente resistia.

O próprio imperador Júlio César, que nasceu de uma gravidez de risco, veio ao mundo desse jeito. Mas para a surpresa de todos, não só a mãe sobreviveu, como teve outros filhos depois de César. Dessa forma nascia não só um dos grandes imperadores de Roma, como também o termo "cesariana".

Vivemos no mundo da estética, em que a casca é mais importante do que o conteúdo, e que ainda acredita-se que o parto normal interfere na sexualidade da mulher, ou mesmo que a amamentação prejudica os seios


Muitos séculos depois, a cesariana se tornou algo comum e preferência entre as mulheres brasileiras na hora de ter seus filhos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número ideal de partos cesáreos praticados em um país é de 15%. No entanto, um levantamento feito pelo Ministério da Saúde recentemente revelou que este índice é muito maior no Brasil: 43% dos partos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e 80% dos partos realizados por planos de saúde, a maioria deles nas regiões Sul e Sudeste, onde o poder aquisitivo é maior. O Brasil é o segundo país a realizar mais cesarianas. Fica atrás apenas do Chile.

Segundo Dra. Lena Vânia Carneiro Peres, do Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas do Ministério da Saúde, isso pode indicar que o parto cesário se tornou "um bem de consumo".

Mas por que tantas mulheres preferem trocar o parto natural por uma experiência cirúrgica, quase impessoal?

Filhos com hora marcada e sem dor

Por mais avanços técnicos que a medicina tenha alcançado nos últimos anos, uma cirurgia é sempre cercada de riscos e cuidados especiais, como afirma o diretor-geral das unidades do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Dr. Mário José Bueno: "O parto cesáreo tem baixo risco, mas não está isento de complicações". Ele alerta também que um dos motivos para o aumento do número de cesarianas entre mulheres brasileiras é simplesmente a vaidade. "Vivemos no mundo da estética, em que a casca é mais importante do que o conteúdo, e que ainda acredita-se que o parto normal interfere na sexualidade da mulher, ou mesmo que a amamentação prejudica os seios", diz.

Mais do que vaidade, para o Dr. Hugo Miyahira, vice-presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro, a cesariana representa também conforto. Ele afirma que "ela é escolhida por muitas mulheres devido, principalmente, à previsibilidade". Andrea Tavares Vieira, enfermeira e supervisora da maternidade e berçário da Casa de Saúde São José - uma das mais badaladas do Rio de Janeiro, escolhida por muitas celebridades na hora de ter seus filhotes - concorda, e acrescenta ainda o fator cultural, os medos e inseguranças que levam as mulheres a optarem por uma cesariana. "Muitas gestantes deixam claro, desde o pré-natal, que não querem sentir dor durante o parto", constata.

Sem, dúvida, o fenômeno das cesarianas verificado no Brasil reflete uma questão social.

Segundo Dr. Miyahira, um estudo feito na Holanda indica que, naquele país, 80% a 90% das mulheres têm partos vaginais, o extremo oposto do Brasil, onde esse tipo de parto fica em torno dos 10%. "Na Holanda, as mulheres são educadas sabendo que o parto envolve dor e se preparam psicologicamente para isso. Lá também existe a tradição dos partos acompanhados por doulas. São partos longos, que duram cerca de 18 horas. As doulas recebem cerca de US$ 800 por cada parto realizado. Aqui no Brasil, essa não seria uma remuneração adequada, já que os partos são realizados por médicos especializados, com mais conhecimento técnico", defende.

Luciana Bastos, com oito meses de gravidez, já decidiu: vai ter seu filho com hora marcada. "Crescemos ouvindo de nossas mães e avós que a dor do parto é inigualável. Também vemos nas novelas e filmes mulheres urrando, como se estivessem morrendo ao terem seus filhos. Tudo isso assusta muito e, já que temos a opção de ganharmos nossos bebês sem dor, e ainda com as facilidades de ter dia e hora marcada, não é de se estranhar que cada vez mais mulheres decidam fazer uma cesariana", opina.

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